Perce Polegatto
Beethoven não pode esperar
Entra em casa vindo de um mundo onde
somente e com a mais pura nitidez as coisas existem. Sonha que não é
um homem, pretende vencer o que o aflige. Na escrivaninha reencontra
(a tarde de vento) o que exige ser decifrado, esboços de labirintos,
a gárgula do chafariz, cenário da infância onde pela primeira vez
compreendeu que compreendia, de onde partiu tudo o que mais tarde se
torna ele, avesso da razão, despertar ao que intui secreto e além
das coisas: o tempo. Um sonho, não mais. Música ao fundo. Soma de
todos os segredos. Já é um homem. Não o seu rosto. O olhar. E sua
temporada de luz, sua breve luz. Deserto de cantigas. Mas há o
quarto que o abriga, o que supõe seu paraíso fechado, há o papel
desafiando ao resgate. Por toda parte o abismo de sua fortaleza sem
deuses, arrebatador. Os mistérios não são ocultos. Mas recusamos sua
evidência inquietante. Outra vez a febre, as mãos que tremem: que
música é esta? Que abismo é este, se maior abismo é tê-lo devassado?
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