Jornal de Poesia

 

 

 

 

 

 

Perce Polegatto


 

Beethoven não pode esperar

 

Entra em casa vindo de um mundo onde somente e com a mais pura nitidez as coisas existem. Sonha que não é um homem, pretende vencer o que o aflige. Na escrivaninha reencontra (a tarde de vento) o que exige ser decifrado, esboços de labirintos, a gárgula do chafariz, cenário da infância onde pela primeira vez compreendeu que compreendia, de onde partiu tudo o que mais tarde se torna ele, avesso da razão, despertar ao que intui secreto e além das coisas: o tempo. Um sonho, não mais. Música ao fundo. Soma de todos os segredos. Já é um homem. Não o seu rosto. O olhar. E sua temporada de luz, sua breve luz. Deserto de cantigas. Mas há o quarto que o abriga, o que supõe seu paraíso fechado, há o papel desafiando ao resgate. Por toda parte o abismo de sua fortaleza sem deuses, arrebatador. Os mistérios não são ocultos. Mas recusamos sua evidência inquietante. Outra vez a febre, as mãos que tremem: que música é esta? Que abismo é este, se maior abismo é tê-lo devassado?
 

 

 

 

 

11.07.2005