Rodrigo Petronio
Tríptico
para Francis Bacon
I
Escorrendo
no laranja ocre
lívido
as vísceras inutilmente exigem forma.
Do plano
abstrato
e sem ritmo
onde
estátuas se movem
invisíveis
em suas sedas e istmos
de pele que
a pálpebra deflora
o verme
busca a terra
o verme
busca o ventre aprazível da terra
o verme
busca a terra podre
e o que ela
expectora.
A imitação
de ourives
em tons e
cores explode:
o movimento
incide sobre a matéria
e a devora
no espaço
tempo agora
do
anátema
no exílio
da carne lúcida e viscosa
que apaga o
céu da vista
e a tinta
vibra disforme.
Na cruz
inversa de Cimabue
mais uma
vez o verme morre.
II
Escapando
ao olhar,
a
intensidade dissolve os corpos
na luz a
pino de outro espaço.
O nervo se
tenciona e une
os pedaços
dos homens em um tempo parado.
O papa de
Velázquez evapora
em um grito
eternamente estático.
O andarilho
tenta em vão achar a porta,
a chave
engastada na pata
e a seta
nos mostra a luta
de dois
corpos
sobre a cama em forma de átrio.
III
O tempo tem
outra espessura
e corre
infenso à física da luz e suas regras
quando
suspenso no vazio de um plano azul,
dentro de
hastes de metal
em uma jaula delgada
– a vítima
abatida na vitrine
presa pela
ilharga olhando o nada.
Vermelho
assim se
fez o mundo.
Vermelho
vivo e licoroso
o sêmen e a
terra são vermelhos
quando a
mente divaga
entre
escombros de vida e a vida intacta
no útero
vermelho do sangue do cordeiro
vermelho
que não se apreende nas cinzas da manhã
vermelho da
luz noturna
vermelho da
vagina e do feltro
vermelho
mais que cor vibrátil
imune a
qualquer ponteiro.
Homens
içados em hastes
no escuro
aceso
pelo toque e pelo do tato
o mundo em
movimento
corpos
mutilados
vêm e vão no tempo espaço
a tela
virando sombra da Idéia que refrata.
O mundo
como evento.
O mundo
como templo
sujo e
conspurcado.
Em fila
indiana o gado dócil vai ser abatido
no vermelho
vivo e rápido
que desfaz
as linhas e contornos
do
auto-retrato.
No vermelho
em que o olho vê o mundo como rapto.
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