CARTOGRAFIAS
POÉTICAS:
DAS
MULTIPLICIDADES DO si À POLIFONIA NASCENTE DE RITA BRENNAND.
Numa
primeira leitura, sobre as enunciações poéticas de Rita
Brennand, podemos encaminharmo-nos a equívocos
interpretativos: lançar nosso olhar, a um só tempo, na direção
do modelo representativo de inconsciente, com uma flecha
dirigida a desencavar os mistérios produzidos pelas
tessituras sonoras e blocos de imagens que Rita expressa; lançar
nosso olhar ao modelo analógico de existência, levando-nos a
acreditar na imitação dos seres propostos, ou seja, que Rita
tentaria produzir sua expressão imitando a natureza; lançar
nosso olhar às linhas de subjetivação, as quais,
encaminhando-se, tão-somente, aos ventos do passado.
Rita
não quer representar nada, isto é, não deseja fazer jorrar
as intensidades de sua vida como uma reprodução poética: não
deseja reapresentar suas experimentações passadas pelo véu
de imagens da poesia. Deseja sim, fazer escorrer em palavras,
em sonoridades, em blocos de imagens, em perceptos, uma
constelação de forças que, com efeito, transbordam em si,
nascidas do encontro com outras forças, na relação com o
plano do Fora. Plano de coexistência.
Por
este prisma, Rita produz um pensamento múltiplo, lançado aos
ventos que assopram na direção dos pensadores do
Fora: Rita se conecta com todas as forças que possam
lhe tocar num dado instante, para num relance, já estar
tomada num devir, num corpo intenso, completamente
desterritorializado de suas funções psicossociais orgânicas
e molares.
Rita
quer produzir-se a cada encontro, deixando-se escapar de si,
de sorte, a transbordar numa relação de
movimento-repouso-velocidade e lentidão de suas partes,
tornando-se parte de um agenciamento complexo: Rita-Barro;
Rita-Bosta; Rita-Ovo; Rita-Pássaro; Rita-Tantos...
Rita
exercita o poder de afetar e de ser afetada por intensidades
despercebidas para muitos: Plano Molecular. Universo de ínfimas
intensidades, partículas de sensações que, por seu turno,
jorram a cada encontro, suscitadas pelo diálogo com as forças
múltiplas do
Fora.
Rita
é tomada numa conexão rizomática, nos termos deleuzianos:
campo fecundo de variações de trajetos experienciados, sobre
o qual produzir-se-á uma coexistência entre passado,
presente e futuro. Produção de intensidades, de afetos que,
a um só tempo, lançam-na na direção da composição de uma
existência plástica, afetada por suas partes e pelas partes
a que se permite conectar. Produz com sua fala um cristal
temporal.
Rita
lança-nos numa “vertigem do espaçamento”, conceito de
Blanchot, espaço sobre o qual germina a pululação dos gérmens
potentes, gérmens de forças que, por conseguinte, estonteiam
qualquer intervenção lógica racional. Rita quer fazer gemer
uma lógica sensível, na qual torna-se inteligível, mais por
suas conexões intensivas de afetos e menos por uma compreensão
intelectivo-interpretativo-racional.
Rita
não quer imitar um bicho, a terra, a bosta etc.: deseja, tão-somente,
deixar transbordar em si as intensidades produzidas da relação
com os objetos do Fora.
Rita afeta-nos com
uma outra lógica: a lógica dos seres de sensação. Neste
campo, seu pensamento entra em conexão e cruzamento com as
linhas de Fernando
Pessoa: produção dos seres de sensação, dos blocos de
sensação puros. Rita
escreve por puras sensações, ou como diria Daniel Stern: por
afetos de vitalidade.
Neste
território, Rita
entra num agenciamento com outros corpos, externos a si,
deixando escorrer em si um grau a mais de singularidade: não
imita o barro, mas entra numa zona de vizinhança em que já não
consegue se distinguir daquilo que transbordou no que era o
seu Si. Torna-se Rita-Barro.
Rita é pura
passagem de afetos que derramam-se em enunciações poéticas,
narrativas: o encontro advindo com as forças de um dado
acontecimento. Rita-criadora
de nomes próprios.
Rita
é pura multiplicidade e afeta-nos com um grau a mais de potência,
ao afirmar-se parte de cada agenciamento, de cada conexão
inaugurada por seus encontros.
Rita
não quer falar do passado, pois, as intensidades passadas
explodem em seus presentes, deixando-as explodirem nos múltiplos
platôs experimentados no instante vivido. Se o passado surge
em Rita, surge mais
para deixar retornar os afetos, as intensidades, as
velocidades, os blocos de sensações que matizam, tão-somente,
numa intervenção de contágio com outras intensidades do
presente nascente.
Rita
deseja fazer correr em nossa carne o sangue quente de vida:
deseja fazer escorrer em nós o desejo pela vida. Rita-Alegria.
Rita transborda a alegria Nieszcheana, encontrando-se com a potência
da criança existente em cada um de nós.
Essa
dimim que não se vê flutua... ela não se vê flutua, ela se
desfaz da poeira, ela se desfaz através do som, se desmancha
na curva da estrada, ou no som do sino que da igreja se
desfaz... Rita pulveriza o
ego... desterritorializa o ego... desmancha as fronteiras
personalísticas e individuais da Rita
Brennand, para ser outras de si... ser pré-individual, ser pré-personalística:
ser em estado nascente, para escorrer nos ventos sem ser
conhecida, identificada... Rita
desmanchou o nome próprio... tornou-se pura vibração...
As
curvas sonoras expressas por Rita entram num trajeto barroco de dobras que se desdobram: feito as
melodias bachianas encontrando-se com suas linhas de fuga,
entrecortando de passagem outras constelações sonoras,
outras possibilidades de novos horizontes. Contacto vibrátil.
Rita dobra a própria
linguagem. Desdobramento das peles existenciais,
desdobrando-se através dos acontecimentos em que é parte.
Mutação existencial. Ser filha dos seus acontecimentos:
produzir as muitas de si como estado nascente.
Paulo
de Tarso de Castro Peixoto – Musicoterapeuta – Gestalt –
Terapeuta – Psicopedagogo – Pós graduado em Currículo e
Prática Educativa – Mestrando em Psicologia –
Esquizoanalista.
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