Paulo Vizioli
Apresentação de
Donizete Galvão
Do silêncio da
pedra é o terceiro volume de poesia de Donizete Galvão. Tem em comum
com os anteriores -- Azul navalha (1988) e As faces do rio (1991) --
a profundidade das inquietações temáticas e o vigor dos recursos
estilísticos -- além (é claro) da postura independente, livre das
atitudes e dos modismos que permeiam boa parte da produção poética
contemporânea. Mas a obra apresenta igualmente traços próprios,
distinguindo-se de Azul navalha pela concisão maior da linguagem, e
de As faces do rio pela escolha da "pedra", ao invés da "água", como
motivo condutor. Com isso, o volume dá um pouco mais de ênfase ao
"espaço" em detrimento do "tempo"(que normalmente se associa à
fluidez do rio), complementando assim a visão que o poeta oferece da
sua e da nossa realidade.
Ao contrário da
água, que tem a fala dos seus rumorejos e fragores, a pedra é
silenciosa, calando "o que nela dói". A água representa a vida,
enquanto a pedra simboliza a esterilidade do deserto e, em última
instância, a morte. Por isso, Donizete Galvão começa por repudiá-la:
"Em que noite adormeci verde/ e acordei Saara?" Vê-se como um
daqueles homens que, prisioneiros de suas poluídas cidades de pedra,
se isolam uns dos outros na rotina de uma vida aparentemente sem
propósito.
Nesta sua waste
land particular, Deus se torna a própria pedra, "deus que não pune/
deus que não salva". Apesar disso, é para a pedra que o poeta acaba
se voltando, procurando identificar-se com ela consciente e
integralmente. Busca nessa imanência algo da eternidade, através das
lições que se podem extrair da permanência dos minerais: "De pedra
ser./Da pedra ter/ o duro desejo de durar". Sim, porque no espaço da
pedra também se encontra uma dimensão temporal, como bem lembra o
poema "Fósseis" (ainda que os indícios da vida passada sejam apenas
"souvenirs para turistas". Pouco a pouco, o autor vai descobrindo os
aspectos positivos de seu símbolo central, ora vendo a pedra como
anteparo ou abrigo (como em "Motetos de São José del - Rei"), ora,
entre sério e irônico, fazendo um pequeno rol de suas utilidades
("Almanaque da pedra"). A verdade, porém, é que a pedra é o chão
essencial: é o que resta depois de tudo ("quando tudo já houver
sido,/ lá estará ela"); e é também o que precede a tudo. É dela que
brota a água, a fonte da vida: e, sem ela, não haveria o
sustentáculo e a nutrição para as plantas e animais, -- como aquela
garça que "ergue/ para o céu/ a hipérbole/ do seu alvo/ pescoço".
Até a linguagem
da água nasce dos seus embates com o leito das rochas. E é esse
processo que esta poesia reproduz, ao recorrer à realidade para dar
voz à mesma realidade. Ele trabalha a pedra. E a pedra trabalhada --
a pedra lisa -- se transforma em arte, em algo acima da
transitoriedade e do sofrimento ("no mundo das pedras lisas não cabe
a dor"). É a pedra capaz de despertar em nós os mesmos devaneios de
Keats diante dos relevos de uma urna grega, ou de Yeats diante de
uma escultura em lápis lazúl.
São esses, em
resumo, alguns dos temas de Donizete Galvão em Do silêncio da pedra,
temas sem dúvida relevantes, que, ademais, ganham vida graças a uma
linguagem poética extremamente concisa e altamente sugestiva -- de
tal riqueza metafórica que as imagens se atropelam umas ás outras
("o mar de pedra soterra/ a árvore dos brônquios") -- e toda
pontilhada por funcionais sonoridades ( aliterações, rimas internas
etc.). Temos, pois, aqui um autor que não só tem o que dizer, mas
que também sabe como dizê-lo.
Título da obra: Do Silêncio da Pedra
Editora: Arte Pau-Brasil Editora
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