OS CONQUISTADORES
(EM VERSOS BRASILEIROS)
Sobre o dorso indomável dos vagalhões titânicos,
Ao rugir das borrascas que o vendaval assanha,
As velhas naus bojudas vão, de quilhas sonâmbulas,
Arrastadas na treva por uma força estranha
Ao glauco reverbero do vasto mar dos trópicos
Homens vestidos de aço que a vitoria acompanha,
Se debruçam na amura, serenos e nostálgicos,
Do horizonte, sem medo, sondando a verde entranha.
Desce a noite funérea : longínquas vozes épicas
Ouvem eles, cantando, seguindo na ardentia
Das treze caravelas perdidas e fantásticas...
Dentro do grande sonho dos loucos e dos místicos,
Que lhes importa a Morte; de rota noite e dia
Para o Desconhecido que além dorme nas tênebras ?!
1900 “Suprema Epopéia”
A FLORESTA
Paira em roda, o terror, do abismo de folhagem,
Que do monte ultrapassa a majestosa espalda.
Onde ronca o tapir como um trovão selvagem
E dorme o beija-flor lhamado de esmeralda;
As verdes catedrais das espargem
Um cheiro agreste e bom, que os corações escalda,
Canta-lhe dentro à orquestra invisível d’aragem,
Anda-lhe dentro a luz que assombros mil sofralda.
Falenas douro e ônix, catadupas de flores,
Serpentes colossais, asas versicolores...
Que mistérios sem conta a mata não encobre !
Homens rudes e nus, de pele cor de cobre,
De olhar mal assombrado e de pemas na testa,
Lento, saindo vão da boca da floresta.
1900 “Suprema Epopéia”
O AUTÓCTONE
“Pa xé tan tan ajuca atupave !”
( Língua tupi )
Mata virgem. O sol, teimoso e ardente, em balde,
Como um gavião de fogo, as ramagens belisca;
Num pau d’arco por entre as flores cor de jalde
O caboclo vislumbra alva araponga arisca.
Como um topázio vivo um beija-flor corisca,
Muito embora a “cauã” bravia asas desfralde ;
E um casal de “sofrês” beijos num falho arrisca,
Sem que dest’almo idílio o bom selvagem malde...
Súbito o Índio bem perto ouve espantosa bulha ;
Da capoeira , a rugir, salta enorme onça negra,
De pelo de cetim, com manchas d’ouro fosco.
Do brasileiro o sangue indômito borbulha :
Encara a fera, e a rir, - tão bela presa o alegra -
Rapidamente verga o arco emplumado e tosco
1900 “Suprema Epopéia”
NA MATA
Quatro horas da manhã : já da bruma o fresí
Se vai rasgando, pouco a pouco, à luz do dia;
Leve, o polvilho azul dos astros, a granel,
Espalha-se, desmaia, á brisa que esfuzia.
Boceja a mata escura. Ao longe, no cairel
Do abismo de folhage’ uma jibóia pia !
Inflama-se o oriente, e um mágico pincel
De linda cor de rosa o céu todo irradia.
Fantástico, porém, das aves todo o bando
Principia a cantar, fugas contraponto,
Que um meigo sabiá reger calmo parece;
Do sol surge, afinal a imensa face loura...
Mas eis que a orquestra pára...um tiro bruto estoira...
Silencio... tudo foge...; é o Homem que aparece !
1902 -“ Alma Brasileira”
O ÚLTIMO PAJÉ
Cheio de angústia e de rancor, calado,
Solene só, a fronte carrancuda,
Morre o velho Pajé crucificado
Na sua dor tragicamente muda.
Vê-se-lhe aos pés, disperso e profanado,
O troféu dos avós : a flecha aguda,
O terrível tacape ensangüentado,
Que outrora erguia aquela mão sanhuda.
Vencida a sua raça tão valente,
Errante, perseguida cruelmente,
Ao estertor das matas derrubadas !
“Tupã mentiu” e erguendo as mãos sagradas,
Dobra o joelho e a calva sobranceira
Para beijar a terra brasileira.
1900 “Suprema Epopéia”
DIES IRÆ
A civilização foi um terrível drama
Fez o Homem mais bruto e a Mulher mais abjeta;
Quis a morte de Deus e a morte do Poeta
Que expirou como um cisne enviscado na lama
A alma pagã do Grego, a alma triste do Asceta
Não os pôde salvar o sangue que derrama
Há séculos na Índia o coração de
Brama...
Vamos singrando um caos, sem bússola e sem meta.
Que fazer ? Envergar a blusa de Tolstoi ?
Do niilista acender a formidável bomba ?
Beijar de Cristo a cruz que carcomida tomba ?
Erguer hoje um troféu, que outro destrói ?
Que lúgubre futuro espera, traiçoeiro,
O homem - esse animal - místico e carniceiro ?
1900 “Suprema Epopéia”
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