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Rodrigo de Souza Leão


 


Entrevista com Sérgio de Castro Pinto
 


Rodrigo - Como foi sua infância? O que guarda emocionalmente dela?

Sérgio de Castro Pinto - Segundo Wordsworth, "o menino é o pai do homem".E ainda hoje procuro, na medida do possível, fazer com que o menino que eu fui continue a ser o pai do homem que eu sou. Pois, órfão do menino, extinguir-se-á o filão poético do homem cujo sentimento de descoberta somente é possível graças ao menino que o conduz para lançar e erigir a pedra fundamental das coisas que giram ao seu derredor. Por isso tudo, o acontecimento em minha infância que influenciou a minha criação poética foi, não tenho dúvida, a infância como um todo.

Rodrigo - Quais as suas influências? Que autores conduziram a ser o poeta que és?

Sérgio de Castro Pinto - Os autores que exerceram influência na minha produção literária, mais especificamente em termos formais, terminaram, algumas vezes, por também "ciceronear-me" na "minha" visão do mundo. E isto, creio, importou quase sempre numa espécie de flagrante violação à minha mundividência. Hoje, compreendo que a visão do mundo não pode ou pelo menos não deve ser submetida a um corpus teórico, a um elenco de normas ou de preceitos que, na maioria das vezes, expressam muito mais o modo de conduta de uma determinada "escola" do que os ditames do eu profundo. Formado no bojo das vanguardas, naturalmente que elas exerceram uma grande influência na minha poesia. Daí ter mantido, ontem mais do que hoje, um certo laço de consangüinidade ou de parentesco com Carlos Drummond de Andrade, João Cabral de Melo Neto, Mutilo Mendes, além de ter incorporado, à minha dicção lírica, algumas das conquistas do Concretismo e de seus desdobramentos. Porém, observando-se melhor, às vezes torna-se difícil distinguir o que Drummond tem de Drummond, Cabral de Cabral, Murilo de Murilo e o Concretismo do Concretismo, uma vez que toda e qualquer poesia importa um procedimento dialógico. Antes de ser uma "guerra sem testemunhas", como acreditava Osman Lins, a criação literária é, antes e acima de tudo, um ato coletivo. Ou, em última instância, uma guerra da qual podemos sair vencidos ou vencedores, mas onde sempre contamos com aliados. Sob esse aspecto, a criação literária pode ser concebida como um procedimento intertextual.

Rodrigo - Como é seu processo criativo? Alguma coisa lhe "tira do sério", tira-o da poesia, lhe impede de trabalhar?

Sérgio de Castro Pinto - Folclore ou não, dizem que o biografismo de Saint-Beuve terminou por levá-lo, de uma certa feita, a pesquisar quantas vezes Balzac teria se constipado para saber até que ponto os resfriados do autor de "As Ilusões perdidas" teriam interferido na sua obra. Faltou a Saint-Beuve, ao que parece, um raciocínio elementar: o de que, geralmente, o vírus da gripe não escreve. Quanto a mim, além de não escrever quando estou gripado, escrevo ou deixo de escrever sempre movido por minhas idiossincrasias. Pois, na verdade, as circunstâncias extra-literárias terminam, invariavelmente, por fazer a vez de molas propulsoras da exegese de um poema, de um conto, de um romance, etc. Uma das minhas idiossincrasias, por exemplo, é a de não conseguir escrever em trânsito. Tal como Dickens, guardadas, obviamente, as devidíssimas proporções, somente sou induzido a escrever quando rodeado dos meus objetos familiares, longe do "turbilhão" das ruas, que é quando, pelo menos para mim, a "poesia é emoção recolhida na tranqüilidade". E se, para Verlaine, as baforadas do seu charuto representavam uma espécie de fulcro gerador de sua inspiração, o mesmo posso dizer dos cigarros que entulham os meus brônquios de imagens e não-imagens. Explico-me: é que quando acho uma imagem, trago-os; e mais os trago, se não as encontro. Idiossincrasias à parte, considero-me um poeta para quem a poesia detona à imagem de uma bomba de efeito retardado.Ou seja, sob a égide da emoção, dificilmente consigo criar. Em outras palavras, tento erigir no presente a emoção do passado.

Rodrigo - Qual sua relação com o poema depois de concretizado, construído, obra de arte?

Sérgio de Castro Pinto - Alguns poemas, quando os dou por concluídos, excitam-me a tal ponto que sou acometido por uma espécie de "insônia feliz". Passados alguns dias, porém, convivo com eles, talvez pelo fato de ter exaurido, desde o primeiro momento da criação até as muitas leituras posteriores, todos ou quase todos os mecanismos da "caixinha de surpresa" que eles estava a representar quando ainda existiam no plano ainda nebuloso das idéias.

Rodrigo - Como vê a atual poesia brasileira?

Sérgio de Castro Pinto - Se todo o poeta busca, pelo menos em tese, outros caminhos que não os já seus conhecidos, certamente que, enquanto leitor - e leitor privilegiado! -, mostrar-se-á mais receptivo a poemas de cuja leitura possa sair com um arraigado sentimento de descoberta do outro. Caso, no entanto, somente opte pela leitura de poemas consentâneos à sua maneira de conceber a poesia ou que apenas reafirmem a sua mundividência, aí então este poeta não está propriamente à cata de poesias, mas de espelhos quem o reflitam à sua imagem e semelhança. Por isso tudo, acho saudável para a poesia - e para a literatura, de um modo geral - que, de tempos em tempos, não a contamine nenhum movimento de vanguarda. Isso porque, aumentando o seu raio de ação, a vanguarda termina por imprimir ao discurso poético uma articulação até certo ponto monocórdica.

Rodrigo - A poesia pode ter um grande papel na vida do Homem? Qual?

Sérgio de Castro Pinto - Mesmo grafado em maiúsculo e no singular, o Homem não é um só, mas tão vário quanto o é a própria poesia. Por isso mesmo, diante da poesia a reação do homem é complexa, contraditória e, na maioria das vezes, nenhuma. Goebbels, ao que se conta, sentia-se premido a sacar do revólver quando escutava a simples menção da palavra "cultura". Outros, como Vargas Llosa, dão-nos o testemunho pungente de que, graças à leitura de determinados livros, lograram superar situações, limite que poderiam, inclusive, levá-los ao suicídio. Já os que detêm o poder, estes vêem a poesia com extrema desconfiança, principalmente quando ela "indisciplina os espíritos, não serve de modelo, não ensina a governar e tampouco a ser governado".


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