Fernando Paixão
Entrevista a Rodrigo
de Souza Leão
O que essa matéria
fez, na minha opinião, foi tratar a inquietação poética
das novas gerações como uma novelinha de personagens intriguentos,
cada grupo com a sua "mania". É comum a revista Veja tratar determinados
assuntos – sobretudo os de cultura - com o poder de legislar, ora colocando
determinado autor/evento nas alturas, ora depreciando o que vem obtendo
sucesso. Faz parte da necessidade de afirmação da imagem
de uma revista semanal e de massa. Não interessada em digerir para
os seus leitores um assunto tão restrito quanto esse, eles acharam
por bem ridicularizar os poetas. Mas hoje essa matéria já
está embrulhando peixe. Não esqueçamos que os modernistas
brasileiros - e não apenas os brasileiros – também tiveram
esse mesmo tratamento desmoralizador. Essa é apenas uma batalha
da guerra |
Fernando Paixão nasceu
numa aldeia portuguesa em 1955, vindo a transferir-se para o Brasil no
início da década de sessenta. Trabalha profissionalmente
como editor, responsável pela área de não-didáticos
na Editora Ática. No âmbito poético, publicou inicialmente
"Fogo dos rios" (1989, Brasiliense), reunindo poemas inspirados nos fragmentos
de Heráclito, e "25 azulejos" (1994, Iluminuras), reafirmando sua
opção por uma poesia concisa, de toque lírico e imagético.
Organizou uma edição da poética de Mário de
Sá-Carneiro (1995, Iluminuras) e também publicou poemas para
crianças com “Poesia a gente inventa" (1995, Ática).
Rodrigo - Qual a importância
de Jorge de Lima para a sua formação poética?
FP: Fugindo às respostas
por demais intelectualizadas, eu diria que o Jorge de Lima teve uma nfluência
indireta, ou melhor,subterrânea, pois foi o seu soneto "O acendedor
de lampiões" a primeira peça literária que me causou
um certo choque devido à sua harmonia interna e singularidade das
metáforas. Estamos falando de um adolescente de 14/15 anos e que
iniciava vôo próprio nas leituras escolares. O impacto foi
enorme. Depois disso, mais tarde vim a descobri-lo como um autor complexo,
mas portador até o fim dos seus dias de uma crença firme
na errância inconsciente da poesia. Hoje, o que eu mais gosto dele
é a ousadia de uma obra plural, de opção sensorialista
no ritmo e nas imagens do texto. Um poeta de altos e baixos, mas ao nível
do celestial.
Rodrigo - A poesia é
uma atividade lúdica?
FP: Claro que sim. O ritmo
poético é por excelência constituído de uma
energia lúdica que as palavras mantêm em suspensão.
A leitura dos textos poéticos, quando feita com atenção,
recupera esse ludismo e o presentifica. O clássico conceito de "homo
ludens" implica essa abertura para o jogo, no seu âmbito mais amplo,
ligado à linguagem e à cultura.
Rodrigo - No texto "Das asas
do eterno às mão do azulejista" você dá a sua
definição de poesia. Até que ponto as antigas teorias
estão ainda em voga? Estamos como os parnasianos... escrevendo versos
sem força poética, e que no futuro os críticos dirão
que não é poesia?
FP: A sua pergunta caminha
em muitas direções. Vou me fixar numa delas. Do mesmo modo
que cada época elege o seu estilo predominante do que pode ser considerado
"O poético", a atividade crítica também se vê
construída em paralelo, dentro de uma mesma relação
de forças. Do mesmo modo que a criação, a atividade
crítica tem vivido de "ismos" que se sucedem e renovam um tanto
canibalisticamente. É bem possível que o estilo predominante
de nossa época - caracterizado pelo poema curto, dispersão
de referências, elisões constantes, uso do coloquialismo,
etc - seja visto do futuro como um malogrado esforço de dar conta
das contradições do nosso tempo. Por isso mesmo penso que
não me interessa a classificação da poética
atual em ismos ou tendências distintas. O compromisso do poeta deve
estar sintonizado com a poesia enquanto ato de linguagem e não enquanto
programa da tribo.
Rodrigo - Platão tinha
idéias "drásticas" sobre poesia. Em seu texto você
diz que "o poeta vê o mundo e recolhe um sentimento de urgência.
(...) deixará de acreditar nas sombras projetadas na caverna e vai
querer tocar o fogo, à maneira de um construtor de chamas." Daria
para nos explicar melhor?
FP: Tiradas do contexto,
estas frases parecem genéricas demais e pretensiosas. Mas vamos
lá. Penso que o referido sentimento de urgência tem a ver
com uma visão de mundo radicalizada - todo bom poeta inaugura um
ponto de vista próprio, mas que expressa em última instância
uma radical consciência do seu tempo. Afinal, temos à nossa
volta um cenário de alta perversidade social, facilmente constatável
inclusive na área da cultura, na mídia de artes e espetáculos,
por exemplo. Para forjar um estilo próprio, cabe ao poeta ter olhos
críticos quanto à essa realidade. Daí a necessidade
de não se acreditar, metaforicamente falando, nas sombras projetadas
nas paredes da caverna. A atividade poética oferece a possibilidade
desse milagre: a doação de sentido a partir das palavras.
O justo manejo delas bem que corresponde a um fogo aceso e repentino.
Rodrigo - Qual o seu caminho
como poeta? Qual o projeto literário de sua geração?
FP: Difícil a gente
falar sobre a produção própria. Pelo menos metade
da lua permanece oculta enquanto olhamos a outra metade. Com a criação
não é diferente. Tenho tantas dúvidas sobre os meus
trabalhos, poucas certezas e muitos papeis dispersos...quem está
de fora é que pode ser testemunho das nossas voluntariedades. Quanto
à minha geração,tenho só a dizer que tem sido
uma geração conseqüente e com muita gente boa, de nível,
esforçando-se por dar respostas pessoais aos impasses estéticos
que vivemos. Creio que já está superada toda uma discussão
em torno à contribuição concretista, por exemplo.
Foi bom enquanto durou, teve um papel seminal importante em nosso meio
poético, mas acabou sendo um movimento um tanto fechado e de natureza
programática. Hoje o ambiente está mais arejado - mesmo porque
também os grandes expoentes do nosso modernismo já se foram
- e a nós, à minha geração (poetas em geral
com 1 ou 2 livros publicados, na faixa dos 40 anos - em média)cabe
justamente reinventar uma palavra fresca, corrente, que seja veículo
de lucidez e sensibilidade.
Rodrigo - Cada vez mais os
poetas utilizam a metalinguagem ou tentam o poema épico, buscando
a polifonia. O lirismo está "fora de moda"?
FP: Não acredito.
O lirismo como forma mental de apreensão do mundo não se
restringe a uma circunstância histórica; antes, é um
dado do homem no mundo, enquanto este ainda se pergunta pelo sentido da
vida e algo assim. Automaticamente as intencionalidades de um poeta acionam
a sua máquina lírica, e ponto. Se é boa ou má
poesia, isso já é outra questão. Agora, quanto ao
impulso épico, tenho a impressão de que ainda temos saudade
de uma explicação ampla e genérica para as coisas
do mundo; refratária à fragmentação, certa
poética busca resgatar uma legibilidade das ações
e dos dias perdidos. É comum esses trabalhos fracassarem, na minha
opinião, por excesso de idealização - voltamos a um
ponto de vista romântico e grandiloquente. Raramente dão a
impressão de uma escrita segura e inventiva.
Rodrigo - O poeta atual é
versátil. Ele é contista, cronista, ensaísta, novelista,
jornalista. O Poeta precisa ser tudo para lidar com o quase-nada?
FP: Não vou responder
pelos outros. Nem vou julgar. Dentro da tradição, você
encontra bons exemplos de um lado e de outro. O que importa, creio eu,
é a seriedade da intervenção, difícil de manter
em bom nível quando há a necessidade de sobrevivência.
Rodrigo - Até quando
existirá a poesia? E o poema? A poesia tem solução
futura?
FP: Havendo voz e sentimento,
a poesia estará presente. Limpa ou suja. Comunicativa ou hermética.
Oral ou escrita. Por definição, o ato poético implica
a receptividade (comunicabilidade com outrem), mas não necessariamente
a reprodutibilidade. Ela se faz produto apenas enquanto entra nos meios
de circulação da cultura. A partir daí, passa a ser
criticada, organizada em valores. Por isso acredito que a questão
mais importante é: quem, afinal, determina os valores do meio poético?
Que a questão fique em aberto por aqui.
Rodrigo - Recentemente a
revista Veja fez uma matéria de "chacota" sobre alguns poetas e
a poesia atual. Como restituir o prestígio da poesia?
FP: O que essa matéria
fez, na minha opinião, foi tratar a inquietação poética
das novas gerações como uma novelinha de personagens intriguentos,
cada grupo com a sua "mania". É comum à revista Veja tratar
determinados assuntos – sobretudo os de cultura - com o poder de legislar,
ora colocando determinado autor/evento nas alturas, ora depreciando o que
vem obtendo sucesso. Faz parte da necessidade de afirmação
da imagem de uma revista semanal e de massa. Não interessada em
digerir para os seus leitores um assunto tão restrito quanto esse,
eles acharam por bem ridicularizar os poetas. Mas hoje essa matéria
já está embrulhando peixe. Não esqueçamos que
os modernistas brasileiros - e não apenas os brasileiros – também
tiveram esse mesmo tratamento desmoralizador. Essa é apenas uma
batalha da guerra.
Rodrigo - Qual o papel do
poeta na sociedade?
FP: Escrever poesia e, dessa
maneira, abrir movimentos inesperados à sensibilidade do nosso momento
histórico. A poesia bem feita acaba sempre sendo formuladora de
mundos paralelos. Não tenhamos receio em viajar por essa galáxia
de desconhecimentos.
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do Jornal de Poesia
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de Rodrigo Souza Leão
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