| Cinco poemas para 
						tempos difíceis  
						 
						FERNANDO PAIXÃO  
						  
						CATECISMO  
						Água benta para os olhos  
						ícone de circuitos e tentáculos  
						vaivém de saberes e cascalhos  
						sagrados venais profanos  
						 
						agora somos cibernéticos  
						nem gregos nem moicanos  
						todos os dias oramos  
						Ave Maria à internet.  
						 
						 
						GUERRA  
						Trovão  
						das mortes  
						 
						clareia  
						o carvão.  
  
						 
						CONDIÇÕES ATMOSFÉRICAS  
						A noite permanece triste  
						no subúrbio.  
						Os animais humanizam os cartazes  
						de propaganda.  
						É de metal a passagem dos meses.  
						 
						Pouco sabemos  
						do tempo vindouro.  
						As névoas  
						movimentam-se entre guindastes.  
						 
						Tão indelicada  
						a chuva  
						fora de hora...  
  
						 
						FENDA  
						Já não repito  
						os mesmos  
						nítidos  
						idos gestos  
						 
						entre lábios  
						cresce  
						orvalho  
						o novo travo.  
						 
						Não sai o som  
						da voz  
						na manhã seguinte  
						com igual exatidão:  
						 
						mudei  
						de mim?  
						 
						Entre ontem  
						e amanhã  
						minha face  
						tem o rosto  
						- de quem?  
						 
						 
						POÉTICA  
						Sem autoria e sem versos a poesia será encontrada  
						na pedra  
						no rosto e na copa das árvores ensimesmada  
						 
						sinal  
						da sina  
						cor nos azulejos  
						 
						o abraço das palavras  
						renova a presença das portas  
						e janelas de uma casa.  
						 
						A poesia sim  
						se presta à prosa  
						da vida  
						 
						invisível porcelana. 
						 
  
						(Folha de São Paulo, Ilutríssima, 5.12.2010)  |