Mais de 3.000 poetas e críticos de lusofonia!

 

 

 

 

 

 

 

 

Raymundo Netto


 


Ode ao amor e à morte


 

 

Era noite, num pedaço esquecido do agreste cearense... As folhas da velha árvore descansavam adormecidas enquanto uma mulher deliciava-se com o frescor da pouca água daquela lagoa de areias brancas.

Um ousado observador caminhava descalço sobre as gretas secas do chão e, cortejando a mulher, arriscava palavras absurdas num instante de amor.

Num segundo momento, ele a via dançar um balé, pouco ortodoxo, ao redor de uma bacia de barro. Então, ela molhava seus cabelos lisos, negros, curtos e, com as mãos bramosas, esfregava o pescoço, suavemente, aliviando os suores.

Em meio a todo aquele deslumbre noturno já dava para observar-lhe os seios alvos, pequenos, bem torneados e os mamilos orlados em rosas. Sua pele era úmida e branca de leite, beijocada de inquietudes e sossego... Quanta vida contida naquele berço de pecadilhos viciosos.

Não havia vento, não havia frio, mas calor também não havia. O verde era xique-xique, era mandacaru, era agávea...

O meu boi morreu. O que será de mim? Manda buscar outro, menina, lá no Piauí ...

Mas, num inesperado sonho, veio à cabeça da mulher a idéia de casar. A noite findava, clareava-se a manhã ardente! Sol a pino, caçada a tejos!

Então, ela pensou sem muito pensar: Quem seria o seu par? Quem haveria de sê-lo, naquele lugar tão ermo e esquecido?

Uma jibóia solitária arrastava um linguajar sem venenos...

Um rei? Por que não? Teria um mundo de riquezas e serviçais; desejos, um a um, satisfeitos; quem sabe arrastaria as asas da luxúria?... Mas teria tudo, mesmo? Um jovem vaqueiro não poderia dar-lhe mais? Talvez apenas um pouco de amor... Amor? Oxe, por que não? O amor ela não teria, mesmo em troca de seu maior tesouro! Convenceu-se, inebriada no licor do mel da jandaíra.

Um cão-cão solitário de arregalados olhos amarelos anunciaria o iminente perigo; as folhas cairiam; a mata esbranqueceria; os espinhos se retesariam e apontariam para o céu desestrelado!

O rei, num arremedo de si mesmo, ficaria furioso. Ameaçaria e travaria embates, numa peleja sem fim, contra o pobre aventureiro e ele, certamente, não seria páreo à altura da ira e dos golpes do cruel e sequioso rei.

Naquele reino, já se sabia: quanto mais se tinha, menos se contentava em ver a felicidade por tão pouco.

Assim, o aventureiro, lhe passados os maneadores, assistiria o amputar de seu orgulho, sendo severamente derrotado. Nada mais restaria para ele, a não ser a fuga logrativa da morte... Suicidaria-se! Os estilhaços de seu amor se esparramariam, cobertos de lama, no fundo de um caçuá de cipós. Um juazeiro, testemunho da iniqüidade, triste se desgalharia.

Mas ninguém pode, simplesmente, destruir o que um coração constrói! A moça branca de seridó não descansará enquanto não descobrir um meio, qualquer um, de separar a vida da morte e, finalmente, poder ser feliz com o homem que ela ama.

“Meu senhor dono da casa, faz favor de me escutar. Eu pergunto pro senhor se tem Reis para nos dar.”


 

 

 


 

29/05/2006