Raymundo Netto
Ode ao amor e à morte
Era noite, num pedaço esquecido do
agreste cearense... As folhas da velha árvore descansavam
adormecidas enquanto uma mulher deliciava-se com o frescor da pouca
água daquela lagoa de areias brancas.
Um ousado observador caminhava
descalço sobre as gretas secas do chão e, cortejando a mulher,
arriscava palavras absurdas num instante de amor.
Num segundo momento, ele a via dançar
um balé, pouco ortodoxo, ao redor de uma bacia de barro. Então, ela
molhava seus cabelos lisos, negros, curtos e, com as mãos bramosas,
esfregava o pescoço, suavemente, aliviando os suores.
Em meio a todo aquele deslumbre
noturno já dava para observar-lhe os seios alvos, pequenos, bem
torneados e os mamilos orlados em rosas. Sua pele era úmida e branca
de leite, beijocada de inquietudes e sossego... Quanta vida contida
naquele berço de pecadilhos viciosos.
Não havia vento, não havia frio, mas
calor também não havia. O verde era xique-xique, era mandacaru, era
agávea...
O meu boi morreu. O que será de mim?
Manda buscar outro, menina, lá no Piauí ...
Mas, num inesperado sonho, veio à
cabeça da mulher a idéia de casar. A noite findava, clareava-se a
manhã ardente! Sol a pino, caçada a tejos!
Então, ela pensou sem muito pensar:
Quem seria o seu par? Quem haveria de sê-lo, naquele lugar tão ermo
e esquecido?
Uma jibóia solitária arrastava um
linguajar sem venenos...
Um rei? Por que não? Teria um mundo de
riquezas e serviçais; desejos, um a um, satisfeitos; quem sabe
arrastaria as asas da luxúria?... Mas teria tudo, mesmo? Um jovem
vaqueiro não poderia dar-lhe mais? Talvez apenas um pouco de amor...
Amor? Oxe, por que não? O amor ela não teria, mesmo em troca de seu
maior tesouro! Convenceu-se, inebriada no licor do mel da jandaíra.
Um cão-cão solitário de arregalados
olhos amarelos anunciaria o iminente perigo; as folhas cairiam; a
mata esbranqueceria; os espinhos se retesariam e apontariam para o
céu desestrelado!
O rei, num arremedo de si mesmo,
ficaria furioso. Ameaçaria e travaria embates, numa peleja sem fim,
contra o pobre aventureiro e ele, certamente, não seria páreo à
altura da ira e dos golpes do cruel e sequioso rei.
Naquele reino, já se sabia: quanto
mais se tinha, menos se contentava em ver a felicidade por tão
pouco.
Assim, o aventureiro, lhe passados os
maneadores, assistiria o amputar de seu orgulho, sendo severamente
derrotado. Nada mais restaria para ele, a não ser a fuga logrativa
da morte... Suicidaria-se! Os estilhaços de seu amor se
esparramariam, cobertos de lama, no fundo de um caçuá de cipós. Um
juazeiro, testemunho da iniqüidade, triste se desgalharia.
Mas ninguém pode, simplesmente,
destruir o que um coração constrói! A moça branca de seridó não
descansará enquanto não descobrir um meio, qualquer um, de separar a
vida da morte e, finalmente, poder ser feliz com o homem que ela
ama.
“Meu senhor dono da casa, faz favor
de me escutar. Eu pergunto pro senhor se tem Reis para nos dar.”
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