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Raymundo Netto

 

Thomas Cole (1801-1848), The Voyage of Life: Youth

 

 

 

 

 

Ode ao amor e à morte

  • O cantador


  • Fortuna crítica: 


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    • A infância

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    Raymundo Netto


     

    Biografia

     

    Raymundo Alves Ferreira Netto nasceu em Fortaleza, Ceará, em 29 de junho de 1967.

    Graduou-se em Fisioterapia pela Universidade de Fortaleza (1989) com especialização em Saúde Pública e Administração Hospitalar pela Universidade de Ribeirão Preto (UNAERP).

    Cursou Direção de Cinema de Animação pela Casa Amarela Eusélio de Oliveira - UFC produzindo o curta “Hogro – Uma Homenagem aos 100 anos do Cinema” que concorreu em diversas categorias em mostras de cinema (1995).

    Como quadrinhista foi premiado pelo seu roteiro em concurso promovido pela Editora Mythos em parceria com a Pênalti, São Paulo.

    Em 2004, recebeu o Prêmio de Incentivo à Publicação e Divulgação de Obra Inédita na categoria Romance com “Um Conto no Passado – cadeiras na calçada”, lançado em 2005.


    NOTA:
    O livro “Um Conto no Passado – cadeiras na calçada” pode ser encontrado em todas Livrarias Livro Técnico e foi lançado pela SECULT-CE (II Edital de Incentivo às Artes).


     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

    John William Godward (British, 1861-1922), Belleza Pompeiana, detail

     

     

     

     

     

    Um esboço de Leonardo da Vinci

     

     

     

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    Pedro Salgueiro

     

     

     Raymundo Netto

    O Povo, Fortaleza, Ceará, Brasil

    2.4.2007


    A dança das cadeiras

     

    Tendo como cenário um bar do bairro Benfica, o escritor Raymunto Netto apresenta a boemia de Fortaleza através do também escritor Pedro Salgueiro. Uma viagem do outro mundo

    02/04/2007 01:06

    Quase todos os dias, meu amigo Pedro Salgueiro, costuma sentar-se num barzinho de pé-de-calçada por detrás da pracinha da Gentilândia. Os amigos sempre o convidam para ir a outros locais, outros bares, restaurantes, cafés, mas nada: se quiserem realmente encontrá-lo, tem de ser ali!

    Senta-se ao lado do meio-fio quase abaixo de uma castanholeira. Encolhe o tronco, entrelaça os dedos sobre a barriga, cruza as chinelas chocalhando os joelhos nus, e põe-se a conversar uma conversa arrastada, sem fim. Interrompe-se apenas quando ergue o braço a empunhar um copo de cerveja gelada ou para dentear o espeto de tripa assada na brasa.

    Mas essa não é a sua única mania. Há outra, mais estranha: numa roda de amigos, é sempre o último a levantar-se para ir embora. Sabe ele, e disso tem a convicção, que aqueles que levantam e se vão, viram logo candidatos à falação, à fofoca e à célebre outorga de apelidos pelos demais. Assim, pode raiar o dia, mas ele não sai dali, nem a pau, antes que o último dos amigos se levante e se vá.

    Um dia, no auge de sua obsessão, cismou que ser o último a sair da mesa não era o suficiente. Poderia haver conhecidos em outras mesas, na esquina, no balcão... O próprio garçom que o atendia poderia falar dele às costas! Teimou: ele não sairia dali enquanto todos não se fossem e se certificasse de que o dono do bar colocara os cadeados e os ferrolhos... Mas, e se eles voltassem? E se o estivessem esperando por trás dos muros, nas esquinas, a rirem-se dele? Não, ele não levantaria dali, não levantaria mesmo...

    Assim, passaram-se os dias. Ele, veja só, começou até a ser tratado como um móvel do bar: uma cadeira, uma prateleira, uma pia, um cinzeiro, um poste...

    Vez ou outra, os solitários do mundo ainda lhe pedem licença para sentar em sua companhia. Ele, naturalmente, desfia sua conversa, conta histórias de sua Tamboril, e, mais raramente, arrisca piadas sem gargalhadeados. Mas, ao ser questionado sobre quando se irá, responde taxativo: "Só depois de você..."

    Com o tempo, mudam as caras; outras chegam; aqueloutras partem para nunca mais, mas ele não diminui a guarda, sempre com a nítida impressão de que estão a espreitá-lo, a esperar a sua lograda partida. Ri-se só!

    Imagine, criativo leitor, que 50, 100, 200 anos se passam e, naquela mesinha de plástico próximo à calçada, Pedro Salgueiro ainda se mantém alerta.

    Ele está mais magro, mais careca - ou a cabeça maior, não se sabe - não há mais tripas e nem paneladas - o garçom foi-se; o dono do bar também -, o copo cheio de cinzas e areias, as chinelas cruzadas debaixo da mesa, os dedos sobrepostos sobre as costelas magras, a camisa do time favorito descolorida pela chuva-sol, e Pedro não sai dali, nem a pau!

    Daí, em meio à cortina de fumaça e poeira ferruginosa, um sujeito aparece. Pedro pensa: fazia tempo que ninguém lhe ocupava o assento à mesa...

    Vê, então, um indivíduo comprido, esverdeado, longos pares de antenas, olhos negros, a boca mais lhe parecendo um umbigo. Com seus poucos dedos, o estranho faz gestos leves, amistosos. Pedro Salgueiro olha para ele e, com a cabeça, dá-lhe assentimento: "Pode sentar, seu cabra..."

    Verboso, o indivíduo põe-se a falar sobre o universo, o céu, as estrelas, a viagem cansativa... Diz que lamentava a Terra ter sido destruída pelas guerras, pela violência, pela ambição, pela falta de coisa melhor para fazer, e que, confessa, estranhou ainda encontrar um único exemplar vivo dessa espécie por ali, já que a humanidade inteira sucumbira havia tempos.

    Sereno, rodando com os dedos o copo na mesa, Pedro Salgueiro discorre sobre a sua pequena cidade de origem que, pelo relato, parece ao estrangeiro tratar-se da capital mundial da Terra. Fala das pessoas, de causos, do açude Carão, da reconhecida coragem do General Sampaio e das boas partidas de futebol, de longe a arte maior criada pelo homem!

    O estrangeiro, ávido, a tudo ouve e registra. Entusiasmado, percebe estar diante de um grande achado científico e antropológico. O convida para partir com ele, explorar outras galáxias, relatar as experiências daquele mundinho a outros povos mais avançados. Pedro olha para o fundo árido do copo e, molhando o lábio seco com a língua, concorda. Antes, porém, solta um meio-sorriso maledicente, sacode a cabeça mergulhada entre os ombros, e diz, apontando à frente: "Vai, tu, primeiro, gafanhoto!"

    Pedro Salgueiro nasceu em Tamboril, Ceará. Contista, autor de O Peso do Morto, O Espantalho, Brincar com Armas e Dos Valores do Inimigo. É um dos cronistas convidados pelo Caderno Vida & Arte do O POVO. O texto é uma alusão a sua personagem em Fronteira (CAOS Portátil nº 2 pg 40)


    Raymundo Netto é escritor, autor do romance Um Conto no Passado: cadeiras na calçada, membro do Conselho Editorial de CAOS Portátil - um almanaque de contos. Contato: raimundo.netto@globo.com

       
     
     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

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    Raymundo Netto

     


     

    Renascimento

     

    Quando a chuva caiu ainda mais tarde

    Foram-se com o vento as cinzas de todos os males.

    Os trovões, estertores das mágoas de todos,

    grassavam gravemente graciosos

    e fluidos com o relampejar dos céus.

     

    As águas abarcavam as pedras do calçamento

    Que se rendiam sedentos do beijo doce da saudade.

    As pessoas corriam da chuva, na chuva,

    as pessoas corriam por estarem vivas

    apesar de tudo.

     

    O tempo era como sempre: eterno e extremamente limitado.

    As estrelas ofuscadas pelo manto negro

    das nuvens carpideiras

    se recolheram.

     

    O mundo estava assim descortinado, revelado e só.

    O mundo aplaudia e o que ouvíamos era o lamento

    das águas que corriam as coxias sorrateiramente livres.

     

    Escolhas foram feitas, desfeitas e cada momento foi difícil.

    Cada momento um renascimento.

    Livres? Nem tanto...

    Poesia? Nem tanto!

     

    Que não deixasse registro nenhum sobre a Terra.

    Que não apontasse nada em nada.

    Que fosse nem morte quanto vida.

    Que não fosse se não seria, se não tão-só estivesse.

    A vida é redonda: um rondel, um rondó, um rondão...

     

     

     

    Bolero

                                                               

    A vida é redonda: um rondel, um rondó, um rondão...

    Quase como sem fim, a vida vívida vive visceral e mente.

    Quisera, completamente, fosse ela quadrada, cheia de arestas, cantos, ângulos retos e encontros...

    Quisera fosse uma linha, única, indivisível, tangente, determinante, secante ou simplesmente uma linha de arraia a seguir, folha solta, ao vento pululante.

    Quisera fosse de brincadeira, café-com-leite, carrinho na ladeira, macaca com pedra na risca de giz, ou uma casa abandonada, a meia-porta de madeira descansada na soleira infeliz.

    Quisera não fosse nada, nem um único ponto, nem um átimo de tempo, nem uma lembrança ou um só abrigo.

     

     

     

    Fortaleza?

     

    A Fortaleza de beijos quentes estalados de sol.

    O hálito morno, a epiderme branca e fina que se arrasta aos ventos,

    de uma jovem esquecida deitada nas sete colinas que se perderam.

    A espera triste de quem queima à vista esmeraldina.

    A Fortaleza ditosa sereia que mostra espigões,

    enquanto garras, que seduzem um oceano.

    A Fortaleza que imprime sua imagem de ambiciosa

    abandonando seus bares, sua boemia, seus artistas,

    a ceifar com precisão as praças e casarões

    mas que vira lama quando vendida a gringos no dia-a-dia.

    A Fortaleza que interna seus loucos em asilos,

    enterra seus lixos em favelas,

    e cobre de terra seus rios.

    A Fortaleza que se rende às putas das calçadas

    e aos trombadinhas e camponeses dos sinais.

    A Fortaleza que despeja por esgotos as suas memórias no mar.

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

    05/07/2006