Ronaldo Cagiano
A Prosa de Nilto Maciel
Domingo 19 de outubro de 1997
A escritura da magia
O autor penetra os labirintos de nossa memória
ancestral
A prosa de Nilto Maciel, cada vez
mais, encaminha-se para uma estrutura, cuja elaboração vai nutrir-se
dos elementos semânticos que a vida nos oferece, com seus absurdos,
suas imagens, seu surrealismo e suas locações fantásticas. Uma
linguagem permeada de signos, de uma certa tendência barroca,
explorando com rigor estético realidades humanas não circunscritas
ao universo comum, concreto, plausível, cabal. É na ultrapassagem
metafísica da nossa condição que está a matéria e substância dessa
escritura. Lá nos conflitos interiores, nas viagens subreptícias da
imaginação, no além-fronteira da nossa existência retórica que Nilto
Maciel constrói sua ficção, extraindo de tudo o inusitado, o
conflituoso, o incomum, o mágico, o inesperado.
Quem leu ''As insolentes patas do
cão'', ''Os guerreiros de Monte-Mor'', ''A guerra da donzela'', ''O
cabra que virou bode'', ''Os varões de Palma'', ''Estaca Zero'',
dentre outros títulos de sua vasta e premiada bibliografia, vai
encontrar um multifacetado universo. O autor penetra os labirintos
de nossa memória ancestral, lá onde a infância (res)guardou
histórias estranhas, situações escabrosas, casos surrealistas e
outros componentes da riquíssima teia de incursões em mundos
inauditos. É nesse ambiente que Nilto Maciel vai imbricar-se, para a
tessitura, com muita competência, de uma série notável de contos,
novelas e romances. É nos meandros de uma signagem propria,
capturada no interior do Nordeste (o autor é cearense de Baturité),
onde pôde viver uma experiência humana caleidoscópica, com toda sua
carga de tensão, nervura e plasticidade, que NM reconstrói o
imaginário psíco-social, recompondo, às vezes com uma dose de
irreverência corrosiva, o roteiro de vidas e acontecimentos, que na
sua transcriação alcançam um resultado estético agradável.
Nota-se na produção de Nilto
Maciel uma preocupação em resgatar aquela linha narrativa de feições
regionalistas, mas que se reveste de um cunho universal pelo vezo do
realismo fantástico, como em José Cândido de Carvalho, de ''O
coronel e o lobisomem'', em Gabriel Gárcia-Márquez, em sua Macondo
de ''Cem Anos de Solidão'', ou em Murilo Rubião, com seu fascinante
''O pirotécnico Zacarias''. Um mergulho mais detido na multifária
literatura do autor nos permite assinalar uma outra característica:
a da investigação social, de crítica de valores e costumes, ao
esboçar o ridículo, o incomum, o extravagante e a dissimulação das
relações presentes na vida de seus personagens, bem ao alcance da
ironia e dos rasgos filosóficos de um Machado de Assis em ''O
Alienista'' ou em ''Dom Casmurro''.
Seu último título - ''Babel'' -
recém-lançado, é um livro de contos, com alguns deles retrabalhados.
A uma fascinante viagem nos instiga o autor. Com engenharia e arte,
Nilto Maciel confirma seu fôlego, sua capacidade de criar e inovar,
sem modismos, sem clichês ou mascaramentos, sem o ôba-ôba da
literatura contemporânea tão diluída pela midiocracia (em que
vidiotas e internéscios navegam sem cessar pelo mundo da
subliteratura sem tirar proveito algum nem lição do que se escreve
ou se produz por aí). Babel, é uma candente narrativa, funde a
tessitura ultra-burilada de textos densos com a leveza, o
despojamento e a discreta irreverência de contos de extração mais
diáfana. Ressalte-se que toda a linguagem do autor é sistematizada
num esquema próprio - temático e conceitual - fora dos cânones
tradicionais, explorando o que há de ilógico, de loucura, de sonho,
de fantasmagórico, de sagrado e profano em nossos sentidos. Não há
mera invenção ou jogo de palavras no exercício de Nilto Maciel. Ao
resgatar do inconsciente cobras e lagartos, dores, delírios &
delícias, o autor tangencia o terreno da livre imaginação para
garimpar preciosidades estilísticas com
talentosa versatilidade.
Leia a obra de Nilto Maciel
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