Ronaldo Cagiano*
Uma estréia promissora
Jornal do Brasil Caderno B Livro
RJ/16/Set/2005
Uma
estréia literária nunca deve ser de afogadilho, sob pena de o autor
ser estigmatizado por uma obra desnivelada. Raros escritores não se
condicionam aos arruídos editoriais e não se deixam seduzir pela
necessidade precoce de romper o anonimato. Dentre os que resistiram
ao bafejo da mídia e se concentraram na depuração de seu ofício está
o poeta mineiro José Aloise Bahia. Após consciente amadurecimento e
cuidado no seu artesanato poético, só agora, aos 43 anos, oferece ao
leitor um trabalho consistente e de qualidade, com os poemas que
enfeixam o livro Pavios Curtos (Ed. Anome Livros, Belo
Horizonte, 2004, 100 páginas, R$ 20,00), também uma obra de arte
quanto ao projeto gráfico.
A poesia
aloiseana burila a linguagem com precisão de estilista e pugna por
uma contenção estrutural sem abandonar a densidade. Faz escalas na
tradição e na vanguarda, realizando uma espécie de ponte entre o
passado e a modernidade. Vamos encontrar desde os versos
alexandrinos (Soneto), passando pelo verso livre com poemas mais
discursivos (Raio de Sol para Fernando Pessoa), microtextos em prosa
(O Rumor das Imagens) até exercícios com hai-kais e alguns influxos
concretistas (Temperança) – uma poética híbrida, que tanto contempla
a ruptura formal quanto preza o cânone.
Sua obra enceta
um diálogo com diversas gerações e movimentos estéticos.
Perceptíveis as influências de Mallarmé, Leminski, Gullar, Borges,
Bandeira, Apollinaire, Fellini, Chagall, Drummond, revelando uma
interface do seu trabalho com as artes plásticas e o cinema. Essa
versátil manufatura de confecções poéticas é fruto de sua intimidade
com a palavra, pois sendo jornalista, crítico literário e
colaborador de diversos jornais, demonstra que bebeu nas melhores
fontes e recolhe desse espólio conceitual e formal matéria para uma
dicção muito particular.
Pavios Curtos
distingue-se como um livro de “insights poéticos, concretos,
imagens e variantes” e com esse leque de recursos Aloise deu
espaço a diversas vozes e com elas construiu um lúdico memorial da
sua experiência teórica e humana. Em sua leitura filosófica e social
também abre espaço para um lirismo transcendente, que, embora evoque
os territórios afetivos, se contrapõe ao sentimentalismo exacerbado.
Nesses poemas delineia-se a íntima relação do autor não só com o
universo literário, mas com o mundo das imagens, o que lhe
possibilita uma alternância entre o visual e o verbal, o que
corresponde à sua inquietação criativa, com a qual é capaz de (re)colher
do caos quotidiano toda sua carga de tensão e numa crítica
escatológica, comunica metaforicamente a crise da modernidade e
reflete sobre seu cipoal de contradições.
Aloise é um
poeta sintonizado com as emergências de seu tempo e a
responsabilidade do processo criativo. Sem deixar-se contaminar pela
angústia da lógica editorial cada vez mais hegemônica e monopolista,
começa a traçar um silencioso e seguro caminho. Não terá
dificuldades em impor-se com sua voz distinta, que não renega a
cultura clássica nem faz a apologia de modismo, preocupação tão
somente em oferecer ao leitor uma poesia que traduz uma cosmovisão
do mundo e da arte contemporâneos.
* Ronaldo Cagiano é poeta e contista. Nasceu
em Cataguazes, MG, e reside em Brasília, DF. Tem ensaios, artigos,
críticas literárias, resenhas, poesias e contos publicados nos
principais jornais do Brasil e internet. Obteve o primeiro lugar no
concurso “Bolsa Brasília de Produção Literária 2001”, com o livro de
contos “Dezembro Indigesto”. Autor entre outros de “Palavra
Engajada” (Poesia, 1989), “Canção Dentro da Noite” (Poesia, 1999) e
“Concerto Para Arranha-Céus” (Contos, 2004).
Leia José Aloise Bahia
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