Regina Lyra
Retratos (poéticos) da vida
(Prefácio do Livro das Emoções, 1998)
Por Luiz Augusto Crispim
A poesia não é, como se
pretendeu até certo tempo atrás, um dom da natureza, um regalo dos
deuses ou um acidente cromossômico da genética. A poesia é um longo
processo talhado em matéria prima da vida – jamais um simples e
instantâneo produto.
Por outro lado, não sendo o poeta um iluminado de Deus, há de ser
tão somente o portador de todas as emoções capazes de brotar da alma
humana. Acrescido de uma faculdade: a de portar não somente os seus
próprios sentimentos, mas também todo o sentimento do mundo.
Miguel de Unamuno dizia:
Eu sou eu e
as minhas circunstâncias.
Dizia isso porque carregava consigo – além do seu próprio – todo o
sentimento do mundo.
Depois, Carlos Drummond de Andrade acrescentou:
" Tenho duas mãos
e o sentimento do mundo... "
Regina Lyra, neste seu livro de estréia, parece não se contentar com
esse patrimônio do qual se investem todos os poetas e se apropria de
uma inquietação ainda maior, buscando revelar a si mesma e aos
outros a intimidade do viver. Essa a razão fundamental do LIVRO DAS
EMOÇÕES no interior do qual mergulha fundo para testemunhar sobre si
mesma e sobre o universo que a envolve.
É uma longa viagem.
Desde as primeiras perplexidades, vividas em atmosfera quase
adolescente, como do poema INCERTO:
" Um vago
Um algo
Um não sei o que
De dentro,
Do íntimo,
Num vagalhão
De sentimentos,
De sentidos,
De conhecimentos.
Um algo
Muito grande
E muito pequeno,
Enigmático
Sem sentido
E com um sentido
Profundo,
Claro
E ao mesmo tempo
Escuro
Sem medo
E com um medo
Do início,
Do comício.
Algo com um fim
Que faz a vida
Ser assim... "
Naturalmente, essa é a fragilidade de quem conhece os primeiros
embates da existência e toma o primeiro golpe, sente a força do
vagalhão, mas, mesmo assim, posta-se diante da vida com a coragem
dos verdadeiros poetas, sem o menor traço de intimidação, para
concluir estoicamente: "Algo com um fim/Que faz a vida /Ser assim...
"
O que me impressionou nesta coletânea O LIVRO DAS EMOÇÕES foi a
inteireza, a unidade que acabou prevalecendo em suas páginas, como
se durante a vida inteira, vivendo intensamente, Regina Lyra aos
poucos se advertisse da seqüência que os seus poemas deveriam
possuir, à medida que, simplesmente, vivia.
Se é um exercício de vida, na sua plenitude, Regina pode
perfeitamente parodiar José Américo, que proclamava: " Eu só sei
viver literariamente... "
Diante desses versos que sintetizam toda uma vida, poderia deduzir
serenamente: Regina Lyra só sabe viver poeticamente...
LUIZ AUGUSTO CRISPIM - 1998
Poeta, cronista, jornalista, professor universitário
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