Ruy Espinheira Filho
Personalidade poética
Escrevendo, em 8 de janeiro de 1944, a
João Etienne Filho, que era um dos seus jovens admiradores de Minas
Gerais, dizia Mário de Andrade: “Ora você ou se acredita poeta ou
não: a decisão tem de ser de você. Se se acredita sim, tem de
publicar e esperar o veredito humano dos outros. (...) Faça a
experiência dura, Etienne: se publique em livro.”
Não há mesmo outro caminho. E é preciso muita coragem para aceitar o
desafio. Muito caráter para enfrentar a dureza da experiência.
Virtudes que não faltam, evidentemente, a João de Moraes Filho, pois
aqui comparece ele com Pedra retorcida, seu livro de estréia como
poeta.
No caso dele, porém, há mais do que as
virtudes da coragem e do caráter: a percepção e o sentimento da
poesia. Quer dizer: João de Moraes Filho não só é capaz de perceber
o fenômeno poético como o sente em si com profundidade. Em quase
todas as suas composições, mesmo nas mais breves e leves, ouvimos
soar a voz desse sentimento. Voz oriunda daquela emoção recolhida em
tranqüilidade de que falava Wordsworth.
Todo mundo é passível de enganos, mas, no caso, lendo as páginas de
Pedra retorcida, creio não me enganar ao achar que estou diante de
manifestações de um poeta. Aqui está a memória traçando seus
registros e suas fábulas. A meditação serena. A ironia soprada pela
consciência da condição humana. As cintilações e obscuridades
próprias das epifanias líricas. O volume já se inicia exibindo todas
essas riquezas em apenas quatro versos, no poema “Repare”:
Onde eu sou
descansa um silêncio,
e um moço fazendo círculos com pedras
na beira do Rio.
O Rio é escrito com maiúscula, o que
intensifica a referência, mas poderia ser escrito normalmente que
nada se perderia na expressão lírica. Drummond escreveu certa vez
que era apenas “um homem pequenino à beira de um rio.” Na verdade,
num certo sentido, é o que somos todos nós — pequeninos diante do
que seja, rio ou mar, poderosas metáforas do Tempo, da brevidade da
vida e das profundezas e enigmas da alma... Poema de apenas quatro
versos, mas repleto de sugestões infindáveis.
Jovem, iniciando sua vida de escritor,
João de Moraes Filho ainda não explora muitos recursos da expressão
poética, requintes da técnica, porém afirma o mais importante: uma
personalidade. Notamos as influências (e só os que não leram nada
não recebem influências), mas sua voz é própria e é autêntica a
emoção que suscita. Enfim, repito, não creio estar enganado em
considerá-lo poeta.
Referindo-se, em artigo de 1865, ao
jovem Joaquim Nabuco, Machado de Assis escreveu: “Tem o direito de
contar com o futuro.” Digo o mesmo a respeito de João de Moraes
Filho.
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