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Ruy Espinheira Filho

John William Godward (British, 1861-1922), Belleza Pompeiana, detail

Poesia:


Ensaio, crítica, resenha & comentário: 


Fortuna crítica: 


Alguma notícia do autor:

 

 

Culpa

 

 

 

 

 

Delaroche, Hemiciclo da Escola de Belas Artes

 

 

 

 

 

Ruy Espinheira Filho


 

Bio-bibliografia


Filho de Ruy Alberto de Assis Espinheira, advogado, e de Iracema D'Andréa Espinheira, de ascendência italiana, passou a infância na cidade de Poções e a adolescência na cidade de Jequié, no Sudoeste baiano. De volta a Salvador, em 1961, estudou no Colégio Central da Bahia e, levado pelo poeta Affonso Manta, que conhecia desde Poções, ingressou no grupo boêmio capitaneado por Carlos Anísio Melhor. Ainda na década de 1960 começou a publicar na revista Serial, criada por Antonio Brasileiro, e se iniciou no jornalismo — como cronista da Tribuna da Bahia (1969-1981), onde também trabalhou como copy desk e editor (1974-1980). Colaborou ainda com O Pasquim, como correspondente na Bahia (1976--1981), e foi contratado como cronista diário do Jornal da Bahia (1983-1993).

Atualmente assina artigos quinzenas em A Tarde. Graduado em Jornalismo (1973), mestre em Ciências Sociais (1978) e doutor em Letras (1999) pela Universidade Federal da Bahia, UFBA, e doutor honoris causa pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, UESB (1999), é professor associado do Departamento de Letras Vernáculas do Instituto de Letras da UFBA, membro da Academia de Letras de Jequié e da Academia de Letras da Bahia.

Publicou 11 livros de poemas: Heléboro (1974), Julgado do Vento (1979), As Sombras Luminosas (1981 — Prêmio Nacional de Poesia Cruz e Sousa), Morte Secreta e Poesia Anterior (1984), A Guerra do Gato (infantil — 1987), A Canção de Beatriz e outros poemas (1990), Antologia Breve (1995), Antologia Poética (1996), Memória da Chuva (1996 — Prêmio Ribeiro Couto, da União Brasileira de Escritores), Livro de Sonetos (1998; 2. ed. revista, ampl. e il., 2000), Poesia Reunida e Inéditos (1998), A Cidade e os Sonhos (2003), Elegia de agosto e outros poemas (2005; em 2006 – Prêmio de Poesia da Academia Brasileira de Letras, Prêmio Jabuti – 2º lugar –, da Câmara Brasileira do Livro; Menção Especial do Prêmio Cassiano Ricardo, da UBE-RJ). Tem ainda publicados vários livros em prosa: Sob o Último Sol de Fevereiro (crônicas, 1975), O Vento no Tamarindeiro (contos, 1981); as novelas O Rei Artur Vai à Guerra (1987, finalista do Prêmio Nestlé), O Fantasma da Delegacia (1988), Os Quatro Mosqueteiros Eram Três (1989); os romances Ângelo Sobral Desce aos Infernos (1986 — Prêmio Rio de Literatura [2º lugar], 1985), Últimos Tempos Heróicos em Manacá da Serra (1991); Um Rio Corre na Lua (2007) e os ensaios O Nordeste e o Negro na Poesia de Jorge de Lima, dissertação de Mestrado em Ciências Sociais pela Universidade Federal da Bahia (1990), Tumulto de Amor e Outros Tumultos – Criação e Arte em Mário de Andrade, tese de Doutorado em Letras, também pela UFBA (2001), Forma e alumbramento — poética e poesia em Manuel Bandeira (2004). Lançou ainda o CD Poemas, gravado pelo próprio autor, com 48 textos extraídos de seus livros, além de alguns inéditos (2001). Contos e poemas seus foram incluídos em diversas antologias, no Brasil e no exterior (Portugal, Itália, França, Espanha e Estados Unidos).

(Texto redigido em 26.01.2023)

 

 

 

 

 

 

 

 

Poussin, Rinaldo e Armida

 

 

 

 

 

Ruy Espinheira Filho


 

Soneto do amor e seus sóis


Eram teus olhos de água, olhos de água
ensombrada de folhas, eram teus
olhos de água marinha, eram teus olhos
de água límpida, ou turva, eram teus olhos

de água cintilante de tão negra,
eram teus olhos de água luminosa
como só umas raras dessas brisas
chamadas alma, eram os teus olhos

— e eis que teus olhos ainda são, que sempre
outros olhos e os mesmos: o amor
diverso e idêntico no azul do peito

a amanhecer-me, a moldar-me as
asas de mergulhar no chão profundo
e patas de galgar os altos ventos.

 

 

 

 

 

 

 

 

Poussin, The Nurture of Bacchus

 

 

 

 

 

Ruy Espinheira Filho


 

Soneto do anjo de maio


Então, em maio, um Anjo incendiou-me.
Em seu olhar azul havia um dia
claro como os da infância. E a alegria
entrou em mim e em sua luz tomou-me

o coração. Depois, suave, guiou-me
para mim mesmo, para o que morria,
em meu peito, de olvido. E a noite, fria,
fez-se cálida — e a mágoa desertou-me.

Já não eram as cinzas sobre o Nada,
mas rios, e ventos, e árvores, e flamas,
e montes, e horizontes sem ter fim!

Era a vida de volta, resgatada,
e nova, e para sempre, pelas chamas
desse Anjo de maio que arde em mim!

 

 

 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904), The Pipelighter

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Secchin

 

 

 

 

 

Poussin, Acis and Galatea

 

 

 

 

 

Ruy Espinheira Filho


 

Soneto de julho


É muito tarde para não te amar.
Tudo o que ouço é o sopro do teu nome.
O que sinto é teu corpo, que consome
— presente, ausente — o meu corpo. Luar

em que me abraso, morro: teu olhar
ofuscando memórias, onde some
um mundo, e outro se ergue. Sede, fome
e esperança. Ah, para não te amar

é tão tarde que tudo é já distância,
que só respiro este luar que me arde,
este sopro sem praias do teu nome,

esta pedra em que pulsa e medra a ânsia
e esta aura, enfim, em que me envolve (é tarde!)
o que és — presente, ausente — e me consome.

 

 

 

Leonardo da Vinci, Embrião

Início desta página

Gizelda Morais

 

 

 

 

 

Poussin, The Empire of Flora

 

 

 

 

 

Ruy Espinheira Filho


 

Soneto do Quintal


para Matilde e Mario,
em Monte Gordo, março de 91


Ao recordar a moça, eu me comparo
ao cão que vejo a interrogar a brisa.
O que é mal comparar: bem mais precisa
é a mensagem de odores que o faro

decifra. E então medito sobre o claro
ser desse cão, e invejo essa precisa
vocação de existir. E ausculto a brisa
e nada nela encontro. Nada. E paro

de lembrar e pensar. Há mais profícuas
ocupações. Exemplo: só olhando
estar. Cão. Nuvens. Ramos. E, dormindo,

um gato. E essas formigas — três — conspícuas,
vestidas a rigor, deliberando
em torno de uma flor de tamarindo.

 

 

 

William Bouguereau (French, 1825-1905), Admiration Maternelle

Início desta página

Luís Manoel Paes Siqueira

 

 

 

 

 

Poussin, Rebecca at the Well

 

 

 

 

 

Ruy Espinheira Filho


 

Soneto da Justificação

a Mário Vieira


Esta noite (ele pensa) justifica
— com seu luar abençoando os ramos
do pé de carambola — os estertores
de que surgiu o Universo. Fica

tudo, tudo (ele pensa) redimido.
Deuses. Deus. O Acaso. Não importa.
Valeu (eis o milagre em sua porta!)
a pena que custou a gestação

deste momento. O qual lhe justifica
(ele suspira), enfim, a paciência
de — até chegar a este luar nos ramos —

ter (calcula) esperado cinco décadas,
sessenta dias e, fechando as contas,
alguns punhados de bilhões de anos.

 

 

 

 

 

 

 

 

Poussin, The Triumph of Neptune

 

 

 

 

 

Ruy Espinheira Filho


 

O Poeta em sua varanda

a Paulo Henriques Britto


Se ajeita na cadeira reclinável,
entre uma saudade e uma quimera,
sob outono que sabe a primavera
e agora o afaga com a mais amorável

tarde do mês. Aliás, todo ele amável,
este abril, ele pensa, já a quimera
enviando a pastar em outra era,
que à hora basta esta admirável

lembrança que o embala. E eis que seu ser
é como cristalina clarabóia
banhada pelo sol do amanhecer,

enquanto, a essa luz de ouro e jóia,
serenamente ele começa a ler
uma carta de amor vinda de Tróia.

 

 

 

 

 

 

 

 

Poussin, Venus Presenting  Arms to Aeneas

 

 

 

 

 

Ruy Espinheira Filho


 

Soneto da triste fera

a Florisvaldo Mattos


Quanto mais o olhar acera,
recrudesce a noite vasta,
restando apenas à fera
as trevas em que se engasta.

Choramos, era após era,
esta carência que pasta
entre escombros de quimera
tudo aquilo que não basta

a nós, esta triste fera
que vê só o duro luzir
desta, mais fera que a fera,

condição que a vergasta:
corpo — o que nos vai trair;
e alma — o que nos devasta!

 

 

 

 

 

 

 

 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904)

 

 

 

 

 

Ruy Espinheira Filho


 

Blind Borges


La vasta y vaga y necesaria muerte.
Jorge Luis Borges: Blind Pew


A vasta e vaga morte, esse outro sonho,
não é só outro sonho: é a mais remota
ilha de ouro a que nossa derrota
nos leva, inexorável, sonho a sonho.

Latidos pelos cães, sonho após sonho,
sonhamos. Esta é a vida, a vela, a rota
do homem: sonhar. E em áurea praia ignota
sonha o que sonha o sonhador, que é sonho.

Isto é o que pulsa em nós: o ansiado ouro
— distante e aqui, no coração —, tesouro
cuja procura tece a nossa sorte;

rumo que a alma singra e sagra em ouro
até chegar enfim a esse tesouro
incorruptível que nos sonha a morte.

 

 

 

 

 

 

 

 

Theodore Chasseriau, França, 1853, The Tepidarium

 

 

 

 

 

Ruy Espinheira Filho


 


Manuscrito descoberto entre os papéis do poeta, em envelope lacrado que ele, infelizmente, nunca chegou a abrir


Não queremos, nem de longe,
pensar no que pode haver,
poeta Mário de Andrade,
se um dia você morrer.

Não queremos, porém como
impedir o pensamento
de se pensamentear?
Não morra nunca, poeta,
porque há sombras nas sombras
só esperando a sua morte
para assaltar os jornais,
submeter as revistas
e desterrar os poetas
(perigosos, subversivos,
capazes de qualquer coisa,
de acreditar em talento,
em lirismo, inspiração)
— e tudo será tristeza,
desamparo, solidão.

Eis que estão prontos e indóceis,
só aguardando a sua partida,
parnasianos tardios
armados de metros rijos,
estrofes sisudas (com
ou sem consoantes de apoio),
dicionários de rimas,
disciplina de cesuras,
iniludíveis sinéreses,
impecáveis hemistíquios,
implacáveis sinalefas
— para saltar desse escuro
e a alma nos arrancar!

Ah, não morra, Mário, poeta,
que o Sol pode se apagar!
Porque depois saltarão,
do escuro oculto no escuro,
cáfilas de não-poetas
gritando a morte do verso
em impudente algaravia,
concreção de logogrifos,
insalubres despoéticas
verbi-voco-visuais
contra o sonho e a poesia!

E ainda virão uns outros
em linhas irregulares,
reboantes, pantanosas,
ou em feição de diarréia
— que chamam de verso-livre,
como se o verso não fosse
o rigor que é sua vida!
E ainda virão mais uns
que trarão palavras frias,
sem música, pedregosas,
arquitetos do vazio,
construtivistas de nada.
Não resistiriam, todos,
aos combates de você,
poeta, mas vencerão,
se acaso você morrer!

Poeta Mário de Andrade,
não nos faça esse vexame,
não nos deixe abandonados
a apocalipses que tais,
como é o jargão espesso
dos professores-doutores
grávidos de metaplasmos,
poéticas objetais,
monósticos, semantemas,
afirmações axiais,
topos, vocóides, sememas
e outras disfunções letais!
Que ensinarão ser você
equívocos de você;
que aquilo que você disse,
em prosa ou verso, de fato
não disse; e o que você disse
traz profundas discordâncias
daquilo que você disse;
e, em suma, aquilo que disse
você, você nunca disse;
e o que você nunca disse
é exatamente o que disse,
ou que, ao menos no caso,
você queria dizer;
e muito provavelmente,
o que você disse, disse
porque disse o que não disse
quando dizia o que disse,
se disse mesmo o que disse;
se é que isso se deu — e se
você foi mesmo você
(e eis que, sob aplausos, cai
o pano: Magister dixit!)!

Por esses e outros motivos,
poeta Mário de Andrade,
não morra nunca jamais!
Porque, se você morrer,
será esse horror assim
— e o mundo pode acabar!
E se não se acaba o mundo,
depois que você morrer,
o que nos restar vai ser
bem difícil de agüentar!

 

 

 

 

 

 

 

 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904)

 

 

 

 

 

Ruy Espinheira Filho


 

Epifania

 

Alguns anos não consigo
deixar nas águas do Lete:
os teus catorze morenos
e os meus magros dezessete.
Muitas coisas se afogaram,
e rostos, e pensamentos,
e sonhos, e até paixões
que eram imortais...
Porém,
os meus magros dezessete
e os teus catorze morenos
não entram nem em reflexo
nesse Rio do Esquecimento.

Que magia nos levou
a um espaço e a um momento
para que de nós soubéssemos:
tu, meus magros dezessete;
eu, teus catorze morenos?
Que astúcia do Imponderável
nos abriu aqueles dias
que permanecem tão claros
como quando nos surgiram?
Eu não sei. Mas sei que a vida
nunca mais me foi vazia.

Como não foi fácil, nunca,
por tanto me visitarem
os Arcanjos da Agonia.
Pois, se fui iluminado
por estarmos lado a lado
— os teus catorze morenos
e os meus magros dezessete —,
seria fatal que também
viesse a sentir a alma
em chagas multiplicadas
por setenta vezes sete.

Ah, os teus catorze morenos
e os meus magros dezessete!...
Quanto sofrimento fundo
— mas quanto sonho profundo
e alto!
Que belo mundo
foi-me então descortinado,
porquanto me era dado
o privilégio preclaro
de penar de amor no claro,
no escuro, em todas as cores,
em todos os tons da vida,
dia e noite, noite e dia,
varrido ao vento das asas
dos Arcanjos da Agonia
(que eram, por algum prodígio,
os mesmos da Alegria!...).

Ah, que por mim chorem flautas,
pianos, violoncelos,
as cachoeiras, os céus
comovidos dos invernos...
Chorem, chorem, que mereço
essas lágrimas, porque
tudo sofri no mais pleno
de paraísos e infernos.
Que chorem...
Mas eu, eu mesmo,
não choro... Como chorar,
se mereci essa dádiva
de um amor doer na vida
por setenta vezes sete
mais que qualquer outra dor,
mais que qualquer outro amor?
Só me cabe agradecer,
pois a vida perderia
(e, o que ainda é mais cruel,
sem nem saber que a perdia...)
se não provasse os enredos,
insônias, febres, venenos
que em meus magros dezessete
acendeu a epifania
dos teus catorze morenos!

 

 

 

 

 

 

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SB 26.01.2023