Rita Brennand
Fortuna Crítica: Miguel Marvilla
Estou há dias diante do
computador, à espera de que as palavras saltem automaticamente do
teclado para a tela e falem de Rita Brennand e de seus Objetos da
Terra. Esperança vã. Até onde alcança meu conhecimento, não existe
um só registro de texto que se tenha escrito por si mesmo. Todo
texto é fruto do trabalho de seu autor, um trabalho que leva em
consideração alma e cérebro — simultaneamente. Não há um só caso de
auto-escritura na história da literat... ou... há?
Será que a minha dificuldade para
falar da poesia de Rita Brennand não se deve ao fato de que uma
parece tão naturalmente esculpida no papel com as feições da outra
que não se poderia distinguir o que é Rita, o que é poesia, sem que
se cometesse grave injustiça com uma ou com outra?
Porque o fato é que a poesia de
Rita Brennand neste Objetos da Terra que tive a honra de editar se
confunde com a própria autora, de forma tão indelével que inútil
seria tentar separá-las, autora e obra. Rita é o que escreve e Rita
escreve o que é, num círculo virtuoso que absorve e encanta os que
nele penetram.
Diz-se da interpretação que ela é
característica dos que pretendem reduzir todo um universo de
conotações existente na obra de arte a uma única paráfrase
denotativa. Dessa forma, interpretar poderia ser visto como uma
espécie de fascismo, o qual se caracteriza, segundo Umberto Eco, não
por impedir de dizer, mas por obrigar a dizer. Longe das
intermináveis discussões teóricas que poderiam vir à tona em vista
dos poemas de Objetos da Terra, melhor que se deixem, portanto, seus
versos à deriva. Uma hora eles alcançam seu porto numa alma limpa e
arejada — que elas existem, lá isso existem, Rita Brennand é prova
disso — e multiplicam as emoções de que são feitos, para que são
feitos.
Porque, sim: este é um livro para
as pessoas que têm os sentidos abertos para o mundo, que pensam com
o coração. Fala das coisas simples da terra, das coisas simples da
alma... das coisas simples da alma?!? E desde quando é simples lidar
serenamente com as próprias emoções; transformar a dor em razão para
existir; superar os traumas; fazer a vida valer o esforço para
mantê-la?
Rita Brennand moldou a sua dor
pessoal em barro e, do barro, à maneira de Deus, fez a sua poesia,
retomou a sua vida. Um amor atávico aos elementos da Terra faz deste
livro uma homenagem à existência e dá aos seus leitores a sensação
(repito: é preciso lê-lo com os olhos da alma, com todos os sentidos
despertos, como um goleiro na hora do pênalti), a sensação de que,
ao contrário do que dizia o lema da Escola de Sagres, “viver é
preciso”, pois o universo é aqui.
O leitor, encantado, pede mais:
Miguel Marvila é poeta e contista,
autor de Dédalo, Lição de labirinto, Os mortos
estão no living e Tanto amar, entre outros livros. É
membro da Academia Espírito-santense de Letras e editor da
Florecultura Editores e da revista Você, da Universidade
Federal do Espírito Santo.
arcanjo59@hotmail.com
Fortuna Crítica: Renato Pacheco
Poesia telúrica
Éramos jovens, a segunda guerra
mundial havia terminado, na Academia de Novos repetíamos debates
velhos de século. Que era poesia? Classicismo ou modernismo? A
poesia só seria válida se apresentada em versos medidos, ritmados e
rimados?
Ou não?
Orlando Cariello, sonetista
admirável, defendia (e o fez até o fim da vida) a forma tradicional.
Antenor de Carvalho, como se vê em Fragmentos, se bandeou para nosso
lado modernista, que tinha à frente Rômulo Salles de Sá. E, já
naquele tempo, em conferência de 1944, na Universidade de Gales, T.
S. Eliot ensinava que, para os contemporâneos, não há “nenhum padrão
definido de gosto na poesia”.
Relembro esse momento antigo da
história cultural vitoriense, ao me encontrar com a P-O-E-S-I-A
telúrica de Rita Brennand.
Em Objetos da Terra, temos quatro
blocos (“Terra Mutante”, “Sons da Terra”, “Enigmas dos Seres” e
“Outra Máscara: Mulher”), porém, para mim, estou frente a um só e
longo poema intérmino, que, emocionado, ouvi, talvez em primeira
mão, através de voz tão sonora e vivaz quanto a poesia que a
espantada e dolorida máscara da autora transmitia a seu ouvinte.
Por estas bandas, a meu ver, só
andou outra poeta com a força e a profundidade de Rita Brennand:
Haidée Nicolussi, a tradutora de Lao Tse.
Está sendo editada pela
Flor&cultura uma poesia forte, sofrida, madura e, afirmo
conscientemente, de qualidade duradoura. Essa “dicção poética”
(naquele sentido a que se refere o Dr. Johnson ao falar de Dryden)
nos transmite, de imediato, imagens em que “tudo se expande e
vibra”, em dança frenética, que, tenho certeza, deixará no leitor
forte impressão.
Renato Pacheco é historiador, escritor, membro da
Academia Espírito-santense de Letras
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