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Thiago de Mello


Entrevista a Lêda Rivas*

(* Editora do Viver - caderno de cultura do Diário de Pernambuco)
 

Como quem põe um ponto final numa longa conversa, Thiago de Mello chega avisando:

"Os versos, compondo a abertura do livro em questão (o vigésimo-sexto pela Editora Civilização Brasileira), sintetizam o destino do poeta amazonense, setenta anos de idade, cinqüenta dos quais postos a serviço do amor, da natureza e da liberdade. Ele próprio, lacônico, define como o resumo de toda a sua vida a edição, intitulada – com incisivo sabor de melancolia – De Uma Vez por Todas. Reunindo a produção recente do autor, poesia e prosa estão juntas, entremeadas com uma iconografia sentimental, para celebrar o "dom da amizade, uma virtude humana que está em vias de extinção neste fim de século".
 

Para lançar sua memória lírica pelo Brasil afora, Thiago de Mello deixou Porantim do Bom-Socorro, "12 mil metros quadrados de chão verde'', fincado em plena selva amazônica, que um dia inteiro de barco separa de Manaus. Passou pela Bienal Internacional do Livro, em São Paulo, teve um lançamento saudosista no Rio, deu autógrafos em Brasília e se prepara para cumprir agenda oficial em prol da preservação ecológica. No final do mês, retorna ao coração da floresta, um canto que até se propôs a vender, em "anúncio imobiliário'' que encerra o livro, com a leve sensação de que mercadejava a própria alma.

Esta semana, de Brasília, horas antes de ir ao encontro de Fernando e Ruth (os próprios), amigos de esperanças e recordações afins, o poeta concedeu esta entrevista, por telefone.
 



DIÁRIO DE PERNAMBUCO – Em De uma Vez por Todas está sua memória poética? O livro é um inventário?

THIAGO DE MELLO – O livro é um resumo da minha vida.

DIÁRIO – Você sempre falou de amor, liberdade e vida. Fazia escuro e você cantava. Como está o tempo no Brasil para a sua poesia?

THIAGO DE MELLO – O tempo está ficando mais claro, através da reconquista da democracia. Mas do ponto de vista social da vida do povo, a escuridão continua, porque são muito grandes a diferença e o contraste de poucos que têm tudo, têm cada dia mais, e uma multidão de deserdados que não podem ter nem um pouco para viver na dignidade da própria condição humana. As diferenças e as desigualdades sociais são terríveis ainda. Esse meu livro serve à utopia. Acho que cada um de nós, na sua vida cotidiana, na maneira de viver e de conviver com os outros, parte, consciente ou inconscientemente, para uma opção entre o apocalipse e a utopia. Já faz tempo que eu optei pela utopia.

DIÁRIO – Toda a sua obra e você mesmo, como pessoa, estão profundamente ligados às dores e aos anseios da América Latina. Há um relacionamento muito íntimo entre você e os poetas do continente. Isso leva a uma conspiração literária pela rebeldia?

THIAGO DE MELLO – Acho que a poesia da América Latina, hoje, é uma poesia essencialmente ligada à vida do homem latino-americano. Uma poesia que serve à vida. A poesia, evidentemente, é uma arte, mas esta arte deve servir à vida. Ou seja, além de ter uma finalidade estética, deve ter uma utilidade ética. Ela não deve servir apenas à beleza, ela deve servir ao bem. Ao bem da vida.

DIÁRIO – Quase todos os seus títulos foram editados pela Civilização Brasileira. Fale um pouco de Ênio Silveira, "que sabia ser amigo de mesmo''...

THIAGO DE MELLO – Este é o meu vigésimo-sexto livro pela Civilização. E é uma homenagem ao dom da amizade, uma virtude humana que está em vias de extinção neste fim de século. A amizade hoje existe mais por interesse, não pelo grande dom da ternura humana. Então, eu presto uma homenagem, num poema chamado Memória, aos meus amigos, às pessoas com as quais eu convivi e trouxeram luz a minha vida. Entre aqueles a quem dedico o livro está Ênio Silveira, grande brasileiro, grande patriota e um ser humano extraordinário.

DIÁRIO – O livro está sendo lançado em Brasília?

THIAGO DE MELLO
– Eu lancei o livro em São Paulo, durante a Bienal Internacional, lancei no Rio de janeiro, numa noite inesquecível, na última sexta-feira, com a presença de amigos meus de infância, que eu não via há quarenta ou cinqüenta anos. Mas a maioria era de gente desconhecida, pessoas que foram para me conhecer, às quais eu dedico também este livro, como consta na abertura. E digo ao leitor que eu não o conheço, mas participo de sua vida, através dos meus livros. Terça-feira lancei em Brasília.

DIÁRIO – E agora está assumindo uma missão oficial junto ao Ministério do Meio Ambiente...

THIAGO DE MELLO – Eu tenho que participar aqui de um evento, no dia 10, uma exposição pelos Direitos Humanos. Depois vou tomar parte de um júri, em São Paulo, um concurso promovido pela Fundação Getúlio Vargas para projetos de autogestão em várias cidades do Brasil. E dia 19 parto para Nova Iorque, onde vou participar de um encontro pela preservação da nossa floresta amazônica, que é tema também de poemas do meu livro.

DIÁRIO – Depois você desce o rio...

THIAGO DE MELLO – Aí eu volto para a minha floresta.

DIÁRIO – Você é amigo do presidente Fernando Henrique Cardoso? O que vocês têm em comum, além de uma temporada no Chile?

THIAGO DE MELLO – O nosso compromisso com a vida e o povo brasileiro.

DIÁRIO – Mas você é amigo dele?

THIAGO DE MELLO – Sou amigo dele e de Ruth. Vou estar com ele daqui a pouco e vamos conversar sobre o Brasil e vou encarecer junto a ele da necessidade da reeleição para presidente.

DIÁRIO – Você é a favor de mais quatro anos para FHC?

THIAGO DE MELLO – Sou a favor da reeleição, porque é impossível que ele só tenha quatro anos para saber o que é preciso fazer para melhorar a vida do povo brasileiro. Acontece que ele só pode fazer o que o Congresso permite. Então quando saírem as reformas necessárias para a transformação que vai beneficiar a vida do pobre, ele terá poucos meses de Governo. Ele tem direito a disputar a reeleição, como acontece em outros países. Esta é a minha posição, que já tornei pública.

DIÁRIO – Você acha que o neoliberalismo é o melhor caminho para o Brasil?

THIAGO DE MELLO – Eu não acredito em neoliberalismo. Acredito no amor, no respeito à vida do povo. Sou, inclusive, contra essa noção, que está se expandindo cada vez mais, de globalização. Tudo bem, o mundo ficou pequeno pelas comunicações, mas cada país tem que escolher o seu caminho e a sua soberania. E ter a sua vida própria. Devem existir, evidentemente, intercâmbios, convênios, interações com outros países, mas eu não acredito em neoliberalismo. Isso é um engodo.

DIÁRIO – No final do seu livro, você faz um comercial, um anúncio pondo à venda o seu "lugar'', como você chama. Você teria mesmo coragem de vender Porantim do Bom-Socorro?

THIAGO DE MELLO
– O lugar já foi passado para o Governo do Estado, vai servir para um grande centro cultural de reciclagem e capacitação para professores do interior da floresta. Mas eu continuo morando em Barreirinha em duas casas, uma de um lado do rio, a outra do outro, ambas projetadas por Lúcio Costa.

DIÁRIO – Como se chega a Barreirinha?

THIAGO DE MELLO – De Manaus a Barreirinha são vinte horas de barco. Agora tem uma linha aérea, três vezes por semana, leva uma hora de vôo. Mas não há estradas. A estrada é o rio.

DIÁRIO – Aos setenta anos, Thiago de Mello, o que você vê, quando olha para trás?

THIAGO DE MELLO – Eu não sofro dessa enfermidade chamada falsa modéstia. Acho que fui coerente, continuo a ser coerente com a minha vocação, sou responsável perante o dom que recebi ao nascer, o dom da poesia. Minha vida é uma vida que tem sido útil para os outros. Sou coerente, porque coloquei sempre a minha poesia a serviço da vida.
 



Cantando a liberdade
 

Thiago de Mello nasceu em Bom-Socorro, município de Barreirinha, Amazonas, quase na fronteira do Pará, em 1926. Pensou, primeiro, em ser médico. Trocou a carreira pela literatura, estreando aos 25 anos com o livro de poemas Silêncio e Palavra. A partir daí começou a freqüentar o círculo dos intelectuais da época, que incluía nomes como os de Carlos Drummond de Andrade e Manuel Bandeira. Adido Cultural da Embaixada do Brasil no Chile, nos anos sessenta, tornou-se amigo de Pablo Neruda e outros escritores. O golpe de 64 o empurrou para o exílio: na trajetória, Chile, Argentina, Portugal, França e Alemanha. Só em 78 voltou ao Brasil, onde sua obra poética, publicada pela Civilização Brasileira, ganhara a dimensão de um libelo contra a opressão. Com Faz Escuro mas eu Canto (hoje na 14ª edição) acentuou a sua vocação de poeta comprometido com a liberdade e a dignidade humana. Daí se extraem Os Estatutos do Homem, peça antológica que corre o mundo, em sucessivas edições estrangeiras. Da sua bibliografia constam, ainda, A Canção do Amor Armado, Mormaço na Floresta, Vento Geral e Num Campo de Margaridas (todos de poesia). Em prosa, Thiago de Mello escreveu Notícia da Visitação que fiz no Verão de 1953 ao Rio Amazonas e Seus Barrancos; Arte e Ciência de Empinar Papagaio; Amazônia, a Menina dos Olhos do Mundo e O Povo Sabe o que Diz. Como tradutor, é responsável por versões para o Português de livros de T.S. Eliot, Ernesto Cardenal, Cesar Vallejo, Nicolás Guillén, Eliseo Diego e Pablo Neruda.

De uma Vez por Todas, verso e prosa, tem apresentação de Carlos Heitor Cony, ilustrações de Aldemir Martins e é dedicado, entre outros, ao editor Ênio Silveira. Preço: R$ 25,00
 

 

 

John William Godward (British, 1861-1922),  A Classical Beauty

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J. Romero Antonialli