Regine Limaverde
A menininha dos cabelos enroladinhos
Brincava de roda,
de xícara e boneca
Fazia denguinho, cantava alegria
Mas ficar sem a mãe era o pior castigo
Chorava inquieta e jamais sorriria.
Era uma linda menina de cabelo
bonitinho, enroladinho em cachinhos. Estava na idade gostosa dos por
quês. Um dia perguntava a mamãe por que a lua era amarela e o sol
era como o fogo. Por que fazia três cocôs todos os dias, um pai
grande e duro, uma mãe e um filhinho, bem pequenininho. Em outro
dia, por que seu bumbum não estava no lugar da xoxota e a xoxota no
lugar do bumbum. Era muito amada . A mãe quando a teve já tinha
bastante entendimento do mundo e o desejo forte de fazer família. A
avó era derramada pela menininha. Tudo que lhe pedisse, jamais ela
não negaria. A menininha morava longe, noutro Estado de um país
muito, muito grande. Um dia, quando completou 3 anos, seus pais
foram convidados para morar numa cidade do mesmo Estado onde seus
avós moravam. Ficou bem mais perto da família. A avó achava que
agora vivia junto de sua fadinha, porque somente a duas horas de
carro. Ledo engano. Fazia tempo que a menininha não era vista. A avó
trabalhava e um tempinho que tinha visitava-a, mas a menininha
apesar de dizer que era apaixonada pela avó, quando esta chegava
perto, a menininha não lhe dava muito confiança. Mas a avó tinha
certeza que um dia ela capitularia e ficou à espera. Um dos muitos
dias em que ela veio com o pai e a mãe, a avó levou-a ao
cabeleireiro. A moça sentou-a na cadeira e a avó apresentou a
menininha à moça do gabinete como sua neta. De repente ela baixa a
cabeça e a moça que cortava seu cabelo pediu para ela se sentar
direito. A avó falou-lhe: - minha filha ajude a moça para seu cabelo
ficar bonito! Ela respondeu imediatamente:- não sou sua filha, sou
sua neta. Apesar dessas respostas desaforadas, o amor delas era
selado. A todos que lhe perguntassem quem havia lhe dado qualquer
coisa, ela dizia: - a vovó. A avó era derretida de amor pela
menininha. Um dia a menininha comunicou a mãe o desejo de visitar a
avó na capital. A mãe imediatamente concordou. Ela começou então a
arrumar sua malinha para o fim daquela semana. Viria com a babá de
ônibus. Mas no dia seguinte, a menininha acordou chorando e
comunicou à mãe que não iria mais, porque sentiria muita saudade
dela. Ela tinha um estranho hábito de dormir passando os cabelos da
mãe no rosto e a avó tinha o cabelo curto. Nunca poderia substituir
as madeixas da filha. No dia seguinte, a mãe já sabedora da
desistência da viagem da filha ia para o trabalho quando ela lhe
comunicou que mesmo com muita saudade dela, iria sim para Fortaleza.
Tudo combinado. O ônibus foi descartado porque a menininha não
poderia ir a um banheiro de um coletivo. A viagem era mais de quatro
horas e a criança poderia ter vontade de fazer xixi. Assim ficou
acertado que o pai traria a filha e a babá e voltaria no mesmo dia.
Ele era médico e estava mesmo com vontade de ir à capital para
consertar um aparelho de olhar gente por dentro. No sábado a avó
alegre, nem saiu para seu passeio matinal, acordou e preparou a casa
para receber a menininha amada dos cabelinhos enroladinhos. Às onze
horas a menininha chegou com uma malinha e uma boneca loura de
cabelos desgrenhados que substituiria a mãe na hora de dormir.
Durante o dia a menininha brincou, correu, comeu e se arrumou para
ir ao “shopping” brincar. O que ela mais queria era brincar num
brinquedo que era uma xícara. Explico: no shopping, na área de
brinquedos tem um que é composto de xícaras que rodam, rodam e fazem
qualquer um que se atreva a nelas entrar, tonto, tonto. A avó nunca
poderia acompanhá-la naquele brinquedo louco. Sofria de labirintite.
A mãe quase teve um ataque quando soube que a filhinha de seu
coração havia brincado na xícara. – Na xícara ? A avó respondeu que
a menininha só falava no brinquedo e ela jamais poderia
contrariá-la. Havia levado sim, a menininha na geringonça ligeira. A
menininha brincava, brincava e quando era noite chorava pela mãe. Na
primeira noite ela já queria ver a mãe. Chorou pedindo para a avó
deixá-la em casa. A avó prometeu que a levaria na segunda- feira. No
dia seguinte, um domingo, era o dia das eleições e avó nunca
organizaria viagem naquele dia. Queria votar no seu candidato que
pela quarta vez tentava a presidência. Não. Não viajaria nem que
fosse para deixar sua amada netinha na cidade longe. Assim a
menininha passou mais um dia alegre e brincando, brincando , rindo e
brincando na casa da avó. Até que chegou a noite e as encontrou numa
pizzaria bebendo suco de laranja e esperando uma pizza. A conversa
estava muito animada quando subitamente a menininha se lembrou da
mãe. Então ela começou a chorar. E chorando dizia que queria ir
embora . A avó prestou atenção que no desespero dela ela dizia que
não queria ficar adulta. Seu linguajar era maduro para sua pouca
idade. Ela queria permanecer pequenininha. A avó mais uma vez jurou
que no dia seguinte a levaria para sua mãe. E assim foi. Após o
almoço , naquela segunda-feira, a menininha de cabelos enroladinhos
pulando de alegria ficou esperta numa viagem de duas horas e meia e
quando entrava na cidade gritava: - ôba! Já estou no meu país! E
chegando em casa correu para os braços da mãe, cheirou o cabelo
dela, esfregou-a no rosto e jurou: - nunca mais vou para a casa da
minha avó sem você, mamãe. Nunca mais! A avó entendeu que mais uma
vez a mãe natureza exercia sua vontade. Menino tem que ficar com
mãe. Avós são feitos para amar seus netos e às vezes serem amados.
Ela lutaria para se fazer amada.
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