Ray Silveira
Ah, sim...
Eram seis da manhã de num sei quanto
de Fevereiro de mil novecentos e tanto. Ao sair, me deparei com um
vizinho, na janela, me chamando através de acenos. Dia sendo, de
apagar cedo os lampiões, através de acenos também, mandei-o esperar.
Mais tarde iria lá. Depois de cumprir minha tarefa, fui e não o
encontrei. Postei-me, então, à mesma janela e pude ver que se
encontrava parado no mesmo lugar para onde acenara me chamando, ou
seja, na minha calçada. Chamei-o. De igual modo, através de acenos,
respondeu com uma mostração de relógio, numa demonstração de que
mais tarde viria. Não veio.
Ora, noutro dia, noutra hora, saí uma
vez mais. Ainda não era dia. Também não era dia de apagar lampiões.
Me acenou novamente e fui até lá. Não estava. Constatei que se
encontrava, de novo, na minha calçada. Acenei, chamando. Estou indo.
Não veio. Esperei até meio-dia. Nada. Perdi meu tempo, lamentei, mas
procurei e encontrei logo...
Na manhã seguinte era, mais uma vez,
minha vez de apagar lampiões. Não acenou. Provavelmente porque não
estava. E se estivesse, pensei, teria acenado? Aquilo me perturbou.
Protelei o trabalho e fui a sua casa. Vivalma. Fui trabalhar. Quando
voltei, voltei a procurá-lo. Não estava. Mal cheguei à entrada da
minha, estava... Me acenando... Pedi para esperar. Vou parar de
falar em aceno. Assim sendo, fiquem sabendo: só nos comunicávamos
assim. Ah, sim, ia esquecendo de dizer: éramos vizinhos há mais de
dez anos e jamais tínhamos sequer nos cumprimentado.
Quase ia lá, não fui... Deixei pra
outra hora. Agora estava arrependido. Pois fui dar uma espiada e
expiei a culpa de não ter ido. O homem não parecia o mesmo: estava
irreconhecível. Ao contrário de mim, tinha a cabeça no lugar...
Nunca tive. Sempre fui nervoso... preocupado... ainda quando ocupado
em apagar ou acender lampiões. Além disso, ria e continuava me
chamando com insistência. Então, decidi ir. Não se encontrava e se
encontrava. Não estava em sua casa, mas na minha. E continuava rindo
e me chamando insistentemente.
Caí em mim. Não sei como se pode cair
em si... Então, caí no chão. O meu vizinho não existia ou pretendia
me gozar. Depois, corri pra minha casa e o encontrei... Na dele. Na
dele e na dele. Pois não estava nem aí, mas estava, sim, à janela da
sua... Morria de rir. Enquanto isso, também morria, sem rir, o Sol.
E nascia, sorrindo, a Lua.
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