Silas Correa Leite
“Herranças” - Crítica literária do
livro “Perfumes” de Poesias
Os prelúdios
extremamente líricos do Poeta Salvino Pires Sobrinho – ou seus
antissalmos, que sejam – nesse contexto me fizeram, por algum motivo
que, confesso, ainda desconheço, dar um inusitado e estranho
“nominar” peculiar aos seus poemas de “Herranças”, talvez até com
subtítulo de Anti-Salmos. Sim, uma montagem de heranças com erros;
da vida, de recriações e descaminhos, de estruturas e de paradoxos,
de religiosidades disformes e assim vivências reais e complexas,
incompletas ou sem sentido por algum viés. Tudo isso marca a poesia
do autor como um ponto de interrogação fragmentado em desenhos de
tantas releituras, feito um lambe-lambe revelando o seu vinho verbo.
O livro Perfumes, em
belíssima e caprichada edição, da magnífica capa de Alexandre Liah,
ao prefácio apresentador da Mestra Imaculada Reis (Professora de
Literatura Brasileira/PUC e UF-RJ), editado pelo “Escritório de
Histórias” (Editora de Belo Horizonte/MG) trazem poemas graciosos
desse mineiro Dr. Salvino Pires Sobrinho criado passarinheiro em
Goiás, onde destroncou raízes e alvoroçou idéias. Escreveu árvores,
plantou filhos, gerou esse livro. Árvore da vida.
A preciosa e
dinâmica Internet tem dessas coisas mesmo. Através de uma carioca
amiga minha e escritora servindo de ponte, de intermediação, comecei
a trocar e-mail com o Poeta (e engenheiro civil pós-graduado em
Marketing) Salvino Pires, e daí para os confeitos poéticos foi um
passo, quero dizer, um mundo virtual que arredondou trocas e somas
então muito além da web.
E que, para meu
deleite, rendeu-me em tempos paulistanos de chuva e frio, um
presente essa obra literária denominada Perfumes. O livro de estréia
do autor aos 69 anos, onde ele revisita a infância, repensa
situações, com seus prelúdios cheios de tristices, seus noturnos
enluados, sim, resquícios de Herranças como o neologismo que por
acaso criei para apreciar sua fragrância lírica fora de série.
Poemas de quem tem
um olhar precioso e atento para a beleza do simples, para a
singeleza do trivial, demonstrando talento inerente, e que por
alguma maneira conhece do ofício, mesmo que de forma ainda não
totalmente dizível inteiro, revelando/escondendo que de certa forma
tem um estilete de menta a lhe esturricar a alma alumbrada,
dando-nos, assim, a sua porção asa-luz querendo aflorar, sua tez
chão querendo brotar, seu cismar gótico ainda em pelica gênese de
avelã.
Mas antes desse
mimo, tive a oportunidade de ler seus outros poemas noviços,
inéditos, talvez pertencimentos de futuras obras, outros livros, já
mostrando o que cedo ou tarde virá dessa jazida-curtume. E no livro
de estréia ele já nos surpreende:
“Nasci pequeno e/ Com
o tempo/ Fui diminuindo..” (Heranças, pg 71), quase um haicai
melancólico. Um fragmento de si, um close de si, um cheiro de si. A
alma pedindo respiradouro pelo macadame da palavra exata e
alinhada?. Ou seriam noturnos de alguma sua essência sublimada?
A sopa de macarrão
da mãe; o pai empinando a pipa do filho, uma infração de idéias, a
sombra da tarde, ou quando chegava uma visita, quando conheceu o
caqui e tantos outros temas bucólicos, são recolhidos e poetizados
pelo Salvino Pires com uma mão de ourives. O Menino e o Pássaro é um
dos mais belos poema do livro Perfumes.
Tudo isso retrata
Salvino Pires na fotografia de sua memória em precioso fazer
poético. Bonitezas tipo: “Fico com a sensação/De estar escrevendo
escondido (Fale Baixo, pg 33). Em que lugar do passado (terras e
águas e nuvens), ficou aquela canoinha mágica de Salvino Pires, ou
onde foi inteiro ferido de dor a se perolizar pertencimentos,
questionários e renúncias assim? Vejam: “O vendedor de pipoca doura
a pílula/Oferecendo o milho pelo avesso...”(pg 102).
Outra Jóia preciosa desse rol:
“Não quero a hora do sempre
Nem do nunca.
Não quero localizar o tempo
Quero pausa.
Quero o rescaldo do incêndio
Nos escombros da cidade sitiada.
E rezar meu silêncio
Mais nada.”
(Um Balanço.) - Um dos mais belos poemas do livro.
O livro Perfumes,
assim, tem suas Herranças exatamente nesses recolhes íntimos, nessas
revisões de percursos, nessas trilhas e iluminuras de arquivo
memorial, atrás de um novo sentido (revisitar-se?) para tentar
recompor a vida, auditando valores e causas, reinando catações de
conchas, sempre aprendendo a viver (e reviver) recompondo parcerias,
destilando perdas (a filha Carolina que foi morar no céu?), movendo
engenhos íntimos para ver que arquitetura final dará seu interior,
seu exterior, suas inteirações nessa busca, arquiteto de si mesmo
que o é...
Poeta de calibre tem
dessas coisas. Tira leite de pedra. De adeuses faz cotovias, de
lágrimas faz óculos de sol, de rompimentos faz baú de ócios (o vício
solitário do poetar), de conflitos ainda quase andaimes faz
perfumes. Faz versos como quem quer chorar? Faz sentido. Fiapos de
conversas. Fagulhas da alma nau frágil. Pitadas do ser-se de si
enternurando revisitanças e gumes. Faz um balanço de uma vida com
paradoxos, resíduos, contações fragmentadas e ainda assim dá nos
Perfumes.
As trovas do livro
já não gostei, confesso, pois Salvino Pires passou dessa fase de
trovas, acrósticos, sonetos. Está além, num estágio melhor. Confesso
que, também, faria algumas mudanças gráficas na disposição das
linhas poéticas ou até em pontuações. Hiatos à parte, o livro vale o
seu título, o seu autor, o seu bouquet: versos que pegam você pela
leveza e finesse, colocam você no enfoque do poema como foi tecido,
tocam a sensibilidade de quem ainda lê esse tipo de perfume visual
para olhos acostumados a ler luz na luz.
O livro é isso: um
autor recheado de peregrinações e, às vezes, em altos e baixo das
andanças, não sabendo se ganhou ou perdeu, se foi errado ou certo o
descaminho, se foi arado ou estrela; fica se pesando numa balança
imaginária, entre o mimo da ternura criativa, e o que poderia ter
sido e não soube ser, não coube saber, não houve por acaso essa
empreita, qualquer que seja, cruz ou prosopopéia. Talvez devesse ser
a pipa e não o céu? Afinal, ele pode ter a eternidade atrás da
orelha.
Salvino Pires
escreve com a agulha da sombra, ou ai já seria então errança minha,
escrito assim mesmo, tamanho desdizer? Leiam-no e decifrem a
pirâmide pelo olfato do espírito ledor de fragrâncias dessa
grandeza. Eu só escrevo o que vi no ler.
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BOX
PERFUMES, Poemas, 2004, Segunda Edição
Escritor (Poeta) Salvino Pires Sobrinho – E-mail:
salvino@jorlan.com
Escritório de Histórias, Editora – (31) 3262-0846
www.escritoriodehistórias.com.br
Belo Horizonte, MG
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Silas Corrêa Leite
Poeta, Educador, Jornalista
Prêmio Lígia Fagundes Telles Para Professor Escritor
(Edição 2004/CRE Mário Covas)
E-mail: poesilas@terra.com.br
Site pessoal:
www.itarare.com.br/silas.htm
E-book O RINOCERONTE DE CLARICE no site
www.hotbook.com.br/int01ascl.htm
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