A escritora mineira Adélia Prado acaba de
completar 70 anos de idade e está prestes a celebrar 30 de carreira literária,
contados da edição do volume de poemas “Bagagem”. Ela é bastante conhecida como
poeta, considerada uma das principais vozes da poesia brasileira. Todavia, dos
14 títulos que publicou nesse período, sete são de prosa (contos, crônicas e
romances). Seu 15 livro, que acaba de sair, também é: o romance “Quero minha
mãe”.
Contada em primeira pessoa, a história é a de
Olímpia, que perdeu a mãe ainda na infância e é atormentada pelo temor de ficar
doente, porque acha que a morte a persegue. Nesse ponto é inevitável destacar um
traço autobiográfico, já que a mãe de Adélia faleceu quando a menina tinha 14
anos, ocasião em que começou a escrever versos.
Casada com Abel, Olímpia não foge a seu destino,
que é o de adoecer realmente e, passada dos 60 anos, começa a pensar que a morte
está próxima. (“Fiquei pensando no meu desaparecimento, no meu desvalor. Iguais,
um grão de terra e eu”.) Uma de suas primeiras providências é fazer uma lista de
parentes e conhecidos a quem comunicar a doença e pedir orações.
A fé é sua companheira constante durante a
evolução da moléstia. (“Bajulo Deus, esta é a verdade, tenho o rabo preso com
Ele, o que me impede de voar. Como posso alçar-me com Ele grudado à cauda?”). Aí
pode-se encontrar uma marca registrada da literatura de Adélia Prado: um forte
sentido de religiosidade. As referências ao catolicismo estão presentes na
autora desde as mais remotas experiências literárias, como no desfecho de uma
composição escolar no 3ano primário, inspirada num trecho ouvido da professora
na aula de catecismo: “Olhai os lírios do campo. Nem Salomão, com toda sua
glória, se vestiu como um deles”.
Foi depois da morte do pai que Adélia diz ter
encontrado a própria fala, uma dicção literária diferente dos autores que
admirava. Percebeu então que tanto fazia escrever em verso ou prosa, porque a
essência era mesmo poesia e “a palavra era poderosa, podia fazer com ela o que
quisesse”. A propósito, seu mais recente livro de poemas, “Oráculos de maio”, já
tem quase sete anos.
O cotidiano doméstico da mulher nas cidadezinhas
tranqüilas, que Adélia tão bem conhece, serve de pano de fundo a esta história
curta, praticamente uma novela, já que não tem mais de 50 páginas de texto.
A narrativa de “Quero minha mãe” lembra a técnica
do mosaico (ou, se preferirem, o título do segundo livro em prosa de Adélia,
“Cacos para um vitral”, de 1980): é composta de fragmentos, de recortes que se
juntam com sensibilidade para mostrar a protagonista, suas recordações e seu
micro-universo sob diferentes pontos de vista.
Uma escritora em pleno domínio de seu ofício
Os muitos admiradores conquistados pela autora
talvez o achem curto, mas por certo não se decepcionarão com este novo livro.
Nele, irão encontrar uma escritora em pleno domínio de seu ofício, falando à
vontade sobre os temas que lhe são familiares, com a linguagem que caracteriza
sua obra, num delicado equilíbrio entre o sagrado e o profano. Afinal, como diz
uma personagem do livro, citando a máxima de um santo, “a glória de Deus é que o
homem viva”. E a literatura é, certamente, um modo eficaz de driblar a morte.
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