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Soares Feitosa
 . 
Uma língua
é o lugar
donde se vê
o mundo
Vergílio Ferreira
Vozes 
Poéticas da 
Lusofonia 
Na minha língua... 
cada verso é uma 
outra geografia. 
Manuel Alegre
 
 
 
 
 
VOZES POÉTICAS DA LUSOFONIA  
Edição: Câmara Municipal de Sintra  
Organização: Instituto Camões  
Coordenação: Alice Brás  
                     Armandina Maia  
Seleção de textos: Luís Carlos Patraquim  
Capa: LPM — Idéias e Acções  
Realização gráfica: Gráfica Europam, Ltda.  
Mem Martins – Portugal  
Depósito legal: 138134/99  
Maio, 1999 
Patrocina pela 
CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS
 
 
    BRASIL  
      Alberto da Costa e Silva 
      Alexei Bueno. 
      Armando Freiras Filho 
      Arnaldo Antunes 
      João Almino 
      João Cabral de Melo Neto 
      João Lains do Amaral 
      José Alcides Pinto 
      Luís António Cajazeira Ramos 
      Paulo Bonfim 
      Ruy Espinheira Filho 
      Soares Feitosa 
      Weydson Barros Leal
 
Soares Feitosa
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ARCHITECTURA  
HABITAÇÃO  
FEMINA
  
 
 Architectura
  
  
  

Um dia, Ela   
desenhará em chãos longínquos a casa só nossa,   
que eu farei com estas mãos.   

      
      
    Os tijolos, eu os amassarei com os meus pés.
Às telhas —  
hei de aprontar o barro mais macio,  
e as formas serão por mim,  
uma a uma, completadas;  
      
    Ela as alisará longamente, —
    seus dedos molhados de um profundo silêncio:
    só os pássaros.
 
Fortaleza, manhã de 19.11.1998 

[COMENTÁRIOS]
   
HABITAÇÃO
 
  

Nem saberia dizer onde moro exatamente.   
Desconfio que habito dentro de meus dentes.   
   

Doutras vezes era a penugem dos canários,    
e era ali, naquelas sedas, penugem e cor,   
que eu me mudava para minhas mãos,   
senão os gatos, o dorso, viajava neles.   
   

E se um pássaro súbito:   
não pelo avisto, pelo ouvido porém;   
(o som é que é súbito) — e outra vez me mudava,    
era só ouvidos.   
   

Para os meus olhos,    
eles se esbarraram – sobre todos os horizontes –   
em cima da beleza:    
clamassem os dentes,   
clamassem as mãos, clamassem as oiças,    
a pele também clamasse — qual nada! —   
haveria de engolfá-la só com os olhos —    
anos a fio moro neles.   
   

Um dia morei sobre o peito de minhas mães,   
branca e preta, as mães,   
(todas verdadeiras)   
na mesma medida, agora, assim,   
minha banda-fêmea    
te regaça:   

desta vez   
“mulher”,   
sou tua “mãe”.
Pousa, amor,   
te esbalda na cavilha deste peito-pulso   
que pulso de pulsar te estremece:    
teus dentes, tua-inteira, toda-tua,   
tua cara, teus cabelos, tua pele — tudo — e alma;   
deixa-te cair neste infinito-agora.   
   

Terminei de sair dos meus dentes, dos meus olhos,    
das minhas oiças também saí;   
habito agora apenas esta minha mão;   
sou apenas esta mão:   
nenhuma diferença entre todas as coisas,   
um dia quis pegá-las, mordê-las; mão,    
o calor de tuas sedas.    
    

E se dormires   
recobrirei respeitosamente a tua nudez,   
que é só tua —
pausadamente, pousa   
o hálito    
na cavilha deste peito largo:   
   

dorme, amor,   
sossega,    

da    
tua    
nudez — sossega —
que da aurora,   
vigilante   
eu tomo conta.
Fortaleza, noite alta, 06.02.1999 

 [COMENTÁRIOS]
 
Femina
       
          Não lavei os seios 
        pois tinham o calor  
          da tua mão. 
           Não lavei as mãos
        pois tinham os sons  
           do teu corpo.
           Não lavei o corpo
        pois tinha os rastros 
           dos teus gestos;
        tinha também, o meu corpo, 
           a sagrada profanação
        do teu olhar 
           que não lavei.
          Nem aqueles lençóis,
        não os lavei, 
          nem os espelhos,
        que continuam 
          onde sempre estiveram:
        porque eles nos viram 
          cúmplices, e a paixão,
        no paraíso,  
          parece que era.
          Lavei, sim, 
        lavei e perfumei 
          a alma,  em jasmim,
        que é tua, só tua, 
          para te esperar
        como se nunca tivesses ido 
          a nenhum lugar:
        donde apaguei 
          todas as ausências
        que apaguei 
          ao teu olhar.

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