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Luís António Cajazeiras Ramos
 . 
Uma língua
é o lugar
donde se vê
o mundo
Vergílio Ferreira
Vozes 
Poéticas da 
Lusofonia 
Na minha língua... 
cada verso é uma 
outra geografia. 
Manuel Alegre
 
 
 
 
 
VOZES POÉTICAS DA LUSOFONIA  
Edição: Câmara Municipal de Sintra  
Organização: Instituto Camões  
Coordenação: Alice Brás  
                     Armandina Maia  
Seleção de textos: Luís Carlos Patraquim  
Capa: LPM — Idéias e Acções  
Realização gráfica: Gráfica Europam, Ltda.  
Mem Martins – Portugal  
Depósito legal: 138134/99  
Maio, 1999 
Patrocina pela 
CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS
 
 
    BRASIL  
      Alberto da Costa e Silva 
      Alexei Bueno. 
      Armando Freiras Filho 
      Arnaldo Antunes 
      João Almino 
      João Cabral de Melo Neto 
      João Lains do Amaral 
      José Alcides Pinto 
      Luís António Cajazeira Ramos 
      Paulo Bonfim 
      Ruy Espinheira Filho 
      Soares Feitosa 
      Weydson Barros Leal
 
Luís António Cajazeiras Ramos
 .
EDIFÍCIO 
VÉSPERA DO DIA DOS MORTOS 
PANTOMIMA
 
Edifício
 
        É tudo tão passado, mesmo agora,
        adiante de meus olhos passadiços.
        Paira em mim um mim mesmo sobre as horas
        que atenta a tudo, e em tudo nunca é visto

        o novo. Apenas sobre os precipícios
        ergue-se o chão, mas logo desmorona,
        antes mesmo que a vida entreabra os cílios.
        O porvir é passado que se sonha.

        Passeio nos escombros que construo,
        buscando o mapa roto do futuro,
        e encontro a planta baixa dos recuos.

        Distraio-me dos cacos que me piso.
        Um passado de vidro fere o muro.
        Um resto de amanhã sopra-me um cisco.

 
  
Véspera do dia dos mortos
 
 
     
        Eu não amei meu pai como devia. 
        Houve o dia de amá-lo e não o amei. 
        Ele morreu, e não nasci ainda. 
        Amanhã levantei sem seu amor. 

        Nenhum conselho amigo soa seu. 
        Uma vida padrasta me acompanha. 
        Meu caminho não quis olhar pra trás. 
        Tão longe de meu pai me abandonei. 

        Nem meu, nem de ninguém, nunca fui seu. 
        Não me quis dar a quem eu estranhava. 
        Só teu colo, mamãe, era aconchego. 

        Do pai, resta-me um calo de silêncios. 
        Ai, arranco do peito o corpo estranho. 
        Coração, cava o chão, busca meu pai.

 
Salvador, 01.11.1998 
 [comentários sobre este poema]
 
Pantomima
   
        Os melhores cordeiros da fazenda   
        seguirão para o abate na cidade.   
        Os carneiros mais fracos do rebanho   
        serão sumariamente degolados. 
        O bode velho vai pro sacrifício,   
        por mais que seu olhar peça clemência.    
        Nem mesmo as cabritinhas inocentes   
        terão misericórdia ou esperança. 
        As carnes assarão ao sol: fogueira.   
        As peles secarão ao sol: curtume.   
        As vísceras suarão ao sol: carniça.   
        Os ossos sumirão ao sol: poeira. 
        Somente a ovelha negra fica impune   
        ... enquanto o bom pastor toca sua flauta. 
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[comentários sobre este poema]
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