Sinésio Cabral
Sonetos
de Sinésio Cabral
21.09.2003
Etnia brasileira
Despertava atenção esse ruído entre as matas
virgens, fora do mapa e de órbita, a largada
lá da bica do Ipu sobre Índias tão pacatas,
no tempo em que o Brasil era terra ignorada!
Genuinamente nacional, sei que retratas,
ó índio, sem dúvida, o primeiro, com pousada
certa, nascido aqui, bem antes das fragatas
com o colonizador - o Branco - e a escravizada
Gente africana que, por Navios Negreiros,
despatriada, chegou, e cheia de saudade,
a Mãe Preta, com os seus filhos, bem longe, em cueiros.
O Branco, com a altivez de fidalgos ordeiros.
O índio - coragem com bravura - é bem verdade.
Leitor, mestiços somos nós, os brasileiros.
Saudade
A saudade não nos parece portuguesa,
segundo o que se diz em fados lusitanos.
A mãe preta, a afagar ao colo, com lhaneza
de trato, o filho alheio, em meio a desenganos,
chorava de saudade através da aspereza
da escravidão, longe dos filhos, durante anos,
leitor, e sem qualquer notícia, com certeza,
desabafava na senzala entre africanos.
No fado português, há lirismo, em verdade.
É sempre evocativo e até sentimental,
mas o fado não marca hereditariedade.
Entre o Índio, o Branco e o Negro, este, na realidade,
foi quem sofreu na pele agruras, afinal,
e foi assim que nos marcou pela saudade.
Terra da Luz
Terra do Sol, ó meu Ceará, sempre irradias
luz na Terra da Luz, sem dúvida, o luzeiro,
consoante a História do Brasil, porque inicias,
heroicamente, a abolição do cativeiro.
Quem nos fez despertar e, para novos dias,
foi Castro Alves, o herói, com o Navio Negreiro.
Fez despertar o escravo, ó tu, que mal dormias,
sim, na senzala, e alvoroçaste o mundo inteiro.
Redenção, no Ceará, com altivez e bravura,
sob as bênçãos de Deus e da Virgem Maria,
extinguiu antes da Lei Áurea, a escravatura
que se infiltrara num Brasil, onde inda havia
chicote, algemas, pelourinho e que tortura
para quem, algemado, as lágrimas carpia.
O peso da saudade
O Café Java era na Praça do Ferreira,
ponto de encontro, então, para os intelectuais
da Fortaleza provinciana e hospitaleira,
com os antigos lampiões nas ruas principais.
Rede na sala e perto uma espreguiçadeira,
relógio de parede e fotos de ancestrais,
seis cadeiras e mais: sofá na cabeceira,
na calçada, também, cadeiras e inda mais:
o Centro, até bem pouco, a atração da cidade,
com antigos casarões, o Fórum, o Tribunal
de Justiça, o comércio... em plena atividade.
O progresso se escoou do Centro, é bem verdade,
para os Bairros. Aldeota, o mais tradicional...
e hoje só resta ao Centro o peso da saudade.
Injustiça e falta de caridade
Eurásia e África - o Antigo Continente.
O Novo, nas Américas, nascia.
Novíssimo, na Austrália, finalmente,
onde se encontra, de fato, a Oceania.
Quem terá surpreendido, ó minha gente,
o índio - o dono da casa -, em pleno dia,
nascido e criado aqui, tranqüilamente,
entre ocaras, na taba onde vivia?
Yañez Pinzón? Pedro Álvares Cabral?
Diogo de Lepe? Um dos três, afinal,
veio tirar o sossego de quem,
genuinamente nacional, da sua
humilde choupana, inda continua,
hoje, a ser enxotado por alguém.
Epílogo tocante
Às perguntas do filho, o pai fazia,
com efeito, ouvido, sim, de mercador.
Porque nem sempre o pai lhe respondia,
ficava a criança, então, de mau humor.
Só uma hora, durante todo o dia,
sim, de atenção do próprio genitor,
o menino até bem que merecia,
dentro do amor paterno, sem favor.
Grande sigilo. O filho, no mealheiro,
começa de juntar algum dinheiro.
Poupança. Já dois reais. Ninguém sabia.
O pai ganhava três reais, por hora.
Reflete. - Filho, tome um real, agora.
- Pai, venda-me uma hora de seu dia!
Amor infinito
Trinta e um de julho de dois mil e três,
em Fortaleza, no lar conjugal,
ó meu bem, hoje faz cinqüenta e seis
anos, tão linda união matrimonial!
Pelo santo Batismo, o Rei dos Reis
nos faz cristãos. Depois, pelo sinal
do Matrimônio, os frutos, meu bem, eis:
filhos, netos, bisnetos, afinal.
Somente “enquanto dure”, sim, não é,
nunca foi nem será chama apagada
nosso Amor, com Jesus, Maria, José.
A “chama” nunca se apaga em quem tem
fé, sob a luz da Família Sagrada,
“até que a morte os separe”, meu bem.
Várzea Alegre II
Com certeza, na Várzea , Alegre és e serás
o rincão abençoado. É assim que Deus te quer.
Bem sei que sou suspeito e não falo por trás
dos bastidores, mesmo estando onde estiver:
és, ó Terra do Arrôs, nas letras e, em qualquer
parte do mundo, a Estrela e, assim, tu brilharás
com o cérebro de teus filhos, se Deus quiser,
sob as bênçãos de São Raimundo e de São Brás,
cuja Imagem, no altar, em vez da do Padroeiro,
sem contraste e sem ser ato pecaminoso,
por muitos anos, entre um povo sempre ordeiro.
Várzea Alegre, onde estou, bem me lembro de ti.
Com meus Pais, desde criança, eu saí do roteiro
de meu torrão natal, mas nunca te esqueci.
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