Sinésio Cabral
Nota do Editor:
Tenho quase certeza de que foi pelas mãos do César Coelho, meu velho
e pranteado companheiro de jornal, que cheguei ao poeta Sinésio
Cabral. Não, eu não era do ramo de literaturas. Conhecia o César, de
muitos anos, éramos bem jovens, eu sequer completara os 18 e já
trabalhávamos na extinta Gazeta de Notícias — Dorian Sampaio,
Tarcísio Holanda e outras figuras muito gratas. César, ele sim,
sempre fora do trecho: poeta, trovador, letrista e cronista de mão
cheia.
Deixei bem cedo a atividade do jornal em busca de outros empregos
(Banco do Brasil e Fiscal do Consumo), em vista do que perdi
contacto com o César. Passados quase 30 anos, inesperadamente
acometido do mal da poesia, surgiu-me a necessidade do diálogo: a
quem mostrar? Procurei então aquele velho amigo que sempre morou nas
letras. O fato é que mal terminava de chegar aqui (Fortaleza, vindo
da cidade da Bahia, onde cumpria um resto de tempo para
aposentadoria de 35 anos batidos de serviço), uma das primeiras
coisas era mandar buscar o César Coelho para passar o dia aqui em
casa. Um peixe no caldo grande, ele era doido por peixes... muito
refresco, queijo de coalho, mel de engenho, rapaduras e alfenins;
farinha de pipoca, carne assada, sorvetes, doces, bolos e tapiocas.
E, bons glutões, eu e ele, comíamos esgalamidos (e gargalhávamos da
nossa poesia) como meninos instalados em plena seca.
Por suas mãos, cheguei ao Alcides Pinto e ao Sinésio. No caso de
Sinésio, vim a conhecê-lo lá na Bahia mesmo. Sinésio tem uma filha
por lá. Encontrei-o, 1995, coisa assim, de pura festa. Entreguei-lhe
uns rascunhos daquele tempo. Sinésio, generoso, fez lá mesmo este
primeiro escrito:
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(Sinésio faleceu, em plena
atividade intelectual, subitamente, em 12.5.2012. O Mensageiro de
Poesia completou em suas mãos 302 exemplares. A edição nº 303 foi
concluída pelo filho Genésio Cabral, distribuída ainda em maio.
Sinésio? A vida que vale a pena ser vivida! Que Deus o tenha.)
A POESIA
DE SOARES FEITOSA
Francisco José SOARES FEITOSA vem do Ceará, precisamente da região
dos Inhamuns, para revolucionar, com poemas calcados na informática,
na eletrônica, e feitos de criatividade, o mundo estético-literário
de nossos dias.
Sem descer ao poema, protesto que se perdeu na luta inglória do
presente contra o passado, da primeira geração do Modernismo, Soares
Feitosa, poeta de grande formação humanística e de inegável dimensão
de universo - consegue traduzir, com suporte no ritmo psicológico, o
sofrimento dos irmãos nordestinos pelo flagelo das grandes
estiagens, embora sempre altivos, “resistindo e morrendo, morrendo e
resistindo”, na feliz expressão do imortal Demócrito Rocha, no poema
o “Rio Jaguaribe”.
Além disso, sabe retratar, com fidelidade, a resistência heróica da
sua gente, na mencionada região dos Inhamuns, em lutas sangrentas
entre famílias tradicionais.
Evidencia coisas e fatos ocorridos, por exemplo, em sesmarias, sem
enveredar-se pelo gênero narrativo ficção, mas dentro da epopéia
mesclada do sopro lírico.
Mergulha na antiguidade clássica, com a divisão em Cantos, à Camões,
verdadeiro escafandrista, para revitalizá-la nos seus poemas, alguns
sob a forma dialogada, à guisa de écloga (ou égloga), dentro do
bucolismo, de sabor arcádico.
Sentimos ao longo da obra, resquícios de estéticas tradicionais,
características formais e ideológicas de diferentes estilos de
época, em versos livres feitos de modernidade.
Soares Feitosa, nascido em 1944, tem muito chão que percorrer, para
continuar a retirar, com idealismo e sutileza, das notícias do
jornal, do prosaico, das coisas efêmeras, o fazer poético - os
valores eternos.
Dias depois mandei-lhe uns "panfletos" de computador que eu mesmo
fazia e "encadernava". Sinésio respondeu:
Tive a satisfação de receber Talvez outro salmo. Considero
simplesmente encantador e surpreendente esse desfecho do saber
eterno:
“— Como podem saber tanto
de nunca escreverem uma única linha em linha reta?
— Porque é da Tua boca, Senhor,
e para os Teus ouvidos que a boca deles fala”
Tudo tão paradoxalmente simples e original! E passei alguns momento
embevecido com a magia estonteante da singularidade dos versos de
Uma Canção Distante e tão dentro da alma da gente!"
E, um belo dia fui surpreendido mais uma vez com a generosidade de
Sinésio Cabral: este artigo publicado no Diário do Nordeste:
PARA
ENTENDER SOARES FEITOSA
Para ler e entender Soares Feitosa, com a idade cronológica de 82
anos, talvez necessite da acuidade mental de um jovem de 28. Haverá
coincidência na inversão dos algarismos?
Cearense dos Inhamuns, homem de meia idade, atordoado com os
cálculos dosimétricos impostos pela sua função de Fiscal da Receita
Federal em Salvador, BA, entre outros afazeres no Recife, PE, partiu
loucamente, para o mundo das letras, na ânsia ardente e incontida de
passar para o papel, sem tergiversar, o que lhe vai no imo dalma. E,
agora, em gozo de licença-prêmio, no recesso do lar, nesta Loira
Desposada do Sol, de Paula Ney, está mesmo muito à vontade, do jeito
que bem quer, com dedicação exclusiva à poesia.
Soares Feitosa, através de sua veia estético literária, recua no
espaço e no tempo. Verdadeiro escafandristaa, mergulha em outras
eras, na origem das coisas, no Livro dos livros — a Bíblia —
notadamente nos Salmos, para fisgar os segredos do Cosmos em Psi, a
penúltima.
Soares Feitosa deixa refletir em cada poema a renovação da vida, do
homem, e da arte, a simplicidade de usos e costumes antigos
revitalizados na modernidade, ao sabor do Pastoralismo, sem
artifícios prosaicos. Quanto à forma, trata-se em geral de poemas
longos. O leitor, por vezes, até se perde, se não tomar cuidado, no
emaranhado de versos (brancos ou soltos), em estrofes heterométricas,
feitas de ritmo psicológico. Via percorrendo, não raro, a seqüência
dos versos e tem a impressão de que o poema se desfaz em prosa. Até
parece haver descambado para o gênero ensaístico, sob a forma de
crônica leve, fronteiriça, não da loucura, mas do gênero lírico. O
poeta sabe penetrar, por exemplo, bem dentro, com sutileza, em
Thiago:
"num silêncio de limo,
num silêncio de folhas,
que também de telhas...
as telhas de um céu
insuportavelmente
estrelado
"A chegada de Soares Feitosa, disse Artur Eduardo Benevides, o
Príncipe dos Poetas Cearenses — é um episódio de significação
marcante. E quem o ignorar não sabe o que é poesia"
E ele chegou para fazer a revolução estética no mundo das letras,
para fazer transbordar o seu lirismo (entre louco e sublime), às
vésperas do terceiro milênio, ó grande enamorado das musas, na
beleza do seu estro fora do comum, longe dos cálculos dosimétricos
de sabor prosaico. Seja bem-vindo, Soares Feitosa. Deus o proteja.
(Diário do Nordeste, Fortaleza, CE, 20.08.1997)."
E, se um dia tiver que dar o balanço da súbita guinada de uma
vidinha não muito calma de açougueiro e tributarista, hei de dizer
que, na poesia tenho sido muito bem pago: bastar-me-ia, para cobrir
meu quinhão, a amizade desse mecenas, sonetista juramentado, poeta
verdadeiro e amigo, Sinésio Cabral. A rigor, o Jornal de Poesia é
apenas uma imitação, no campo virtual, do que Sinésio vem fazendo há
muitos anos com o seu Mensageiro da Poesia: a divulgação, gratuita e
desinteressada, da Arte comprometida tão-só com a Arte. O
reconhecimento? Dos amigos! E olhe lá.
Claro que há outros nomes. Gratíssimos nomes. A não ser a eventual
desfeita de uma pequena bordoada daqui ou dali, o balanço poético
tem sido gratificante: César Leal, Francisco Brennand, Sébastien
Joachim, Juarez Leitão, Artur Eduardo Benevides, Gerardo Mello
Mourão, Francisco Carvalho, Pedro Nunes Filho, Weydson Barros Leal,
Dimas Macedo... - são os nomes do começo, os primeiros que
acreditaram, para ficar apenas no começo.
Ah, em tempo: Você quer uma assinatura do Mensageiro da Poesia? Fale
com o poeta: 085-242.0690, Fax 085-242.47.87.
E ainda na Bahia, coincidência de um peixe, era um bacalhau, bem na
hora, o telefonema do poeta Artur Eduardo Benevides: César Coelho,
um chamado súbito — cum Christo. Porque dos muitos prêmios da poesia
— nunca participei de concurso algum —, também este: o reencontro
com o amigo da juventude, César.
Soares Feitosa
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