Ubiratan Brasil
Finalmente a reedição sonhada por
Drummond
16.12.2000
Poeta planejou cuidadosamente como
deveria ser feito o
relançamento da obra
O poeta Carlos Drummond de Andrade
disse em uma de suas últimas entrevistas que não tinha a menor
pretensão de ser eterno e previu seu esquecimento dentro de pouco
tempo. "Tenho a impressão de que daqui a 20 anos eu já estarei no
Cemitério São João Batista. Ninguém vai falar de mim, graças a
Deus", confessou ao jornalista Geneton Morais, então no Jornal do
Brasil, 17 dias antes de sua morte, acontecida em agosto de 1987,
quando estava com 85 anos.
A profecia, no entanto, felizmente não
se realizou: a partir do próximo mês, a editora Record inicia a
reedição da obra completa de Drummond seguindo exatamente suas
instruções. Serão 36 livros. Um fino biscoito que prepara uma
intensa série de atividades que vai culminar com o centenário do
poeta, em 31 de outubro de 2002.
"Os admiradores do Carlos jamais o
abandonaram, por isso vamos presenteá-los com diversas homenagens",
afirma o artista gráfico Pedro Augusto Graña Drummond, neto mais
novo do poeta (a quem trata pelo primeiro nome) e principal
responsável pela administração de sua obra. "Os livros receberão
finalmente o tratamento que ele esperava muito."
O volume mais aguardado da primeira
fornada é justamente o primeiro publicado por Drummond, Alguma
Poesia, em 1930. Então com 28 anos, o poeta enfrentou as
dificuldades habituais de um iniciante: sob o selo imaginário
Edições Pindorama, criado por Eduardo Frieiro, romancista, tipógrafo
e seu amigo pessoal, foram impressos 500 exemplares, pagos do seu
próprio bolso sob a chancela da Imprensa Oficial (em que trabalhava
como redator), mediante descontos em sua folha de vencimentos.
Essa foi a única edição isolada de
Alguma Poesia, escrito sob o impacto do movimento modernista de 1922
e dedicado a Mário de Andrade. Nos anos seguintes, os 49 poemas
dividiam espaço com outros títulos, em Sentimento do Mundo e,
depois, na Antologia Poética. "Seu desejo de ver o livro publicado
da forma original era tão grande que ele passava horas recortando e
montando seus poemas em folhas em branco, na ordem que gostaria que
fossem publicados", explica Pedro. "Tudo isso ele colocou em uma
pastinha e entregou na Record." A disposição de reeditar a obra
conforme sua vontade, aliás, pesou favoravelmente na troca da
Editora José Olympio pela nova casa.
A nova edição de Alguma Poesia terá
fotos inéditas do poeta na época em que o livro foi escrito. Este
será o padrão de todos os demais volumes, unificando-os: na capa,
uma fotografia de como Drummond era naquele momento, seguindo o
projeto gráfico de Regina Ferraz. "É comum as pessoas lembrarem
sempre da imagem dele já velhinho, vai ser uma curiosidade."
Críticas e elogios - Quando lançou Alguma Poesia, Drummond já era um
talento revelado. Dois anos antes, em 1928, ele publicou o poema No
Meio do Caminho na Revista de Antropofagia, provocando elogios
entusiasmados e críticas indignadas. Hoje, encontram-se 17 traduções
de seus versos. Os 49 poemas do primeiro livro foram escritos entre
1925 e 1930, seguindo a preocupação com o ritmo, melodia e emoção
dos versos.
Ali está o famoso Poema das Sete Faces
("Quando nasci, um anjo torto/desses que vivem na sombra/disse: Vai,
Carlos! ser gauche na vida"). E também o bem humorado Quadrilha
("João amava Tereza que amava Raimundo"), parafraseado anos depois
por Chico Buarque.
No projeto de reedição, a Record
convidou críticos para escreverem relatos analíticos sobre as obras
do poeta. Assim, Alguma Poesia será analisado pelo escritor e
tradutor argentino Manoel Garcia Graña Etcheverry, pai de Pedro
Augusto. Brejo das Almas, segundo livro do poeta, lançado em 1934,
terá resenha de Edmílson Caminha. Já Sentimento do Mundo contará com
um texto de Silviano Santiago. Finalmente, A Rosa do Povo, escrito
em 1945 e um dos campeões de venda do poeta, contará com um estudo
crítico de Affonso Romano de Sant'Anna.
Todos os livros serão relançados a
partir do próximo mês e terão um índice com os primeiros versos de
cada poema e também a nova bibliografia completa do poeta, a cargo
de Eliane Vasconcelos, do Museu da Literatura. O projeto prevê ainda
a publicação de preciosidades como um caderno de dedicatórias
poéticas organizado por Drummond, pertencente ao arquivo organizado
por Plínio Doyle.
Em relação a obras de referência, será
lançada uma edição comercial de um livro artesanal, A Máquina do
Mundo, ilustrado por Luís Jardim. Reedições de livros de arte já
esgotados, publicados por editoras diversas, não estão descartadas.
"Finalmente, teremos uma edição da obra exatamente como Carlos
sempre sonhou", comemora Pedro.
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