Urariano Mota
O Gancho
Os escritores levam a injusta fama de
possuir uma prodigiosa imaginação. As histórias que eles contam,
diz-se até, que eles criam, às vezes parecem vir de um cérebro em
delírio. Algo como a história de uma criança que entra em um espelho
e cai num buraco de um coelho que passeia com um relógio. Pelo
efeito criado, pelo mundo que uma história insinua, pelas aparências
enfim, uma história narrada é sempre uma fantasia, um reino à margem
da realidade e da natureza. Engano. Os efeitos criados levam a essa
ilusão. Toda história digna de ser lembrada, que deixa um eco
permanente em nosso espírito, que acorda uma nota íntima na gente, é
sempre um reflexo e uma reflexão. Dêem a isso o nome e a obra mais
estranha. Chamem-na de A Metamorfose, Cervantes, Fausto, ou Marcel
Proust.
Mas onde está o “Gancho” do título? O
gancho, todo o mundo sabe o que é. Resta dizer que ele é também uma
burrice repetida por gerações de repórteres e redações no Brasil.
Assim, por exemplo, uma grande reportagem ou artigos sobre o
terrorismo nos Estados Unidos somente será possível em 11 de
setembro, e sempre em onzes de setembro. O gancho desconhece que os
fatos, as notícias dos fatos se impõem por sua força, pelo
inusitado, ou, notícia que os repórteres nem sonham, pelo
tratamento. Sequer vêem que o mundo e a vida giram sem gancho. Que
notícia, no inglês que tanto prezam, remete ao novo, e que o novo
não é necessariamente o mais recente. Mas isto já seria esperar
muito de quem corre e corre numa redação, para satisfazer um tempo
de fábrica, de indústria, que associa Internacional aos Estados
Unidos, que conhece a queima de florestas no Brasil somente no dia
em que o NY Times noticia, e faz da Cultura o mesmo que show
business. Seria esperar demais.
Onde portanto o gancho, antes que se
pendure o autor nele? Aos fatos, nus e crus. Recentemente, recebi a
honra da publicação de uma crítica a meu romance Os Corações
Futuristas, no site www.novacultura.de . Ora, isto não acontece
todos os dias. Quero dizer, um editor de um site na Alemanha sair de
seus inúmeros trabalhos, ler um romance escrito em português, para
sobre ele se curvar e escrever uma crítica. E é preciso que se
acrescente, em um tempo de safadeza e canalhice geral, para elogiar
um romance sem ganhar um só centavo por isso. Para falar pelo
simples e humano fato de haver gostado da sua leitura. Diante disso,
que faz este feliz autor? Ah, meus amigos, o quanto a felicidade é
falaz, frágil e fugaz. O incauto autor, este incautor, liga para a
redação de um dos jornais de sua província. Diálogo:
- Meu nome é Urariano....
- Quem?
- Urariano Mota - acrescento, porque
eu sempre acho que o Mota ajuda muito.
- Sei..... e ????????
- Pois é, eu tive um romance que
recebeu uma crítica favorável na Alemanha, e.... (Vou dizendo uma
enxurrada de diabólicas asnices, numa enxurrada, que correm por uma
Sibéria de gelo e silêncio.)
- Passe um mail.
- Eu já passei.
- Ah! É que hoje o sistema aqui no
jornal travou, houve uma pane geral nos computadores. Ligue amanhã.
Chega amanhã. Ligo. Diálogo:
- Recebeu a mensagem?
- Deixa ver. Está aqui.... tererê,
tererê....é. Olha, eu agora estou fechando a página.....Ligue
amanhã.
Ligo. Diálogo:
- Aqui quem fala é Urariano...
- ?.... Você repete o assunto que a
gente conversou antes? Aqui é uma correria...... hum, hum, hum, sei,
sei .... sei. Claro, claro. Mas... Qual é o gancho?
- O gancho é um autor local receber
uma crítica a um livro seu na Europa.
- E daí? O que tem a ver?
O leitor já vê que o chamado diálogo é
uma composição de monólogos paralelos. De um lado, um autor
envergonhado e pedinchão. De outro, uma jornalista que não vê a hora
de se ver livre desse inconveniente. Na hora, isto evidentemente não
ocorre ao pedinte na forma de autor. Na realidade, de um modo geral,
os autores são péssimos no diálogo falado, ao vivo. Na hora, não lhe
ocorre, não me ocorre dizer que o maior gancho é um autor ser
conhecido em várias partes do mundo, Rússia, Alemanha, Itália,
Espanha, Portugal, México, Argentina.... e ser absolutamente
desconhecido na terra onde nasceu. Que isto é um fato tão paradoxal,
tão irônico, que por si só mereceria uma notícia. Quando nada, um
relato que recebesse o nome de O Gancho.
Na hora, apenas me ocorre perguntar:
- Se um cometa cair sobre a terra e
abri-la ao meio, qual o gancho?
- O seu livro é um cometa?!
Sem resposta, desligo. E reconheço:
isto, contado, ninguém acredita. Decididamente, essas coisas que
acontecem à gente são muito surreais.
|