Jornal de Poesia

 

 

 

 

 

 

 

Urariano Mota


 

Os corações futuristas

 

de Risomar Fasanaro

 

 

Mais do que ler “Os Corações Futuristas”, de Urariano Mota, mergulho em sua narrativa e volto à minha cidade natal. Percorro as ruas do Recife. Debruço-me sobre a ponte Duarte Coelho e, em vez do meu rosto, vejo nele refletidos os rostos de João, Carlos e Samuel nas águas do Capibaribe. Os cabelos de milho de Cíntia confundem-se com os flamboyans que se debruçam sobre o rio. Miro surge por trás da guerrilheira, tentando declamar um poema.

Sigo andando sob o sol. Tão lindos os nomes das ruas da minha cidade, rua da Aurora, rua do Sol, rua da União... Não combinam com a tragédia que ali se abateu sobre aquelas personagens cheias de sonhos nos duros anos de chumbo. Não combinam com aquele cenário por onde andam, conversam, discutem e vivem os acontecimentos narrados no livro.

Dorme o rio de minha infância indiferente à narrativa de Urariano, a mais linda obra publicada que li sobre os acontecimentos que envolveram minha geração durante a ditadura de 1964.

Não. Não os conheci pessoalmente, mas embora desconhecidos e distantes, perseguíamos os mesmos ideais de liberdade, e João, Carlos, Samuel, Cíntia e tantos outros que viveram aquela tragédia, passam a ser meus companheiros.

Na obra de Urariano, o grande escritor que ele é, se revela na construção muito bem feita das personagens que crescem à medida que a história evolui.

De jovens adolescentes e descompromissados que se encontram para conversar, comer carne-de-sol em Afogados, discutir cinema, literatura e vida, crescem com o passar do tempo e passam a assumir compromissos com o momento que o país vive e entregam a juventude, a vida à causa que dizimou tantas vidas. Mas que também nos possibilitou, hoje, viver a liberdade de pensar e agir que nos trouxe a volta da democracia.

O texto de Urariano é impecável, e torna-se mais rico à medida que coloca as reflexões das personagens, com suas contradições, seus sentimentos de culpa, por terem nos momentos de tortura rompido seus limites e delatado os companheiros.

São antológicas algumas das passagens do romance. Entre elas, o episódio em que o Autor conduz Miro, o poeta do grupo, indo ao encontro de João em um “ponto’ previamente marcado.

Miro, tomado por premonições, rememora salmos e trechos de Camões, que tão bem refletem a situação que está vivendo, indo ao encontro da morte.

“Os Corações Futuristas” é uma obra fundamental para quem quiser conhecer o que foi aquele período da nossa história e, também, para aqueles que amam ler um livro bem escrito, intenso, profundo. O texto de um Autor que não apenas escreveu, viveu o que narra em sua obra.

 

 

 

 

 

14.12.2007