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Valdir Rocha


 


Salvação pela palavra



 

Este não é um texto de recomendação, nem tampouco de desrecomendação. Trata-se de mera e quebrada apresentação que não sei se é da Helena Armond ou se de certa produção dela. Sucede que nunca me dou conta de onde começa uma e termina a outra. Helena e sua produção misturam-se, fundem-se, estão sempre tão imbricadas... Corro o risco severo de, pensando tratar de uma, referir a outra.

Helena Armond é uma rezadeira que parece ter vergonha ou medo de admitir sê-lo. Então, entoa um cantochão e dá-se conta de que, à toa, à toa, não lhe ficaria bem levá-lo até o fim. Por isso, disfarça e remete-se a outra direção, como se, com isso, pudesse enganar a si e ao leitor.

Helena Armond é uma pessoa – hão de admitir todos que, como eu, não a conhecem, embora pensem que sim – muito confusa. Dou exemplo: não sabe até hoje se é poeta ou não. Seus livros são identificados como de poesia, mas a autora tem o hábito de dizer que não pratica esse gênero. Ocorre que, pelo pouco que sei dela, não costuma mentir e, se o faz, é como boa atriz, convincente e convencida de que diz ser verdade verdadeira o que está certa de que verdade não é.

Helena Armond usa da possibilidade rara de abrir-se inteira, revelar tudo o que dela se pretenda saber, e surpreender, mais e mais, com o novo que não tivera antes a chance de contar. Seu texto seria ambiguamente confessional, sem sê-lo. Note-se como ela põe o leitor sem rumo.

Helena Armond é uma figura curiosíssima. Põe-se a escrever textos que reúne em livros (já publicou vários) e, incrivelmente, ela mesma não é uma leitora. Necessita escrever e até o faz compulsivamente. À pergunta sobre que gênero de livros costuma ler, nem disfarça para responder sempre e imediatamente com aquilo que traz na ponta de sua compridíssima língua: ne-nhum. Logo, credite-se e debite-se suas peculiaridades a um certo traço de autodidatismo.

Helena Armond não tem o verniz da cultura dita convencional, da qual, paradoxalmente, acaba por ser promotora. Inteligente que é, passaria por mais dotada de inteligência se pusesse a que tem para adquirir mais algum conhecimento? Talvez sim, se quisesse e se pudesse. Anote-se, porém, que, decididamente, querer ela não quer. Há que se admitir que sua “cultura” é largamente pessoal. Quase tudo que sabe ela aprendeu ensinando-se. Acredita em si, antes de todas as coisas.

Helena Armond – ninguém pode negar – é uma intuitiva. Seu conhecimento é apanhado diretamente dos fatos, que digere, cavalar e emocionadamente. Exagera tudo o que absorve. Vive tudo o que, soprado em seu ouvido, alcança suas entranhas. E quando se põe em texto, lança longe suas lavas de vulcão em erupção plena.

Helena Armond é criatura reclusa ou semi, por opção. Quer ver seu texto circulando, sem precisar mostrar sua cara, embora – ou por conta disso mesmo – tenha uma biografia rica, dura, pesada, com passagens duras de roer.

Helena Armond é, a seu modo, uma autora virtuosa e corajosa. Não tem medo da palavra; dela faz e desfaz e é por isso que a tem sob seu domínio. Quando se faz sua leitura, não se pode perder de vista que sua palavra a) tem a força de reza e ladainha; b) leva significado pessoal; c) é inteiramente aberta a quem souber penetrá-la; d) faz-se espelho plano, em alguns versos, e côncavo ou convexo em outros (a autora joga o jogo tanto da clareza quanto do obscuro); e e) não serve à ostentação do que é falso; contém apenas o intensamente vivido.

Isso é muito. Sagrada sem ser santa ou religiosa, a palavra de Helena salva-a. Basta isso para justificá-la.
 



Helena Armond
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21/07/2005