Valéria Nogueira Eik
Vai uma pizza aí?
O ser humano, com toda a certeza, é
classificado, não como um animal racional, que pensa, logo,
existe!E, sim, de acordo com o tipo de estômago que possui.
Estômago gordo.
Estômago magro.
Ou seria olho gordo e olho magro?
Ou seria olho maior que a barriga?
No início, até que o olho pode ser
maior, mas, depois, a barriga supera totalmente a grandeza inicial
do olho.
Enfim, não há lugar melhor nesse
mundo, para se fazer um estudo “gulo-antropológico”, do que num
rodízio de pizzas.
- Vai beber o que?
- Um refrigerante gelado, por favor.
Os olhos já estão percorrendo a
pizzaria, seguidos de perto pelo nariz e, juntos, chegam até a
cozinha e gritam, gulosos, que querem pizza.
Dá uma enorme vontade de bater os
talheres na mesa e exigir que todos os garçons fiquem em volta da
mesa, servindo pizza, pizza e mais pizza.
Mas, eles vêm lentamente, com uma
classe e fidalguia completamente desnecessárias à esganação do meu
estômago.
- Muzzarella?
- Sim!
Mas, que pedaço minúsculo!
- Francesinha?
- Sim!Sim!
- Calabresa?
- Sim, sim e sim!
Os olhos estão emocionados.
A voz fica embargada de emoção.
Acho que não é emoção e, sim, uma
pré-indigestão, ou, quem sabe, uma congestão por excesso de
atividade buco-maxilar e, que Deus me livre, uma convulsão por falta
total de oxigenação no cérebro.
Quem disse que o cérebro comanda o
corpo estava completamente enganado.
Quem manda e desmanda no cérebro é o
estômago, é a barriga, o olho gordo e o nariz atrevido.
Alma gorda é um problema!
- Portuguesa?
- Atum?
- Escarola?
- Tomate seco?
Como esses garçons desperdiçam
palavras!
É evidente que eu quero todas as
pizzas e as pizzas todas.
Lá pelo décimo pedacinho, ou seria
décimo quinto? Enfim, decido que é hora de parar.
Parar?
Foi um equívoco.
Quero apenas trocar o prato, para
poder comer as pizzas doces.
Imediatamente, vejo ao meu lado, um senhor idoso, sorriso gentil,
ignorando, por fineza de trato e de alma, a minha orgia alimentar.
- Pizza de brigadeiro?
- Deve experimentar.É uma delícia.
- E, já estou trazendo a pizza de
nozes com rum, prestígio, uva ao creme, banana com canela e
chocolate com morangos.
Senti lágrimas vindo à tona, brotando
desses meus olhos gulosos e por pouco, não escorrendo pela minha
cara enfastiada.
Eu estava disposta e quase decidida a
devolver cada pedacinho de pizza ingerida, mas, sorri feliz e
aceitei mais três sabores de pizza doce.
Brigadeiro, que delícia!
Nozes com rum, bom!
Prestígio, razoável!
Os outros sabores, nem pensar.
De repente, senti uma quase vertigem e
um calor de trezentos graus centígrados e desejei que todos os
garçons e pizzas desaparecessem instantaneamente.
Acho que queria, eu mesma, sair
correndo dali.
Correr, agora, não era possível.
Mas, rolar, ainda era plausível.
Paguei a conta e saí.
Meu estômago, ah, estômago gordo e
danado! Ficou olhando com cara de desdém para os outros estômagos
obesos que adentravam a pizzaria, cheios de sonhos salgados e doces.
Estômago hipócrita!
Come, devora, se lambuza e quase
lambuza o chão e ainda tem coragem de fazer cara de quem está pronto
para uma aula de yoga ou meditação!
|