Lauro
Marques
Fragmentos BALADA PARA UM
MORTO (PARTE 1)
“Devemos entrar na
morte como quem entra numa
festa” Jorge Luís
Borges
Intro
Para
mim basta, O brilho das coisas vencidas. O
belo não me agrada mais. Já vi mais palavras
“coloridas”, Do que poderia suportar; A luz
que me alumia, O sol que me
enfastia... Entrego a ti as tuas
fadas. Deixa-me morrer em paz Com meus
demônios !
I
Escuridão de pasto que
volveia os sentidos Vento crepuscular da aurora
da noite Torvelinho de emoções
sentidas; Encharca tua boca leprosa de
vinho Dize aos nove mundos tua
prece:
“Que venha o mar, tenho sede Sua
volúpia não me arrastará Que venha o sol, tenho
frio Sua chama não vai me queimar Hoje, dos
quatro elementos, Quero me fartar !”
O
olho do mundo Um gigante descarnado de luz O
céu prepara seu próprio funeral As nuvens estão
vestidas de vermelho Daqui a pouco, a noite se
cobrirá de luto “ Impressionante cotejo
fúnebre São as nuvens que passam Carregadas
de chuva E de negrume
!”
Alegra-te Hoje, da carne de teu
pescoço, Faremos um almoço Das vísceras
desse animal morto.
II
Fogo de
morteiro. Pranto que não se afoga:
“A
paisagem ocre está mudada. Vi metáforas
coloridas subindo Um céu sem
vida”
Indiferente às estrelas brilha um
descampado de natureza morta.
III
Eu
quis o aço, o gosto áspero dos
metais
Não me foi dada a primavera.
“Põe teu fêmur sobre a pilha e
incinera!” – Gritei
(Cega pela luz a
faca enterrada no peito à noite sangram os
girassóis)
Como se fosse a aurora, a
luz que ilumina o bosque o homem A G I G A N
T O U – S E
E perdeu a forma
O
orvalho esquecido das horas tardou E a cigarra
cantou os versos de
outrora.
IV
Carne exposta ao vento e
ao sol, a secar. Hirto de pavor, um surto de
dor, que me cega o peito e chamusca a
alma. Peixe fora d’água, dilacera-me as
guelras A ânsia vã de
respirar.
V
Convulsão de alma. O
espírito está distorcido e abandonado. Em águas
turvas se banham os condenados. E sua essência
é espuma de um mar salgado.
“Um bando de
éguas azuis passam trotando no meu crânio
repleto de pensamentos vazios. Cego das coisas,
eu me avizinho.”
A alma em pânico pede
socorro e sai rasgando as entranhas – na
verdade se agarra. Um fio de sangue lhe aflora
à boca pálida. Apodera-se de si um terror
inominável. Sinapse de neurônios
desarticulados, [suas têmporas
latejam
(Segue uma série de movimentos em
falso)
O ocaso entregue aos deuses da
loucura e do cansaço, Um grito se estampa na
cara
E numa golfada de sangue,
escancara:
“Misto de oceano e búfalo o
corpo se afoga [em
lágrimas.”
VII-SUS
Dor
implacável! Junte-se a mim os fracos, os
que perderam a razão! Anda! Levanta os braços!
Caminha moirão! Que sabe de ti, estúpido
palhaço, incalculável fiasco, rosna cachorro,
com sofreguidão! Vai-te! Come teu pão! Que
amanhã lhe
falta...
VIII-REVELAÇÕES
...E eis
que vejo-me inteiro. Desprovido de carne.
Feridas entreabertas e o sussurrar das veias e
artérias Pulsando sangue.
Toscos os
corpos na luta, pouco a pouco acham-se
cansados. Os aparelhos incinerados e dão por
perdida a batalha:
“Por que os sons que
ouvia ’inda agora, chegam já tão tarde aos meus
ouvidos debilitados? Onde estão as fadas e os
sinos, que cercavam condenados?
“Havia
campos, havia mares, de tão fulgurosa
existência... Que há agora que se
compare, senão desertos, demônios
insulares?”
IX
Prisão de incontáveis
desígnios, a alma, encharcada de
tédio, sofre muito para chegar num ponto
qualquer.
Eqüidistante das
estrelas.
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