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            Vicente Franz Cecim 
   
            Amazônia fantástica
             
            Mãe & Filho: Lançamentos de Yara & Vicente Franz Cecim
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            Liberal, segunda-feira, 19 de julho de 2004 
 Yara e 
            Vicente Cecim, mãe e filho, lançam juntos novas edições de seus 
            livros, em que despertam olhares mágicos sobre a região 
 Aline Monteiro
 
 
 Uma das 
            lembranças mais fortes que o escritor Vicente Cecim tem da infância 
            é de deitar na rede junto aos irmãos Paulo e Beth para escutar as 
            histórias que a mãe, Yara Cecim, contava. Em vez de contos de fada 
            dos irmãos Grimm e de Andersen, o que enchia a imaginação dos três 
            e, anos mais tarde, dos filhos deles, eram histórias de uma Amazônia 
            fantástica, com personagens como a Cobra Grande e o Jaguarari. 
            Contos que despertaram nele o gosto pela escritura e aguçaram um 
            olhar mágico sobre a região, tão bem expresso da obra da vida 
            inteira de Cecim - a mítica Andara, que foi ganhando proporção a 
            cada livro novo do escritor. Já adulto e 
            entregue de vez às letras, foi Cecim quem incentivou a mãe a colocar 
            as famosas histórias no papel, que acabaram rendendo a ela os 
            prêmios de literatura Samuel MacDowell e Terêncio Porto, promovidos 
            pela Academia Paraense de Letras. Unidos também pelo amor à 
            literatura, os dois lançam juntos as novas edições de seus livros na 
            próxima quarta-feira, às 19 horas, no Instituto de Artes do Pará (IAP). 
            Enquanto Yara lança sua coletânea de contos “Lendário”, Vicente 
            Cecim relança em dois volumes os setes primeiros livros do invisível 
            “Viagem à Andara”, tudo pela Editora Cejup. Depois de 
            conhecer a Yara Bella, essa serena senhora de 88 anos que diz correr 
            contra o tempo para deixar o máximo de histórias escritas, fica um 
            pouco mais fácil entender o alimento da imaginação de Vicente, que 
            criou todo um universo fantástico, permeado de simbologias em uma 
            obra elogiada pelos críticos. Há algo de hipnótico nessa voz que 
            conta com um sabor especial as histórias ouvidas no interior. Quem 
            sabe uma herança das iaras, a quem a mãe dela, Honorina, professora 
            de piano e mulher de advogado, prometeu a primeira filha nascida na 
            região do Tapajós, longe da cidade e das parteiras. “Ela dizia que 
            via as iaras e se zangava quando não acreditávamos. Chamava os 
            filhos para ouvir aquele canto um pouco lúgubre, mas bonito, nas 
            noites de luar. Quando cresci o suficiente para entender isso, 
            fiquei emocionada com a história.” No “Lendário” de 
            Yara, estão memórias das histórias da infância dela. Tudo fato 
            verdadeiro, garante. “A maior parte dos contos são reais, coisas que 
            presenciamos. Não digo que não tem umas invenções, mas é o que 
            precisa para dar o gosto”, diz, no melhor estilo do contador de 
            causos encarnado por Albert Finney no “Big Fish” de Tim Burton. Yara 
            conta, por exemplo, a história do jurupari, um grande macaco com os 
            olhos e a boca no peito que certa vez invadiu algumas casas pela 
            vizinhança da família em Santarém. Ou a do peixe com escamas viradas 
            ao contrário que ela e os irmãos acharam na praia. “Gosto de 
            escrever em cima da minha emoção e faço isso com sinceridade. Então 
            acho que aí está a verdade.”
 Sonho - Era com histórias assim que Vicente Cecim sonhava 
            depois de pegar no sono. “Era um costume de família se reunir para 
            contar histórias. Eu e meus irmãos ouvíamos as histórias da mamãe, 
            mas talvez por eu ser o mais recolhido dos três e ter sempre gostado 
            de escrever, elas tenham ficado mais fundo em mim. Sei que eu dormia 
            e sonhava com as histórias. Não sabia se eu entrava nelas ou elas 
            entravam em mim. Talvez eu deva um pouco a isso o tipo de escritor 
            que sou, com uma obra aberta ao imaginário, e tenha criado essa 
            terra chamada Andara, que é uma transfiguração da Amazônia, algo que 
            começou como um bairro da cidade de Santa Maria do Grão, no primeiro 
            livro, e foi tomando corpo até virar um mundo e alcançar a 
            estrelas.”
 Apesar de 
            escrever desde moleque, Vicente Cecim só publicou o primeiro livro 
            aos 33 anos, em 1979. Queria ter certeza de que tinha conseguido uma 
            linguagem pessoal capaz de construir uma visão libertadora da vida. 
            E assim surgiu a “Viagem a Andara”, o não-livro, o livro invisível 
            escrito incessantemente pela imaginação do escritor e dos seus 
            leitores, de onde ele pinça seus “livros visíveis”, publicados no 
            papel, livros-miragens. A inventividade 
            de Cecim chamou a atenção e ele recebeu em 1980, o prêmio de autor 
            revelação e em 1988, o grande prêmio da crítica da Associação 
            Paulista de Críticos de Arte por esses sete primeiros livros agora 
            relançados. “O estilo da escrita causou estranheza a princípio. Hoje 
            não é mais problema. As pessoas não dizem mais que não entendem”, 
            diz Cecim.  No entanto, ele 
            diz que continua sendo mais falado do que propriamente lido. “É 
            verdade, mas acho que é mais uma dificuldade de encontrar os livros. 
            A distribuição ainda é um problema, não só para mim. Em Belém, pode 
            ser difícil encontrar um livro, nem sempre a gente acha 
            distribuidores dispostos a distribuir aqui para a região. Por isso 
            também resolvi fazer essa reedição por uma editora daqui, para que 
            as pessoas da minha cidade possam ler os meus livros.”, diz Cecim, 
            que já foi editado pela Iluminuras, de São Paulo, pela Íman Edições, 
            de Lisboa, e está numa antologia dos 20 vinte melhores escritores 
            publicados nos últimos dez anos pela revista literária Azougue, 
            figurando ao lado de HIlda Hilst, Campos de Carvalho e José J. 
            Veiga. Vicente Cecim 
            quis dar aos leitores, com sua Andara, uma visão libertadora. Mas 
            ele mesmo parece despojado de suas histórias. “Talvez eu seja mesmo 
            menos lido do que comentado, mas não me incomoda. O que quero é 
            criar, é ter a alegria de inventar, mesmo quen ão vire livro”, diz o 
            escritor, afirmando que nem todos os “livros” que escreve vão parar 
            no papel. “Tem livros que apenas crio. Posso contá-los a noite 
            inteiro para os amigos. Às vezes me cobram que eu coloque no papel, 
            mas nisso eu evoco o taoísmo. Me entrego ao destino, descomplico. Se 
            tiver que ser feito, será.”
 
 Obras de Vicente Cecim
 
 A Asa e a Serpente 
            (1979)
 Os Animais da Terra (1980) - Prêmio Revelação de Autor da APCA
 
 A Noite do Curau (1981), terceiro livro de Andara, depois intitulado 
            Os Jardins e a Noite - Menção Especial no Prêmio Plural, no México.
 
 Manifesto Curau (1983)
 
 Viagem a Andara, o Livro Invisível (1988), reunião dos sete 
            primeiros livros de Andara - Grande Prêmio da Crítica da APCA.
 
 Silencioso como o Paraíso (1995), reunindo mais quatro livros de 
            Andara.
 
 Ó Serdespanto (2001), acrescido de mais dois novos livros de Andara, 
            apontado pela crítica portuguesa como o segundo melhor livro do ano.
 
   Obras de Yara Cecim
 Taú-Taú e Outros 
            Contos Fantásticos da Amazônia (1989)
 Arabescos (1991)
 
 Histórias Daqui e Dali (1993)
 Folhas de Outono (1983 e 1997)
 
 Lendário (2004)
 
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