Vicente Freitas
Clero, nobreza e povo de Sobral
Esta resenha é espaço
por demais diminuto para colocar a grandeza de Lustosa da Costa, o
cronista, o jornalista e o romancista, e dizer da sua vida e da sua
obra, e falar do primor e do encanto de sua prosa. Só agora chega-me
às mãos o exemplar do seu belo livro "Clero, nobreza e povo de
Sobral", acompanhado de generosa dedicatória que fica creditada à
sua indulgente bondade. Aqui deixo, em poucas linhas, minha visão
sobre o escritor e sua terra querida; cenário preferido de suas
histórias – a Vila Distinta e Real de Sobral.
Lustosa da Costa,
sobralense de coração, onde se criou e deu os primeiros passos no
jornalismo, nunca renegou suas origens. Se ascendeu pela cultura,
pela inteligência, pelos dotes de espírito com que a natureza lhe
foi tão pródiga e jamais quis se afastar das fontes em que se
abeberou na juventude. É colunista do "Diário do Nordeste", em
Brasília. Foi Editor Chefe de "Unitário" e "Correio do Ceará",
jornais hoje extintos. Em fins de 1974 passou a residir na Capital
da República onde militou, por muitos anos, na sucursal de "O Estado
de São Paulo" e escreveu crônicas no "Correio Braziliense". Em 2000
elegeu-se para a Academia Brasiliense de Letras e ganhou o Prêmio
Ideal de Literatura, com o livro de crônicas "Rache o Procópio".
Lançou em 2002, na Embaixada do Brasil em Lisboa, a edição
portuguesa de seu romance "Vida, paixão e morte de Etelvino Soares",
versão romanceada da atormentada trajetória do jornalista Deolindo
Barreto.
A obra de Lustosa da
Costa representa um marco da nossa tradição literária moderna e a
seu respeito já se manifestou a crítica favoravelmente, me parecendo
justo destacar o que escreveu o poeta e ensaísta José Alcides Pinto:
"O material com que trabalha é o mesmo da ficção – a ficção de
vanguarda, a de um Gabriel Garcia Márquez, por exemplo, ou de outros
grandes vultos da literatura latino-americana. A caracterização dos
personagens é perfeita, e em seu registro história e memorialística
se juntam numa grandeza meridional e abrangente".
Sobre sua obra ensaios
e artigos importantes vêm sendo publicados no correr do tempo, tais
aqueles redigidos por Evaristo Linhares, Moreira Campos, Adelto
Gonçalves e Paulo Elpídio de Menezes Neto. Segundo Milton Dias,
"Lustosa da Costa se inscreve na lista dos melhores cronistas
brasileiros – nome respeitado, estimado, admirado; freqüentador
diário da imprensa, conseguiu um público numeroso e atento que corre
ao jornal diariamente, fiel, à sua colaboração de todo dia".
Acabo de ler seu livro
e chego à conclusão de que ele – brasileiro a valer nestas crônicas,
feitas da mesma composição de seu rincão à beira do Acaraú – se nos
apresenta o mais cáustico demolidor de fatuidades e carunchadas
reputações, e – o incrível – faz tudo isso envolvido do mais puro
senso de humor. Sua capacidade de encadear figuras e fatos em
sucessão é o mérito maior do criador de tantos personagens
divertidos, às vezes, turbulentos, que lembram as excentricidades
dos heróis cômicos de Dickens. Não que seus personagens de carne e
osso fossem cômicos – mas que assim nos são apresentados – na
recriação fabulosa do cronista que une a psicologia ao estilo numa
gota de tinta com veneno e luz – caricatura da vida urbana-cotidiana
da pequena cidade de Sobral, do início do século passado.
Sobral é cidade de
"gentes importantes" – ou que se tornaram interessantes mesmo depois
da morte. Terra do filósofo Visconde de Sabóia, Domingos Olímpio,
Padre Ibiapina, Dom Jerônimo, Dom José Lourenço, Dom José Tupinambá
da Frota, Vicente Loiola, José Sabóia, Cordeiro de Andrade, Deolindo
Barreto, que veio de Crateús para viver, lutar e morrer ali. Uma
galeria interminável de padres, políticos, jornalistas, escritores e
poetas de boa cepa. E tudo começou com uma fazenda de nome Caiçara,
de propriedade do Capitão Antônio Rodrigues Magalhães, cujo nome
está ligado à história da cidade pela doação feita ao patrimônio da
Matriz.
Ao redor da Igreja
surgiram as primeiras casas da povoação, quase sempre de tijolos –
cobertas de telhas – pertencentes a pessoas de boa linhagem, das
quais descende grande parte das famílias sobralenses. Depois do
Capitão Antônio Rodrigues Magalhães, outros sesmeiros vieram ali se
estabelecer – Manoel Madeira de Matos, Manoel Vaz de Carrasco, pai
das sete irmãs, progenitoras das principais famílias do Vale do
Acaraú [estabelecido no atual município de Bela Cruz], Jerônimo
Machado Freire, Capitão-mor José de Xerez Furna Uchoa, Antônio Alves
Linhares, Capitão-mor José de Araújo Costa, meu tetravô, português
[estabelecido também em Bela Cruz, casado com d. Brites de
Vasconcelos, uma das sete irmãs], Inácio Gomes Parente, Gonçalo
Ferreira da Ponte e, logo em seguida, os Frotas, os Coelhos, os
Holandas Cavalcantes, os Rodrigues Limas, os Ferreiras Gomes, os
Mendes Vasconcelos, os Paulas Pessoas, os Ximenes de Aragão e tantos
outros que adquiriram sesmarias no Vale do Acaraú. Vieram das
capitanias de Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e até mesmo
de Portugal. E ali ficaram encantados ou encantoados com as águas do
Rio Conoribon, Conoribo, Coruybe, Rio dos Torrões Pretos, Rio das
Garças, segundo as diversas denominações que lhe deram seus
primitivos habitantes. E foi ali, à beira do rio, que nasceram
[viveram suas proezas e escaramuças] os personagens do livro de
Lustosa da Costa.
Ao encerrar essa
crônica quero dizer ao ilustre escritor que tive muito prazer em
escrevê-la, assim como também experimentei ao ler o seu livro. E o
prazer maior é fechá-la com chave de ouro, lembrando o impávido
jornalista Deolindo Barreto: "Conte-se o caso como o caso foi, o cão
é cão e o boi é boi".
VICENTE FREITAS, licenciado em
História e Geografia, pela Universidade Estadual Vale do Acaraú –
UVA. É autor de vários livros e escreve ensaios e artigos para
jornais e internet.
Leia Lustosa da Costa
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