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Vicente Freitas

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Vicente Freitas

 

 

ESTATUTOS DO HOMEM”, DE THIAGO DE MELLO

 

O Contexto Histórico e Político

Thiago de Mello, poeta amazonense de imensa relevância, escreveu “Estatutos do Homem”, em 1º de abril de 1964, no exato momento em que o Brasil mergulhava na ditadura militar. O golpe de estado que acabara de ser deflagrado implantava um regime de repressão, censura e violência política. Foi nesse cenário de incerteza e medo que Thiago de Mello, exilado no Chile, elaborou um manifesto em forma de poema, afirmando valores fundamentais como a liberdade, a dignidade e a justiça.

A data da criação do poema, 1º de abril, marca o primeiro dia do novo regime autoritário no Brasil, que duraria 21 anos. O poema, portanto, nasce como uma resposta imediata à perda das liberdades civis e à instalação de um governo militar que buscava suprimir qualquer oposição. Thiago de Mello, profundamente influenciado pelos ideais humanitários e democráticos, transforma a poesia em uma forma de resistência, em um grito contra a tirania que se instaurava.

Os “Estatutos do Homem” se apresentam como um manifesto utópico, propondo um conjunto de princípios básicos que regem a vida em sociedade. Esses “estatutos” são uma espécie de constituição poética e idealizada, na qual as leis do amor, da liberdade, e da fraternidade são os pilares da vida. Em oposição ao ambiente de repressão, Thiago de Mello constrói um poema que afirma a necessidade de um mundo mais justo, onde a liberdade de expressão e os direitos prevaleçam.

A primeira linha do poema já revela sua natureza declaratória e contundente: “Fica decretado que agora vale a verdade, que agora vale a vida, e de mãos dadas, marcharemos todos pela vida verdadeira”. Essa primeira estrofe faz uma clara alusão à falsidade imposta pela ditadura, que silenciava a verdade em nome de um poder despótico. O poeta, assim, contrapõe o autoritarismo com a esperança de uma nova ordem onde a verdade e a vida sejam soberanas.

O poema também reflete o clima de resistência cultural que permeava a América Latina naquela época. Thiago de Mello estava no Chile, onde conheceu e conviveu com o poeta Pablo Neruda, uma das principais vozes contra a opressão na região. A relação entre os dois poetas fortaleceu ainda mais o compromisso de Thiago de Mello com a ideia de que a poesia poderia ser um instrumento de luta política, uma forma de conscientização e mobilização popular.

No Brasil, enquanto o regime militar tentava controlar e censurar as manifestações culturais, o “Estatutos do Homem” circulava como um manifesto de esperança e de resistência. A obra se tornou um símbolo não apenas da luta contra a ditadura, mas também de uma luta maior, pela dignidade humana, pelo direito à palavra, ao pensamento e à vida em liberdade. As palavras de Thiago de Mello, nesse contexto, são impregnadas de uma força moral que transcende o tempo e o espaço, ecoando ainda hoje em tempos de opressão e autoritarismo.

Ao final, o poema se configura como um apelo à humanidade, à necessidade de resgatar o que é essencialmente humano em meio à barbárie. As palavras de Thiago de Mello não propõem apenas uma resistência política, mas uma resistência à desumanização promovida pelos regimes opressores. Ele apela para um retorno à simplicidade, à solidariedade, à alegria de viver, como se declara no verso: “Fica permitido que o homem seja livre, como é livre o pássaro no céu e a criança na areia”.

O “Estatutos do Homem” é uma das mais importantes contribuições de Thiago de Mello para a literatura brasileira e latino-americana. Sua poesia engajada, carregada de esperança e resistência, foi uma resposta imediata e eloquente à opressão que se abatia sobre o Brasil. Em um contexto de medo e censura, o poema tornou-se uma ferramenta de subversão, um lembrete de que a poesia pode — e deve — ocupar um papel central na luta pela liberdade.

A construção dos “Estatutos” tem um caráter declaratório e normativo, como se fosse um novo código de conduta para a humanidade. Ao mesmo tempo, ao confrontar o poder opressor, o poema traz consigo uma forte carga emocional, uma espécie de alívio poético diante do desespero vivido pelo Brasil naquele momento. O título do poema, ao fazer referência à ideia de estatutos, remete ao conceito de leis, mas, neste caso, trata-se de leis que resgatam a dignidade humana em sua forma mais pura.

Hoje, mais de cinco décadas após sua criação, o “Estatutos do Homem” permanece atual. Em um mundo ainda marcado por injustiças, opressão e a constante luta por direitos humanos, as palavras de Thiago de Mello continuam ecoando como um farol de esperança. A luta pela verdade, pela justiça e pela liberdade, que ele tão eloquentemente expressou, em 1964, continua sendo uma batalha que atravessa gerações.

O poema se mantém vivo em sua capacidade de inspirar e despertar a consciência crítica. A mensagem de Thiago de Mello transcende o contexto imediato da ditadura militar no Brasil, transformando-se em um apelo universal pela defesa da dignidade e pela construção de um mundo mais justo e solidário.

Assim, “Estatutos do Homem” não é apenas uma resposta à repressão, mas um convite à humanidade para se reerguer e reconquistar sua essência em tempos de opressão. Thiago de Mello, com sua poesia imbuída de compromisso e humanidade, construiu um legado literário e ético que continua a inspirar e resistir, reafirmando o poder da palavra diante da tirania.

A Voz Insubmissa do Poeta

Thiago de Mello, um dos mais importantes poetas brasileiros do século XX, é reconhecido pela intensidade com que sua obra dialoga com questões sociais, políticas e existenciais. Em “Estatutos do Homem”, ele se destaca ao criar uma obra em que a poesia se funde com o ativismo, propondo um manifesto de transformação do mundo. Escrito em 1964, após o golpe militar no Brasil, o poema revela-se uma poderosa resposta à repressão e um gesto de resistência contra as tiranias impostas pela ditadura. Por meio de sua voz poética, Thiago de Mello propõe a criação de uma nova ordem mundial, fundamentada em valores como a liberdade, a justiça e o amor.

O título “Estatutos do Homem” já sugere a ambição da obra: ela é um código de conduta para uma humanidade renovada. A estrutura do poema lembra uma constituição, com artigos que estabelecem normas e diretrizes para um novo modelo de sociedade. Porém, ao contrário de leis rígidas e opressivas, que muitas vezes servem para legitimar a violência do Estado, os “estatutos” de Thiago de Mello são pautados pela ternura e pela esperança. O poeta se coloca como um “legislador da utopia”, alguém que, diante do colapso das estruturas autoritárias, projeta um futuro em que a felicidade coletiva é um direito inalienável.

Logo no primeiro artigo, o poeta determina que “Fica decretado que agora vale a verdade”. Este é o alicerce de toda a obra: o rompimento com as mentiras e a hipocrisia que permeiam os regimes autoritários. O verbo “decretado” é uma escolha irônica, pois remete ao linguajar jurídico, mas aqui, a linguagem poética se apropria desse discurso para subverter as ordens do poder opressor. Ao invés de leis que restringem a liberdade, Thiago de Mello decreta a vida, a verdade e a simplicidade como normas universais.

A tônica da esperança perpassa todo o poema. Cada artigo é uma afirmação do otimismo radical que o poeta cultiva, mesmo em tempos sombrios. No artigo 4º, por exemplo, o poeta decreta que “Fica permitido que o pão de cada dia tenha no homem o sinal de seu suor”, evidenciando a importância do trabalho digno e do compartilhamento justo dos frutos da terra. Esse artigo expressa um desejo de justiça social, em que o labor humano não seja explorado, mas sim uma fonte de sustento e satisfação para todos. Em uma época marcada pela desigualdade, o poema ergue-se como uma defesa incondicional dos oprimidos.

No entanto, “Estatutos do Homem” não se limita a ser apenas uma crítica ao contexto político de repressão. Ele é também uma celebração da vida em sua forma mais pura e simples. No artigo 6º, Thiago de Mello afirma: “Fica estabelecido que, durante todo o dia, é permitido o uso da palavra ‘amor’”. A palavra “amor” aqui é um gesto subversivo, pois, em um regime de medo e violência, amar torna-se um ato de resistência. Thiago de Mello revela o poder transformador do afeto, sugerindo que, mesmo em meio ao caos, a solidariedade e o carinho entre as pessoas podem ser a base de uma sociedade mais justa.

A poesia de Thiago de Mello é profundamente marcada pelo seu compromisso com a dignidade humana. O poema propõe uma nova forma de organização social que valoriza a pessoa, sua liberdade e sua capacidade de amar e ser amado. Esse compromisso é reforçado no artigo 7º, que decreta: “Fica permitido a qualquer pessoa, a qualquer hora da vida, o uso do traje branco”. A cor branca, símbolo de paz e pureza, torna-se uma metáfora para a busca incessante por harmonia em um mundo devastado pela opressão. A liberdade de vestir-se de branco é uma metáfora da liberdade de ser, sem amarras ou imposições externas.

Ao concluir o poema, Thiago de Mello reafirma seu compromisso com o futuro. No último artigo, ele declara: “Fica decretado que nada será obrigado nem proibido. Tudo será permitido, inclusive brincar com rinocerontes e caminhar pelas tardes com uma imensa begônia na lapela”. Nesse verso, o poeta sugere que a liberdade é uma condição essencial da existência humana e que, em uma sociedade verdadeiramente livre, o impossível se torna possível. As imagens oníricas de rinocerontes e begônias apontam para o caráter lúdico da utopia proposta, onde o homem é finalmente capaz de se reconciliar com a sua essência mais criativa e livre.

Em “Estatutos do Homem”, Thiago de Mello cria um poema-manifesto que ultrapassa os limites do tempo e do espaço. Sua obra ecoa como um grito de resistência contra a opressão, mas também como um cântico de esperança, propondo uma ordem alternativa em que a liberdade, o amor e a justiça são os princípios que regem a vida. A voz insubmissa do poeta se ergue em um momento de silêncio forçado, oferecendo à humanidade um caminho possível para a regeneração. Ao final, o poema é um convite à ação, à construção coletiva de um mundo mais justo e solidário, onde a poesia se converte em uma ferramenta de transformação social.

A Estrutura de “Estatutos do Homem”

“Estatutos do Homem”, de Thiago de Mello, é uma obra poética que se destaca tanto por sua mensagem de esperança e renovação quanto por sua estrutura. Dividido em artigos, o poema assume a forma de uma constituição utópica, um conjunto de princípios éticos para a humanidade. Essa estrutura jurídica, que tradicionalmente é associada a documentos formais, como leis e estatutos, é subvertida pela poesia de Mello, que a utiliza para propor uma nova ordem de convivência, fundamentada em valores como solidariedade, justiça e respeito à vida.

Cada “artigo” do poema representa uma regra simbólica que guia o comportamento, mas, ao contrário das leis punitivas ou normativas do mundo real, os artigos de Mello são convites à reflexão e à mudança interior. O primeiro artigo, por exemplo, decreta que “fica decretado que agora vale a verdade”, subvertendo a ideia de uma norma imposta e, em vez disso, convidando as pessoas a seguirem uma verdade baseada no amor e na fraternidade. A ironia que reside no uso da forma jurídica é evidente: enquanto as leis muitas vezes limitam e controlam, os “Estatutos do Homem” libertam, incentivando a conexão com o que há de mais essencial e puro.

A estrutura fragmentada, com artigos que se sucedem de maneira quase solene, sugere uma reorganização das bases sociais e políticas. No entanto, essa solenidade formal contrasta com o conteúdo humanista e libertário, que rejeita qualquer tipo de opressão ou tirania. A poesia aqui não apenas se limita a criar beleza, mas também atua como um manifesto político, onde a forma legalista reforça a necessidade de se pensar uma nova ordem mundial, fundamentada no respeito mútuo e na preservação do meio ambiente, como está explícito no artigo onde “fica permitido que o pão de cada dia tenha no homem o sinal de seu suor”.

A escolha de um formato que remete à constituição também permite a universalização do apelo de Thiago de Mello. Assim como uma constituição se destina a um povo ou nação, “Estatutos do Homem” é uma constituição para a humanidade como um todo. O caráter utópico da obra é acentuado pela linguagem direta, mas profundamente lírica, e pelo contraste entre o peso formal dos artigos e a leveza das ideias neles contidas. A estrutura torna-se, assim, um convite para que o leitor reimagine a sociedade e se engaje em uma transformação pessoal e coletiva.

Outro aspecto interessante da estrutura é como ela espelha os ideais de justiça e igualdade. Ao usar o formato de uma legislação imaginária, o poeta coloca em xeque as legislações reais que muitas vezes falham em proteger os mais vulneráveis e perpetuam sistemas de exclusão. A ordenação numérica dos artigos sugere um certo rigor, mas esse rigor é suavizado pelo apelo humanitário e amoroso presente em cada uma das “leis”. O formato jurídico torna-se, então, um artifício poético para ressaltar a ironia da condição humana e da sua relação com o poder, propondo uma ruptura radical com as estruturas de opressão.

O uso da estrutura de “estatutos” é essencial para a compreensão da obra como um todo. Ao invés de simplesmente sugerir mudanças através de uma abordagem abstrata, Thiago de Mello concretiza suas aspirações em uma forma familiar ao leitor, o que potencializa o impacto do texto. A constituição alternativa apresentada por ele é, acima de tudo, um clamor por uma sociedade mais justa, onde a verdade, a justiça e a beleza são os princípios que guiam as relações humanas.

Em resumo, a estrutura de “Estatutos do Homem” é um dos elementos mais marcantes da obra, combinando forma jurídica com conteúdo profundamente humanista. Esse contraste cria uma tensão criativa entre o rigor da forma e a liberdade das ideias, resultando em um poema que é, ao mesmo tempo, um manifesto ético e uma obra de arte. Thiago de Mello nos oferece, com sua constituição poética, um caminho para a renovação do ser humano e da sociedade, propondo uma nova ordem de valores universais onde a vida é celebrada em sua plenitude.

O Poema como Manifesto Ético

O poema “Estatutos do Homem”, de Thiago de Mello, é uma das mais emblemáticas criações poéticas brasileiras com uma forte mensagem ética e política. A obra transcende sua época e continua relevante até os dias de hoje. Através de seus artigos, o poeta formula um manifesto em defesa dos valores fundamentais da humanidade, propondo um retorno à simplicidade e à fraternidade em um momento de opressão e incerteza política.

Desde seu título, “Estatutos do Homem”, Thiago de Mello cria um paralelo com os textos legais e constitucionais que deveriam garantir a justiça e a igualdade. No entanto, diferentemente das leis promulgadas pelos governos, o poema estabelece princípios utópicos que transcendem as barreiras do tempo e da realidade histórica. As palavras de Thiago de Mello não buscam simplesmente regulamentar, mas convidar a humanidade a reconstruir seu comportamento e sua convivência, pautando-se em valores que são simples, mas profundamente transformadores, como o amor, a amizade e a liberdade.

Os artigos que compõem o poema têm uma estrutura que remete às constituições e leis, mas, ao contrário destas, não limitam ou regulam o comportamento humano. Pelo contrário, abrem possibilidades, como se o poeta estivesse concedendo à humanidade a permissão de viver de maneira plena e harmoniosa. Nesse sentido, o poema adquire uma qualidade utópica, sonhando com uma realidade que ainda não foi alcançada, mas que pode, através da reflexão e da ação, tornar-se tangível.

Escrito em um contexto de profunda crise política e social, “Estatutos do Homem” é também uma crítica direta à realidade do Brasil, em 1964. Aquele foi o ano do início da ditadura militar, um período marcado pela repressão política, pela violência institucionalizada e pela cassação dos direitos humanos. Diante desse cenário, o poema ergue-se como uma resistência poética à opressão. Seus artigos falam de liberdade, amor e dignidade, contrapondo-se diretamente à brutalidade e ao autoritarismo que se instalavam no país.

O poema, assim, opera em dois níveis: é ao mesmo tempo uma expressão de esperança e de utopia, e uma crítica contundente à realidade do Brasil daquela época. Ao propor “que o homem confie no homem como a palmeira confia no vento”, Thiago de Mello não apenas imagina um mundo mais justo e humano, mas denuncia a ausência de confiança, solidariedade e respeito aos direitos individuais que marcavam a realidade da ditadura.

Uma das características mais marcantes de “Estatutos do Homem” é sua linguagem clara e direta. Diferentemente de muitos manifestos políticos e éticos, que costumam ser carregados de formalismos e jargões, Thiago de Mello opta por uma linguagem acessível, que dialoga com o leitor comum. Essa simplicidade, no entanto, não diminui o impacto do poema. Pelo contrário, amplifica sua força, tornando-o um texto engajado e capaz de tocar profundamente aqueles que o leem.

Os versos curtos e os artigos apresentados de forma direta são uma estratégia deliberada do poeta para tornar o conteúdo de sua mensagem mais próximo do público. O tom assertivo e declaratório de cada artigo — “Fica decretado que agora vale a verdade” — ecoa como um chamado urgente à ação e à reflexão. O poema, assim, não é apenas uma peça literária, mas um convite à mudança de postura, tanto individual quanto coletiva.

Embora profundamente enraizado na realidade brasileira, “Estatutos do Homem” tem uma dimensão universal que o torna um manifesto para toda a humanidade. Os valores que Thiago de Mello propõe — liberdade, paz, igualdade, amor — são atemporais e aplicáveis a qualquer sociedade. Sua visão de um mundo onde “os homens não precisem nunca mais duvidar dos homens” é uma aspiração que ultrapassa as fronteiras do Brasil e do contexto de 1964.

Essa universalidade é uma das razões pelas quais o poema ainda ressoa tão fortemente hoje. Em um mundo marcado por conflitos, injustiças e desigualdades, as palavras de Thiago de Mello oferecem uma luz de esperança. Seu poema é, ao mesmo tempo, um lembrete do que a humanidade pode ser e um chamado para que todos contribuam para a construção de uma sociedade mais justa e solidária.

Thiago de Mello sempre foi um poeta profundamente comprometido com as questões sociais e políticas de seu tempo. Estatutos do Homem reflete esse engajamento e coloca em evidência seu papel como uma voz de resistência e luta contra a opressão. A obra de Thiago de Mello nunca se limitou à poesia como mera expressão artística; para ele, a poesia era uma forma de intervir no mundo, de transformar a realidade e de lutar por um futuro melhor.

Esse compromisso ético e político atravessa não apenas “Estatutos do Homem”, mas toda a sua obra. O poeta enxergava a criação literária como um espaço de luta e de resistência, onde a palavra tem o poder de mobilizar e despertar consciências. Seu poema é, portanto, mais do que uma obra literária; é um manifesto, uma declaração de princípios e um instrumento de mudança.

“Estatutos do Homem”, de Thiago de Mello, é um dos grandes manifestos poéticos da literatura brasileira. Com sua linguagem direta e seus artigos que clamam por justiça, liberdade e igualdade, o poema transcende seu contexto histórico e oferece uma reflexão universal sobre os valores que deveriam reger a humanidade. Ao mesmo tempo, é uma crítica ao Brasil, de 1964, e à violência institucionalizada daquele período. A obra se firma como um convite à utopia, mas também como uma ferramenta de resistência e transformação, refletindo o engajamento ético e político de seu autor.

A Importância da Natureza

No célebre poema “Estatutos do Homem”, Thiago de Mello constrói uma utopia ética e poética que busca resgatar os valores humanos em tempos de repressão e alienação. Dentro dessa visão de mundo, a natureza surge como um elemento fundamental, representando não apenas o cenário onde a vida se desenvolve, mas também uma força vital a ser respeitada e preservada. Mello incorpora a natureza como símbolo de resistência e harmonia, contrapondo-se à desumanização e à artificialidade das estruturas opressoras.

A visão do poeta sobre a natureza reflete um profundo respeito pela vida simples e autêntica, características que são constantemente ameaçadas pela exploração e degradação do meio ambiente, muitas vezes promovidas por forças políticas e econômicas dominantes. A natureza, em “Estatutos do Homem”, é tratada como um bem inalienável, cuja preservação é essencial para a sobrevivência da própria humanidade. Nesse sentido, Thiago de Mello antecipa discussões contemporâneas sobre sustentabilidade e desenvolvimento responsável.

Em várias passagens do poema, a terra e as águas são elevadas ao status de direitos humanos básicos, alinhando a integridade ambiental à dignidade da vida. Em uma época marcada pelo autoritarismo, Mello sugere que o retorno à natureza, à sua simplicidade e sua pureza, é uma forma de resistência ao poder corrompido e alienante das ditaduras. Ele propõe, assim, que o homem só encontrará liberdade verdadeira e paz ao restabelecer sua conexão com o meio ambiente, uma ideia que ressoa como um apelo à interdependência entre o homem e a natureza.

A ênfase do poeta na harmonia com a natureza também denuncia o ciclo destrutivo de exploração. Ao apresentar a natureza como um princípio vital nos “estatutos”, Mello propõe uma ordem de convivência em que o respeito à terra e aos seus recursos se torna um imperativo moral. O poema clama por uma reconciliação entre o homem e seu habitat natural, destacando que a opressão sobre a terra espelha a opressão sobre o ser humano. A vida natural, em sua simplicidade, contrasta radicalmente com a ordem repressiva imposta pelas ditaduras, sugerindo que a liberdade política e social só pode ser plena quando há uma simbiose equilibrada entre o homem e o meio ambiente.

Portanto, ao propor os direitos fundamentais do homem, Thiago de Mello inclui a natureza não como um objeto de posse, mas como um sujeito de direito. Seu apelo vai além de uma simples exortação ecológica; é um grito de socorro para que a humanidade retorne às suas raízes, resgatando a harmonia perdida entre o homem e a terra. Assim, “Estatutos do Homem” se torna um poema não só de resistência política, mas também de resistência ambiental, convocando-nos a refletir sobre o papel que a natureza desempenha na nossa busca por justiça, liberdade e igualdade.

Ao defender que “a terra é o lugar de todos os homens”, Mello reitera que a sobrevivência do ser humano está intrinsecamente ligada à preservação da natureza. Seu poema transcende o contexto histórico em que foi escrito, ganhando novos significados à medida que as crises ambientais e sociais se intensificam no século XXI. A importância da natureza em “Estatutos do Homem” é, portanto, uma mensagem universal que fala de uma humanidade que só será verdadeiramente livre quando aprender a viver em sintonia com o mundo natural.

A Utopia da Fraternidade

No poema “Estatutos do Homem”, Thiago de Mello constrói um manifesto poético que reflete o desejo por uma sociedade pautada pela fraternidade universal. A estrutura em forma de estatuto, com seus artigos, evoca um tom solene e legislativo, mas ao invés de regras punitivas ou restritivas, o que se encontra são preceitos de amor, liberdade e solidariedade. Esses “estatutos” parecem sugerir não apenas um conjunto de direitos e deveres, mas um pacto social em que o ser humano é resgatado de suas condições de opressão.

A utopia da fraternidade que o poema propõe não se limita à abstração ou à idealização vazia. Thiago de Mello, ao escrever em um contexto de ditadura militar no Brasil, oferece uma resposta poética ao autoritarismo, subvertendo a opressão com versos de esperança. O poema se insere, assim, na tradição da literatura de resistência, sendo não apenas uma obra estética, mas também um ato de protesto e um convite à reflexão sobre as condições políticas e sociais da época.

Os artigos do poema são radicalmente humanistas, ecoando a Declaração Universal dos Direitos Humanos, mas indo além ao propor uma recuperação da dignidade humana. Em vez de normas voltadas para a regulamentação do comportamento humano, os “estatutos”, de Thiago de Mello, reivindicam o direito à felicidade, ao amor e à convivência pacífica. Nesse sentido, o poema é uma utopia que questiona as bases da sociedade em que foi criado, uma sociedade marcada pela repressão, pela censura e pela desigualdade.

Cada artigo do poema reforça essa utopia, começando pela abolição da tristeza, sugerindo um mundo onde a alegria é um direito inalienável. O autor não nega as dificuldades da vida, mas propõe que o ser humano não deve sucumbir ao desespero. A alegria e o respeito mútuo são tratados como elementos essenciais para a construção de um novo mundo.

Em meio ao regime ditatorial, Thiago de Mello oferece uma visão alternativa, e mais esperançosa, de sociedade. O poema emerge como um grito silencioso contra a opressão, oferecendo uma resposta que não recorre à violência, mas ao contrário, exalta o poder do amor e da fraternidade como ferramentas de transformação. A sua utopia não é ingênua, pois reconhece as dores e as injustiças, mas se recusa a aceitar que elas sejam definitivas.

O poema é, em sua essência, um projeto de justiça social. Thiago de Mello sugere que é possível, mesmo em tempos sombrios, sonhar com um mundo mais justo, onde o poder não seja exercido pela força, mas pelo respeito à dignidade humana. Isso torna o poema não apenas uma crítica ao autoritarismo, mas também uma visão de esperança para um futuro mais igualitário e solidário.

A escolha de escrever um estatuto é emblemática. A forma jurídica e formal dos artigos sugere uma subversão da linguagem do poder. Enquanto os regimes ditatoriais impõem suas leis e regras opressivas, Thiago de Mello cria um novo conjunto de leis, baseadas no amor e na igualdade. É uma resistência poética que transforma o conceito de lei em algo humanitário e inclusivo.

Os artigos do “Estatuto do Homem” não são meramente utópicos. Eles são um convite à ação, uma convocação para que o ser humano lute pela liberdade e pela justiça. Ao escrever em um contexto de censura e repressão, Thiago de Mello desafia os limites impostos pelo regime, propondo uma realidade alternativa onde as leis não são instrumentos de controle, mas garantias de uma vida plena e digna.

Mesmo que escrito em um contexto histórico específico, o poema continua sendo relevante na contemporaneidade. A luta pela dignidade humana, pela liberdade e pela justiça são temas que transcendem o tempo e o espaço. Em tempos de crises políticas e sociais, o “Estatutos do Homem” surge como um lembrete de que a fraternidade e o respeito devem ser os pilares de qualquer sociedade verdadeiramente democrática.

Thiago de Mello, com este poema, reafirma o papel do poeta como agente de transformação social. A sua poesia não é apenas um exercício estético, mas uma ferramenta de crítica e de construção de um futuro possível. Em “Estatutos do Homem”, o autor reforça que a poesia pode e deve ser um meio de resistência, uma forma de lutar contra a tirania e de promover a esperança em tempos difíceis.

O poema é, portanto, uma ode à humanidade e uma crítica feroz às formas de governo que negam a liberdade e a justiça. Através de seus versos, Thiago de Mello imagina um mundo onde a utopia não é apenas um sonho, mas um objetivo a ser perseguido por todos.

“Estatutos do Homem”, de Thiago de Mello, constrói uma utopia da fraternidade, baseada em princípios radicalmente humanistas. Ao propor um conjunto de “estatutos” que exaltam o amor, a liberdade e a justiça, o poeta se insere na tradição da literatura de resistência, oferecendo uma visão esperançosa em tempos de opressão. A relevância do poema vai além do contexto ditatorial em que foi escrito, permanecendo um manifesto poético pela dignidade e pela construção de um futuro mais justo.

A Linguagem Simples e sua Eficácia

O poema “Estatutos do Homem”, de Thiago de Mello, é uma obra que se destaca pela sua simplicidade linguística, mas também por sua profundidade emocional e política. A obra apresenta um conjunto de princípios que propõem um novo olhar sobre a dignidade humana, justiça e liberdade, num contexto de repressão e censura. No entanto, é a escolha de uma linguagem simples e acessível que dá ao poema sua força e abrangência.

A simplicidade na linguagem de Thiago de Mello é intencional e estratégica. Ao contrário de textos políticos densos ou obras literárias que requerem um conhecimento acadêmico para serem compreendidas, “Estatutos do Homem” tem como objetivo alcançar o coração de todos os leitores, independente de sua formação ou classe social. Ele utiliza frases curtas, diretas e imperativas que ecoam como decretos, como no trecho “Fica decretado que agora vale a verdade”. Essa construção confere uma certa solenidade ao texto, como se realmente estivesse estabelecendo um conjunto de leis universais, algo que poderia ser compreendido e adotado por qualquer pessoa, em qualquer lugar.

Ao optar por uma linguagem descomplicada, Thiago de Mello torna sua obra inclusiva. O poema é capaz de dialogar tanto com intelectuais quanto com pessoas de camadas populares, algo extremamente importante para o contexto político no qual foi escrito. A acessibilidade do texto garante que seus “estatutos” cheguem a todas as camadas da sociedade, permitindo que os valores que ele defende, como liberdade, amor e igualdade, se tornem um manifesto coletivo. Essa inclusão da linguagem amplia o poder de transformação social que o poema carrega, uma vez que o impacto não se restringe a um grupo restrito, mas a toda a sociedade.

A simplicidade de “Estatutos do Homem” também permite que a obra tenha um caráter universal. Embora tenha sido escrita em um contexto específico de repressão no Brasil, os valores que o poema defende são universais e atemporais. A linguagem clara e acessível transcende as barreiras culturais e temporais, e pode ser facilmente traduzida e compreendida por leitores de diferentes partes do mundo. A simplicidade, portanto, é uma escolha que almeja a universalidade da mensagem, sem perder a especificidade de sua crítica social e política.

Outro aspecto importante da simplicidade linguística no poema é o fato de que ela serve para desmistificar a política. Ao escrever um conjunto de “estatutos”, Thiago de Mello simula a estrutura jurídica de um documento oficial, mas com uma linguagem poética e compreensível. Isso faz com que o leitor comum, que normalmente poderia se sentir alheio a discussões políticas e jurídicas, se sinta incluído na proposta do poeta. Ao fazer com que a política seja acessível a todos, o poema atua como um agente de transformação, conscientizando e mobilizando o público.

O poder da palavra em “Estatutos do Homem” reside na sua capacidade de sintetizar ideias complexas em uma linguagem simples, mas sem perder o impacto emocional e a carga crítica. A eficácia do poema está na sua clareza. Em vez de se perder em abstrações, Thiago de Mello vai direto ao ponto: ele decreta a liberdade, a verdade, o amor, a esperança. Não há espaço para ambiguidades ou dúvidas sobre o que ele quer dizer. O poema propõe uma nova ordem, um novo pacto social baseado em valores humanos fundamentais, e isso é comunicado de maneira direta e eficiente.

A simplicidade do poema também faz com que ele se aproxime do cotidiano das pessoas. As imagens evocadas no texto são próximas do dia a dia de qualquer cidadão, como o “pão nosso de cada dia” ou a “primavera em toda parte”. Essas referências reforçam a identificação do leitor com o poema, criando uma ponte entre o universo poético e a realidade concreta. Ao fazer isso, Thiago de Mello transforma a poesia em um espaço de resistência, onde o comum se eleva ao status de símbolo de luta e esperança.

Ao escolher uma linguagem simples, Thiago de Mello também está fazendo uma declaração sobre o papel do poeta na sociedade. O poeta, para ele, não deve ser um ente distante, isolado em uma torre de marfim, mas sim alguém que dialoga com seu povo, que é capaz de traduzir as angústias e os sonhos da sociedade de forma clara e direta. Nesse sentido, “Estatutos do Homem” é um manifesto de engajamento. A simplicidade da linguagem reflete o compromisso do poeta com a luta por justiça e dignidade, e sua crença no poder transformador da palavra.

A simplicidade da linguagem em “Estatutos do Homem” é uma das principais razões para a eficácia e o alcance do poema. Ao optar por uma linguagem clara, direta e acessível, Thiago de Mello torna sua mensagem inclusiva e universal, capaz de ser compreendida e abraçada por todas as camadas da sociedade. Essa simplicidade não diminui a profundidade do poema; pelo contrário, a torna ainda mais potente, permitindo que o leitor, independente de sua formação ou contexto, se identifique com os princípios de liberdade, verdade e amor que o autor defende. A simplicidade é a chave para a força transformadora desta obra.

O Impacto Cultural e Literário

O poema “Estatutos do Homem”, escrito por Thiago de Mello, em 1964, emergiu como uma das obras mais icônicas da literatura brasileira, consolidando seu lugar na cultura do país e desempenhando um papel essencial no contexto histórico. O poema é uma proclamação de princípios éticos e humanistas, que clama pela restauração da liberdade, dignidade e justiça em tempos de repressão. Sua linguagem clara e acessível, combinada com a força de sua mensagem, permitiu que ele fosse amplamente compreendido e adotado por diversos segmentos da sociedade, transcendendo a estética literária e alcançando status de manifesto político.

Escrito em um momento de censura e opressão, o poema logo se tornou um símbolo de resistência ao regime que dominava o Brasil. Thiago de Mello, poeta profundamente engajado com as causas sociais e políticas, usou sua arte para contestar o autoritarismo e defender os direitos humanos. Cada “estatuto” proclamado no poema é uma reafirmação dos direitos básicos do ser humano, muitos dos quais estavam sendo violados durante a ditadura. Assim, “Estatutos do Homem” rapidamente encontrou eco em movimentos de oposição, manifestações, escolas e grupos que se uniam para resistir ao regime.

O impacto cultural de “Estatutos do Homem” está, em grande parte, ancorado na sua simplicidade. Thiago de Mello opta por uma linguagem direta e acessível, o que permitiu que o poema fosse lido, memorizado e disseminado por um público muito mais amplo do que o usualmente atingido pela poesia de cunho político. Cada um dos estatutos enunciados no poema reflete uma verdade universal sobre a condição humana, como o direito à liberdade, à esperança e ao amor, princípios que ressoam em qualquer contexto de opressão.

Essa simplicidade deu ao poema uma longevidade cultural, tornando-o relevante não apenas durante o período da ditadura, mas também em momentos posteriores da história do Brasil, em que questões de direitos humanos, liberdade de expressão e justiça social continuam a ser debatidas. Ele é um texto que permanece atemporal, oferecendo uma visão utópica e esperançosa de um mundo mais justo, onde os direitos inalienáveis do ser humano são respeitados.

Mais do que uma obra literária, “Estatutos do Homem” tornou-se um manifesto político, incorporando o desejo coletivo por mudança e resistência. Ao contrário de textos políticos tradicionais, o poema de Thiago de Mello apela diretamente ao senso de humanidade do leitor, evoca uma sociedade mais justa e equitativa, sem recorrer ao discurso agressivo ou à retórica ideológica. Isso fez com que o poema fosse adotado tanto por movimentos progressistas quanto por pessoas comuns que se sentiam oprimidas pela ditadura.

A repetição da palavra “ficam”, presente em quase todos os versos, estabelece um tom de decreto, como se o poema estivesse instituindo uma nova ordem, uma utopia em que os valores humanistas prevalecem. O uso do imperativo sugere a urgência de sua mensagem, dando ao poema uma dimensão performativa. Thiago de Mello não apenas descreve os direitos humanos; ele os declara como um fato inevitável, uma lei moral acima das leis ditatoriais vigentes.

A recepção de “Estatutos do Homem” não se limitou ao campo literário. O poema ultrapassou as fronteiras da poesia e foi amplamente difundido nas artes e na cultura popular. Ele foi declamado em eventos públicos, citado em discursos e utilizado em protestos. Sua mensagem foi incorporada por músicos, dramaturgos e outros artistas que viam na obra de Thiago de Mello uma expressão de sua própria luta pela liberdade de expressão e direitos civis.

No campo literário, o poema reforçou o papel da poesia como um veículo de intervenção política e social, contribuindo para o movimento da literatura engajada, que marcou boa parte da produção cultural brasileira nas décadas de 1960 e 1970. Autores como Ferreira Gullar e Vinicius de Moraes também se destacaram nesse período por suas criações artísticas que denunciavam as injustiças do regime militar.

Décadas após a sua criação, “Estatutos do Homem” continua a ter impacto, tanto no Brasil quanto internacionalmente. Sua mensagem de respeito pelos direitos e liberdade transcende fronteiras e épocas, sendo aplicável em qualquer contexto de opressão. Em tempos de crise política ou social, o poema de Thiago de Mello ressurge como um farol de esperança, inspirando novas gerações de ativistas, poetas e cidadãos a lutar por um mundo mais justo.

No Brasil contemporâneo, em que as questões de desigualdade, liberdade de expressão e justiça continuam a ser discutidas, o poema de Thiago de Mello mantém sua relevância. Ele é frequentemente revisitado em contextos educacionais, culturais e políticos como um lembrete de que a luta é uma tarefa contínua.

O impacto cultural e literário de “Estatutos do Homem”, de Thiago de Mello, é inegável. O poema não apenas reflete as angústias e esperanças de um período sombrio da história brasileira, mas também se estabeleceu como um manifesto universal pelos direitos humanos. Sua simplicidade, aliada à profundidade de sua mensagem, fez com que transcendesse o campo da literatura e se tornasse uma peça chave na luta pela justiça e liberdade. Mais do que um poema, “Estatutos do Homem” é uma declaração de fé no ser humano e em sua capacidade de resistir e transformar o mundo.

A Universalidade da Mensagem

“Estatutos do Homem”, de Thiago de Mello, é um poema de profunda relevância histórica e literária que transcende seu contexto original, ecoando valores universais que ressoam até os dias de hoje. Sua mensagem se estende para além das fronteiras nacionais e temporais, tocando em princípios fundamentais da humanidade: liberdade, justiça, paz e amor. O poema é uma ode à dignidade humana e um manifesto contra a opressão, convidando à reflexão sobre os direitos e deveres inerentes a cada ser humano.

Escrito em 1964, “Estatutos do Homem” foi uma resposta direta às circunstâncias sombrias da época. Thiago de Mello, poeta engajado politicamente, transformou sua arte em um ato de resistência. O poema, estruturado como um conjunto de leis imaginárias, reivindica o direito à liberdade em uma era de censura e opressão. O cenário de repressão brasileira é apenas o pano de fundo imediato; o poema transcende essa realidade específica, abordando questões que podem ser identificadas em qualquer regime autoritário ou situação de violação de direitos.

Os valores defendidos por Thiago de Mello são universais. Ao clamar pela “vida sem muros” e pela “proibição de proibir”, ele afirma a primazia da liberdade e da igualdade, valores que envolvem toda a trajetória da humanidade em busca de justiça e paz. A simplicidade com que o poeta formula esses “estatutos” é poderosa. Ele não se dirige apenas ao povo brasileiro sob a ditadura, mas à humanidade como um todo. O poema evoca uma visão utópica de uma sociedade onde a solidariedade prevalece sobre o egoísmo, onde o amor é lei suprema e onde todos são livres para existir em sua plenitude.

A universalidade do poema fez com que ele fosse adotado como bandeira por movimentos ao redor do mundo. O texto se tornou um símbolo da luta contra a opressão, servindo como inspiração para ativistas, poetas e intelectuais em diversas partes do globo. Mesmo fora do Brasil, “Estatutos do Homem” é lido e reinterpretado em contextos de repressão política, conflitos sociais e lutas por liberdade. Em cada nova leitura, o poema ganha renovado significado, adaptando-se às circunstâncias locais, mas mantendo seu núcleo de esperança e resistência.

“Estatutos do Homem” é construído de maneira acessível, utilizando uma linguagem simples e direta. Essa simplicidade confere ao poema uma leveza que contrasta com a profundidade de sua mensagem. Cada “estatuto” parece brincar com a ideia de leis formais, estabelecendo um código ético baseado na bondade e na compaixão. O poema propõe um novo pacto social, fundamentado na confiança e na fraternidade, desafiando a lógica repressiva das ditaduras e de sistemas opressores. A escolha pela forma de estatuto é, portanto, uma ironia poderosa: o poema se apropria de um formato autoritário, mas o preenche com uma mensagem libertária.

O poema de Thiago de Mello continua a ser revisitado e reinterpretado em diferentes contextos políticos. Sua relevância não se limita a um período específico da história brasileira. Em tempos de crises democráticas ou ascensão de governos autoritários, “Estatutos do Homem” surge como uma fonte de inspiração e um lembrete de que a liberdade de expressão e a dignidade são inalienáveis. O caráter atemporal da obra permite que ela seja constantemente redescoberta por novas gerações, mantendo sua capacidade de emocionar e mobilizar.

No coração do poema está uma mensagem de esperança. Ao longo dos “estatutos”, Thiago de Mello apresenta uma visão otimista da humanidade, acreditando na possibilidade de transformação social e na construção de um mundo mais justo. Mesmo diante da opressão, o poema não perde a fé na capacidade do ser humano de resistir e criar novas formas de convivência. A crença no poder do amor como força transformadora é central no texto, demonstrando que, mesmo em tempos sombrios, há luz e resistência.

Embora nascido no Brasil e profundamente enraizado em suas questões políticas, Thiago de Mello é um poeta de alcance internacional. “Estatutos do Homem” é apenas um exemplo de como sua obra dialoga com questões universais. Sua poesia tem sido traduzida para várias línguas e apreciada em diferentes culturas, provando que a verdadeira arte ultrapassa fronteiras geográficas e políticas. A obra de Thiago de Mello garante que sua mensagem permaneça relevante em qualquer parte do mundo.

“Estatutos do Homem”, de Thiago de Mello, é uma obra que se eterniza por sua capacidade de articular, de forma poética, os direitos inalienáveis. Sua mensagem ultrapassa o contexto repressivo em que foi criada, transformando-se em uma declaração de princípios para todas as pessoas que buscam justiça, liberdade e dignidade. A simplicidade de sua forma contrasta com a profundidade de seu conteúdo, tornando-o uma obra essencial não só para o Brasil, mas para toda a humanidade.

A Força Universal de “Estatutos do Homem”

Thiago de Mello, um dos poetas mais engajados da literatura brasileira, marcou profundamente a poesia de resistência com sua obra “Estatutos do Homem”. Publicado, em 1964, este poema se tornou um marco de oposição pacífica e poética contra a tirania. Mais do que uma simples composição literária, “Estatutos do Homem” é um manifesto que ecoa valores universais, como a liberdade, a igualdade e a fraternidade, e se mantém relevante e inspirador até os dias de hoje.

Mello, fortemente influenciado pelo contexto político da época e pela sua convivência com Pablo Neruda, amigo e mentor durante o exílio no Chile, encontrou na poesia uma forma de lutar contra a opressão sem apelar para a violência. “Estatutos do Homem” representa essa postura humanista e pacífica, um convite à preservação dos valores mais básicos e essenciais que definem nossa humanidade.

Um dos aspectos mais notáveis de “Estatutos do Homem” é a simplicidade da sua linguagem. Com versos acessíveis e diretos, Thiago de Mello propõe uma reflexão de forma quase utópica, apelando ao que há de mais puro e natural no ser humano. Ao invés de confrontar diretamente o regime com retóricas violentas, o poema se apoia na simplicidade dos gestos e dos sentimentos para sugerir uma forma de vida mais justa e harmônica.

Embora “Estatutos do Homem” tenha nascido em um contexto político muito específico, sua mensagem é universal. O poema transcende as fronteiras do Brasil e toca questões que ressoam com as aspirações humanas em qualquer parte do mundo. A defesa dos direitos básicos, como a liberdade e a dignidade, é uma causa que atravessa culturas e gerações, o que explica o impacto global da obra de Thiago de Mello, cujos versos foram traduzidos para mais de trinta idiomas.

Assim como o chileno Pablo Neruda, que via na poesia uma arma para transformar o mundo, Thiago de Mello acreditava no poder da palavra para lutar contra a injustiça. “Estatutos do Homem” se configura como um manifesto poético que, mais do que uma denúncia, oferece uma visão alternativa para a sociedade.

Outro aspecto fundamental da obra de Thiago de Mello, presente também em “Estatutos do Homem”, é a sua relação íntima com a Amazônia. Filho da floresta, nascido em Barreirinha, no coração do Amazonas, o poeta sempre carregou em suas palavras o amor pela natureza e a urgência de sua preservação. O cuidado com a Amazônia, e com a vida que nela habita, atravessa boa parte de sua produção literária.

Essa preocupação com o meio ambiente, faz de Thiago de Mello um dos primeiros poetas brasileiros a articular uma consciência ecológica em sua poesia, prevendo as catástrofes ambientais e sociais que o desmatamento e a destruição da floresta trariam ao mundo. “Estatutos do Homem” reflete esse olhar ao trazer uma harmonia entre o ser humano e a natureza, propondo um equilíbrio vital para a sobrevivência de ambos.

Com o passar dos anos, “Estatutos do Homem” continua a ecoar nas vozes de gerações que enfrentam novas formas de opressão e desigualdade. A sua relevância se mantém porque os princípios que defende são atemporais. Em tempos de crise política e ambiental, o poema ressurge como um grito de esperança, um lembrete de que o respeito à vida, à dignidade e à natureza são valores que não podem ser ignorados.

A simplicidade da linguagem de Mello e sua mensagem de paz e justiça tornaram “Estatutos do Homem” uma obra universal. A resistência poética de Thiago de Mello continua viva, inspirando movimentos sociais e políticos em diversas partes do mundo. Suas palavras, enraizadas no contexto brasileiro, transcenderam fronteiras, fazendo de sua poesia um patrimônio da humanidade.

Thiago de Mello, com “Estatutos do Homem”, consolidou seu lugar como uma das vozes mais poderosas e engajadas da poesia latino-americana. Seu legado não se limita à poesia, mas se estende à luta por uma sociedade mais justa e equilibrada. Ele conseguiu, com palavras simples e acessíveis, construir uma obra que ressoa com as mais profundas aspirações por liberdade e dignidade. O legado de Thiago de Mello é uma poesia de resistência e de esperança, que continuará a inspirar todos aqueles que lutam por um mundo melhor, onde os “Estatutos do Homem” sejam respeitados e honrados.

Vicente Freitas

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Titian, Three Ages

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Vicente Freitas



Bela Cruz, 30 de maio de 2004


 

Meu prezadíssimo poeta Soares Feitosa

 

“...e fiquei pescando de mão,

dentro do açude, só.

Peguei muita chamichuga,

mas não peguei um corró”.

 

Acabei de ler agora meditadamente o seu Estudos & Catálogos – Mãos: quanto a estilo – uma linguagem inventiva, enfim, um esplêndido prefácio e não estou fazendo a menor concessão pra afirmar esplêndido. Estou com Mário de Andrade quando dizia que a arte é um elemento de vida e não de sobrevivência; que a beleza não é a finalidade mesma da arte, mas uma conseqüência. Quanto ao admirável Virgílio Maia, tenho lido alguns poemas de sua lavoura, inclusive ESPORAS DE PRATA, que chegou-me às mãos através de um encarte do Jornal “O Pão”; poema que se desenvolve dentro de uma temática regional, com elementos gráficos que ressaltam essa temática. E essa diferenciação gráfica tem um objetivo: aproximar a grafia – das marcas de ferrar gado. Pelo seu prefácio deu pra perceber que Recordel segue a mesma temática.

Corrós de Açude – Também sou velhote... Bom, meu primeiro contato com o nome de Ascendino data do início dos anos oitenta, na Casa de Juvenal Galeno. Naquela época havia lá – o clube dos poetas cearenses – agremiação de jovens sonhadores que se reuniam aos sábados. Foi ali que conheci diversos – com talento para as letras e que hoje figuram na lista dos principais autores da literatura cearense. Dentre os jovens idealistas que freqüentavam a Casa, recordo os amigos – Carneiro Portela, Márcio Catunda, Guaracy Rodrigues, Mário Gomes, Stênio Freitas, Aluísio Gurgel do Amaral Jr., Costa Sena...ali líamos poemas e discutíamos literatura. Também assistíamos conferências com escritores já maduros – Moreira Campos, Artur Eduardo Benevides, José Alcides Pinto, Alberto Santiago Galeno e outros... bom, numa dessas reuniões alguém apresentou um livro de Ascendino Leite. E agora estou vendo a simpatia por esse autor. Valdir Rocha diz: “Preciso conhecer mais coisas do Ascendino”. Acho que o interesse por autores desse porte [e é bom que isso aconteça] tem haver com o que chamamos “mito do sertão”. É que o homem sertanejo é o valente, o honrado, o melhor. Há um “mito do sertão”. Antigo. Está em Franklin Távora, Leota, Cascudo...está nos romances populares, cantados em quadra ou sextilha: “nem a grandeza da corte / de ministros conselheiros / tinha o gozo dos vaqueiros / nos dias de vaquejada”. Juvenal Galeno põe na boca de um vaqueiro: “Não tenho medo de nada, / sou Ferrabraz, sou Roldão / encourado em bom ginete / na frente do boiadão”.  Outros poetas e escritores aceitaram o conceito popular, entre todos, fulgura Euclides da Cunha, escrevendo Os sertões, livro de que todo brasileiro alfabetizado conhece de cor pelo menos uma frase: “O sertanejo é, antes de tudo, um forte”. Pois bem: Ascendino Leite nasceu a 21 de junho de 1915, em Conceição do Piancó, na Paraíba. Jornalista, crítico e ficcionista. Atuou como redator de assuntos parlamentares. Dirigiu e chefiou a redação de vários jornais, no Rio de Janeiro e em São Paulo. Cronista de raros méritos, às vezes, polêmico. Há meio século testemunha a vida cultural brasileira. Publicou diversos livros, dentre os quais: Estética do modernismo, 1936;  A viúva branca, 1953; O salto mortal, 1958; O brasileiro, 1962; Um ano no outono, 1972;  O jogo das ilusões, 1980; Fragmentos, 1997. Na sua obra sobressai o que ele denomina “Jornal literário”.  

 

 

 

 

Joelhos & Mel – Veja, eu, às vezes, sou doido por mel, não tanto de engenho. De abelha. Não o mel dos apiários – centrifugado, filtrado, decantado. Não. Mel de abelha, produzido numa cabaça que chamamos cortiço [caixa em que as abelhas fabricam o mel e a cera] pendurada num galho, no quintal. Quando criança, em nossa casa, não faltava – com farinha; em suma, uma coisa deliciosa que também tem aquelas manhas. Minha mãe preparava, sabia o ponto. Não me preocupava, pois seguro estava que, pondo a minha mão na sua, os joelhos me suportariam. Sem ela eu me sentia definitivamente só. Até que um dia, ela, em vez de enlaçar-me os ombros, partiu. Quando viva; a morte ou o que quer que me pudesse acontecer não me amedrontava. Saudades de minha mãe...

 

Edições Cururu – E isto de ter um nome é fundamental – Carlos Drummond de Andrade ao publicar, em 1930, Alguma poesia – pôs o selo imaginário – Edições Pindorama. É importante que uma publicação tenha data, local e nome da editora, seja Pindorama, Pirineus, Pindaíba... Em 2000 publiquei alguns livros com o selo [imaginário] Kuarup Editora, em 2002 mudei para ABCZ Editora e em 2003 pra Tanoa.  Mas afinal o que vem a ser tanoa? Vem de tanoaria, que quer dizer oficina. E já que faço meus livros num banco de carpinteiro, usando martelo, alicate, estilete e pregos para furar papel – não lhe podia ter escolhido nome mais acertado. Tanoa. Tanoaria. Tanoeiro – o sapo-ferreiro, do Manuel. Entrando nessa genealogia, a Tanoa ainda é parenta das Edições Cururu. Bom, recebi presente seu por demais valioso, uma página no Jornal de Poesia [internet]. Muito obrigado. Mas muito obrigado mesmo! E já que lembrei do velho Bandeira, encerro com trecho do Itinerário de Pasárgada: “Sim, gosto de ser musicado, de ser traduzido e... de ser fotografado. Criancice? Deus me conserve as minhas criancices! Talvez neste gosto, como nos outros dois, o que há seja o desejo de me conhecer melhor, sair fora de mim para me olhar como puro objeto”.

Em tempo: ao receber Estudos & Catálogos – Mãos, fiquei pasmo e ao ler; como Mestre Ascendino: ferrado!

Gratíssimo. Vicente Freitas

 

P. S.: Estou lhe enviando “O Carpinteiro das Letras”, livro  feito na Tanoa Editora, no banco de carpinteiro. Pretendo publicá-lo numa editora de mesmo. Quem  sabe nas Edições Cururu...   


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Jornal do Conto

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Vicente Freitas

Diário do Nordeste, Fortaleza, Ceará, Brasil

[Caderno Cultura, 16.3.2003]


Fábulas Perversas

 

O poeta e ficcionista Dimas Carvalho, nascido, crescido e vivido no Acaraú, lança mais um livro – Fábulas diversas, ou melhor, perversas. Um escritor que, na verdade, sabe apreender as coisas invisíveis e materializá-las em palavras, dentro das leis criativas e fora dos esquemas da lógica – e que pratica largamente o que podemos chamar de humor adstringente, restrito, antes rangente que negro, e que se situa a meio caminho entre o humano e o desumano.

Vamos entrar no túnel do tempo e visitar – Strawberry Hill, em 1750: Uma construção gótica, bizarra e anacrônica, surge ao nosso olhar surpreso e espantado. Quem é, pois, o ocupante deste estranho edifício? Um louco? Não – um homem de letras, rico e ocioso. Trata-se de Sir Horace Walpole, Conde de Oxford, que transformou sua vila num castelo feudal. Deve-se precisamente a um desses seus típicos sonhos o romance O Castelo de Otranto (1767), que povoará de pesadelos, de fantasmas e de pobres heroínas, a literatura popular e os filmes de horror da nossa era. Mas devem-se-lhe também páginas notabilíssimas, autênticas obras-primas em que o absurdo e o irracional, aprisionam e esmagam de terrores sombrios a nossa precária condição humana.

Mas o romance do “castelo” tem vida breve. Nasce com Walpole e morre com Clara Reeve. Só que o grão semeado pelo estravagante Walpole não tem tempo de estiolar. Ann Redcliffe, Gregory Lewis e o reverendo Maturin transplantam-no para um terreno muito mais fértil, onde produzirá flores duradouras – as do romance terrífico, ou, melhor,Vicente Freitas do “romance negro”.

No entanto, o monstro mais famoso da literatura, ainda hoje muito popular, é, indubitavelmente, o Frankenstein, de Mary Godwin, segunda mulher do poeta Shelley, amiga de Byron e Milton. Frankenstein foi publicado em 1818, obtendo imediatamente rumoroso sucesso junto do público e da crítica.

Marquês de Sade (1740-1814), autor de Justina e dos Cento e vinte dias de Sodoma e Gomorra, usa os instrumentos do romance negro, vivificados pelo racionalismo anti-religioso do século XVIII, levado às suas extremas conseqüências, e entra definitivamente na cultura moderna, concorrendo para formar o clima espiritual de que nascerão o  surrealismo e a literatura de hoje.

O primeiro homem de letras americano a fazer da literatura uma profissão é justamente Brockden Brown, importador do medievalesco através das obras de Ann Redcliffe, sendo ele, sem dúvida, o verdadeiro precursor direto de Edgar Poe, autor das “Histórias extraordinárias”, reconhecido hoje mundialmente, depois de ter se tornado pó do pó.

Vivendo em países distantes, provenientes de culturas diversas, o irlandês James Joice (1882-1941) e o tcheco Franz Kafka (1883-1924), apresentam, todavia, vários pontos em comum. Ambos despontam como ficcionistas durante a Primeira Guerra Mundial: Joice em 1914, com “Dublinenses”; Kafka em 1916, com a “Sentença”. Ambos abordam o tema do absurdo da condição humana, que desenvolveram ao longo de toda a sua carreira: Kafka criando parábolas sobre acontecimentos fantásticos no cotidiano de pessoas comuns; Joice retratando o mundo interior numa linguagem elaborada e rica, na qual se mesclam neologismos, expressões eruditas e palavrões. Ambos, enfim, revolucionaram o estilo narrativo, exercendo profunda influência sobre os ficcionistas que os sucederam.

A história da literatura tem mostrado que todo período literário tem suas características próprias, expressas por um conjunto de escritores que refletem em suas obras a concepção de literatura e a visão de mundo da época e da sociedade em que vivem.

Os “pós-modernos” estenderam a busca modernista às potencialidades da consciência humana e à distinção entre o indivíduo e o mundo objetivo por meio de uma subversão deliberada das convenções da ficção. Isso fez surgir uma vasta gama de técnicas, abrindo a ficção para a fantasia, a alegoria surrealista e o realismo fantástico.

Aqui no Brasil temos também ficcionistas que se aproximam desse quase “humor negro” – entre eles podemos destacar Moacyr Scliar e Dimas Carvalho – contistas que procuram apresentar os seus personagens em momentos de crise, como seres cuja essência implica a própria existência problemática. Os personagens revelam-se singulares pelo seu comportamento, num cotidiano de situações em que se misturam o real e o fantástico.

Desde sua estréia na ficção com “Itinerário do reino da barra”(1993), Dimas Carvalho estabiliza algumas características em seus contos. Uma delas é a preferência por personagens carentes de identificação – a maioria com nomes – mas, às vezes, sem traços que os individualize, assim eles representam tipos genéricos, modelos de ação e comportamento, em vez de personalidades, cuja intimidade e psicologia são vasculhadas pela pena do autor.

Entretanto, em toda sua obra, ele não divide as pessoas em boas e más. Há subdivisões no sistema, é claro, mas os reinos em que se dicotomiza não são esses. O fantástico é a grande qualidade ao longo de todos os seus contos, os personagens fictícios ou reais, as coisas, as paisagens, as idéias. É que ele tem sede jamais saciada de ternura humana, de comunicação. Daí essa fixação para certo inconsciente, na poesia das coisas e das pessoas, contraste à aspereza e a violência do mundo que o machuca, resposta sempre buscada à própria solidão.

Vamos conhecer um pouco seus personagens: Em Os gêmeos, p. 10 – Ageu e Agesilau; Anaxágoras e Anaxímenes; Araquém e Araribóia; Zózimo e Zuínglio; Zaratustra e Zoroastro, para terminar com Tomás ou Tomiah. Em O manuscrito, p. 17 – Epaminondas Pitágoras da Cunha e Eleutério. Em Odisséia de Bernardo Tracajá, p. 25 – Bernardo e Teógenes, o sobrinho. Em Branca de Neve e os sete gigantes, p. 64 – Alquitofel, Adamastor, Judicael e outros. Em Tango em Itapemba, p. 77 – D. Afonso, Lindaura, João Guilherme. Em Zé Tatu, p. 79 – velho Adonias, Severino, dona Zefinha. Em Quarentena, p. 85 – José da Silva (Zé-povinho), encontrado em todas as veredas, becos e ruas, em todas as páginas de todos os livros.

Outra característica do autor é sua preferência pelo insólito, quando narra, vez por outra, acontecimentos impossíveis – fatos, no mínimo, inusitados, mistura de normalidade e fantasia; do real e sobrenatural, maneira típica do realismo fantástico, num estilo de narrativa característico do pós-moderno.

Nascido a 28 de janeiro de 1964; aos doze anos começou a escrever poemas e contos, tendo publicado alguns no jornalzinho “Jovens que se comunicam”, mimeografado pelo Grêmio Cultural Irmã Consolação, de Acaraú, publicando também no “Semeador”, órgão da Pastoral da Juventude de Sobral, editado nas oficinas do Correio da semana. Em 1978 escreveu o conto “As minas de ferro”, um trabalho de classe, dirigido pelo professor de português  Mons. José Edson Magalhães.

Licenciado em letras e com mestrado em literatura brasileira, pela Universidade Federal do Ceará, é professor de teoria da literatura, na Universidade Estadual Vale do Acaraú, UVA, em Sobral. Publicou os seguintes livros: “Poemas”, 1988; “Frauta ruda agreste avena”, 1993; “Itinerário do Reino da Barra”, 1993; “Nicodemos Araújo, poeta e historiador” (em parceria) 1995; “Mínimo plural”, 1998; “Histórias de zoologia humana”, 2000; “Fábulas perversas”, 2003, “Marquipélago”, 2004.

Dimas Carvalho, nascido, crescido e vivido em berço de tantos intelectuais ilustres, traz mais uma vez a marca de sua vocação autêntica de ficcionista, no livro que ora apresentamos ao público, e que ele intitulou Fábulas perversas. São histórias freqüentemente fantásticas que deixam sempre o saldo crítico – em nível satírico – da dolorida condição humana.  

 

 

 

 

 

01/11/2006