Wilson Martins
Prosa & Verso
Os tumultuados bastidores
da Academia
As eleições acadêmicas, como todas as
outras, desencadeiam nos candidatos um irreprimível frenesi de
obsessão patológica. Pessoas normalmente sensatas e ponderadas
perdem o controle das emoções e do sistema nervoso como o poeta
desatinado que respondeu a Fernando de Azevedo, já comprometido: "Eu
não quero o seu voto, quero a sua vaga!". Tais excessos não são
raros, embora amortecidos com discrição nos anais da pequena
história, que os desencava para o anedotário geral da academia. Mas,
em conjunto, as eleições transcorrem em quadro de subserviência e
lisonja, na busca aflitiva da paternal complacência dos imortais
que, nessas ocasiões, bem percebem como são mortais os seus
companheiros das quintas-feiras.
A exemplo de Austregésilo de Ataíde,
presidente quase imortal do ilustre sodalício, que dizia a Josué
Montello, com alguma ironia, haver enterrado quase uma centena de
colegas. Renato Berbert de Castro teve a excelente idéia de estudar
os mecanismos dos sufrágios através da correspondência de Xavier
Marques (1861-1942), um dos menores das nossas letras e que, assim
mesmo ou por isso mesmo, sucedeu a Inglez de Sousa (1853-1918),
outro menor, que substituiu João do Rio (1881-1921), ainda outro
menor, objeto, atualmente, de um interesse que tudo indica efêmero
(Renato Berbert de Castro, org. Xavier Marques e a Academia
Brasileira de Letras. 2 vols. Rio: Academia Brasileira de Letras,
1996).
Hoje esquecido, Xavier Marques foi a
encarnação paradigmática da literatura acadêmica, ao ponto de
receber-lhe a consagração glória futura (...)."
Alguns se vingam, entretanto, como o
ardiloso Monteiro Lobato, candidato infeliz em duas oportunidades:
em 1921, na vaga de Pedro Lessa, e em 1926, na de João Juís Alves.
Derrotado e humilhado: lembrava Múcio Leão que esse "escritor de
talento" fôra duas vezes repelido. Na primeira, recebera um voto no
terceiro escrutínio, e, na segunda, dois votos no quarto.
Em 1944, Cassiano Ricardo congeminou a
cabala que poderia elegê-lo sem que de fato se candidatasse.
Consultado a respeito, respondeu que, como a iniciativa partira,
"espontaneamente, de numeroso grupo de amigos e (sic) acadêmicos,
não poderia esquivar-se da honrosa lebrança". Reunidas as dez
assinaturas necessárias, surgiu a chicanice que Lobato escondia na
manga: aceitava a indicação, mas recusava-se a declarar que
"desejava concorrer à vaga." A essa altura, revelou ainda Múcio
Leão, "os jornais de São Paulo e do Rio começaram a publicar
entrevistas com o sr. Monteiro Lobato (...) o escritor dizia coisas
realmente deliciosas acerca da nossa instituição. Em uma dessas, por
exemplo, assegurava que a seu ver a Academia era uma lata".
Os imortais não guardaram rancor e
mantiveram a indicação mas, para deixar tudo perfeitamente claro,
Lobato declarou aos jornais que estava disposto a recusar a eleição
no último minuto. E encerrou oficialmente essa tempestade numa
chávena de chá respondendo à academia que "nascera rebelde e rebelde
pretendia morrer."
Outra candidatura polêmica e até
provocadora foi a de por assim dizer oficial de ser incluído em
antologia didática, no caso uma das mais prestigiosas, organizada
por Fausto Barreto e Carlos de Laet, pela qual se formaram e
deformaram os espíritos de jovens brasileiros em numerosas gerações.
Mestre do elogio acadêmico, Josué Montello, reconhecendo que Xavier
Marques deixou a importalidade dos seus dias pelo oblívio dos
nossos, rememora, na introdução, o convívio escolar com a "Antologia
brasileira", que "não se limitava ao texto dos escritores - trazia
para cada um deles o retrato, inserido na notícia bibliográfica. Foi
assim que, além de ler um belo trecho de Xavier Marques, extraído de
um de seus romances, "O sargento Pedro", lhe guardei os vastos
bigodes, que ultrapassavam seu rosto comprido, dando-lhe uma
seriedade distante, quase hostil."
Segundo Renato Berbert de Castro, seu
declínio pessoal e literário começou aos 63 anos, a partir de 1924,
quando se recolheu definitivamente à residência baiana. Mas,
enquanto viveu teve nas mãos pelo menos uma parte do destino de
numerosos escritores, conforme se vê neste epistolário. Em tópico
que bem mereceria exploração mais aprofundada, Berbert de Castro se
refere à singularidade das eleições: alguns escritores (e até
não-escritores, acrescento por minha conta) na primeira tentativa,
"sem que tivessem a sinistra ameaça de concorrentes."
Outros, ao contrário, só ganham a
investidura depois de rejeições numerosas, "aceitando de bom
semblante a tristeza e o amargor de derrotas sucessivas, fingindo,
então, acreditar que elas eram os degraus que deviam ser galgados,
para atingir Oswald de Andrade, que se apresentou em duas
oportunidades diferentes, desafiando os conservadores da Academia a
endossar a sua bandeira modernizadora (duas décadas depois de Graça
Aranha): "será V. S. daquelas teimosas velhas de Botafogo que ainda
acreditam no pavoneio dos títulos literários, roubados aos
verdadeiros trabalhadores da cultura?" Candidatando-se, ele admitia
tacitamente acreditar no pavoneio dos títulos literários, mas, de
qualquer maneira, os acadêmicos não o reconheceram como "verdadeiro
trabalhador da cultura": teve um voto, do amigo Guilherme de
Almeida, não o de Cassiano Ricardo, como este último se vangloriava
astutamente alguns anos depois.
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