Wilson Martins
Prosa & Verso, 30.11.96
O culto delirante em torno
de Leminski
Em agosto de 1911, tudo o que havia de
intelectual e artístico em Curitiba assistiu à Festa da Primavera
numa ilha do Passeio Público a fim de sagrar Emiliano Perneta como
Príncipe dos Poetas no momento em que publicava o volume de
"Ilusão". No ambiente de fervente helenismo então promovido pelo
neopitagórico Dario Vellozo, os oficiantes, envoltos em clâmides
largas e solenes, chegaram em luxuosas carruagens e longas
procissões, entoando hinos religiosos da antiga Hélade. Foi um
espetáculo dificilmente imaginável em outras circunstâncias, escreve
Andrade Muricy no "Panorama do movimento simbolista brasileiro".
Como a um tragedista ou um épico
helênico, ou a um poeta da Academia romana da Renascença, coroaram
Emiliano Perneta. A coroa que lhe cingiu a fronte, numa cerimônia
nobre e singela, era de louros naturais, mas a dádiva ilustre, que
lhe fizeram alguns milhares de admiradores, foi de um simples
exemplar de "Ilusão", revestido de veludo e com o nome e o título em
letras de ouro verdadeiro, num cofre de madeiras preciosas, hoje no
museu Paranaense. (...) A admiração a Emiliano Perneta fê-lo
vitorioso naquela prova perigosa, em que, dada a quotidianice
tediosa do decorum burguês, tal apoteose poderia beirar o rídiculo.
Essas imagens retornam com as
reedições de "Ilusão" e de "Cinerário", de Dario Vellozo,
organizadas por Cassiana Lacerda Carollo (Curitiba: Prefeitura
Municipal, 1996). Se Dario Vellozo representou no Brasil o lado
religioso e até ocultista da época simbolista, seu contemporâneo
Emílio de Menezes ("Poesia lírica & satírica." Edição crítica de
Cassiana Lacerda Carollo. Curitiba:
Prefeitura Municipal, 1996) situa-se
literalmente no pólo oposto, pertencendo à geração realista dos
parnasianos. Observe-se, de passagem, que, no enquadramento
cronológico, a escola simbolista não sucedeu à parnasiana, como nos
fazem crer os manuais didáticos: ambas são rigorosamente paralelas.
Produto da reação "espiritualista" finissecular, nem por isso o
simbolismo deixou de ser uma ilha (já que falamos delas...) na
impetuosa corrente parnasiana. Uma e outra vinham de fontes
francesas, que os modernistas de fato não repudiaram, embora lhes
acrescentassem as italianas, impostas pela vitalidade avassaladora
de Marinetti e seus amigos.
Tal situação durou até a última guerra
mundial, que, fortalecendo o prestígio das literaturas de língua
inglesa, introduziu novos mestres do pensamento crítico e da criação
poética, nomeadamente T. S. Eliot, James Joyce e Pound, que
fascinaram os discípulos brasileiros: "um dias desses quero ser/ um
grande poeta inglês," escrevia Paulo Leminski em "Caprichos &
relachos" (1983), começando os exercícios desde logo com alguns
pequenos poemas na língua canônica.
Os fundos de gaveta que compõem "O
ex-estranho" (Curitiba/ São Paulo: Prefeitura Municipal/ Iluminuras,
1996), se nada acrescentam ao que se conhecia, confirmam o culto
delirante que se formou em torno dele: sua obra, diz na apresentação
Geraldo Pougy, presidente da Fundação Cultural de Curitiba, "vai um
passo além da renovação de James Joyce e Guimarães Rosa".
Nada menos. Apresentados na pauta
habitual de hipérbole crítica por Fred Góes e Álvaro Marins, os
"Melhores poemas" de Paulo Leminski (São Paulo: Global, 1996),
formam o texto canônico para uma leitura crítica que se torna cada
vez mais urgente.
As manifestações provincianas que são
os eventos Perhappiness, realizados anualmente em sua memória,
assemelham-se, nas palavras do crítico Miguel Sanches Neto, à
coroação de Emiliano Perneta.
A Curitiba de hoje, que se vê também
como uma ilha da cultura civilizada nestes mares tropicais, coroa
metonimicamente em Leminski a modernidade a que ele aspira. "O poeta
foi institucionalizado", conclui ele, "erigido em símbolo cultural
da cidade: houve uma passagem da experiência marginal de
franco-atirador para o período de canonização".
Por inesperado, Ezra Pound, cujo
domínio do chinês, segundo os entendidos, deixava algo a desejar,
popularizou entre nós a imitação da poesia oriental, traduzida em
laboriosas imitações, como em Wilson Bueno ("Pequeno tratado de
brinquedos" Curitiba/ São Paulo: Prefeitura Municipal/ Iluminuras,
1996), poemas de solfejos gratuitos a que falta a autencidade
existencial e humana que se encontra, por exemplo, em Fábio Campana
( "O paraíso em chamas") e Walmor Marcelino ("Malva, fráguas e
meçanilhas"), ambos de 1994 na Travessa dos Editores, em Curitiba.
São poetas da cidade (no sentido
cívico da palavra) e por isso mesmo da vida real, da aventura
ideológica, agora dissolvida no ácido corrosivo do desengano. Foram
"passageiros da utopia", lê-se no verso de Walmor Marcellino, a que
Fábio Campana responde em contracanto:
"Minha geração transitou em sonhos/
entre a idade de ouro que não conheceu/ e o mundo novo que não
conquistou./ Tombou na guerra fria,/ pisando em falso,/ nas ilusões
heróicas./ Onde, meu amigo, /guardamos as bandeiras da última
passeata?". Intitula-se "Esperança" o poema em que Walmor Marcellino
se via como "passageiro da utopia" ou da "Esperança" (título de um
poema): "Paraíso das Antilhas", escreve ele, "esperança desta
América." Contudo, é de melancolia e memórias afetivas o tom geral
das duas coletâneas, nostalgia que procura compensar pela inocência
da infância as desilusões da idade adulta. Em Walmor Marcellino o
próprio título reconduz ao "verde paraíso" da infância perdida;
Fábio Campana encontra um capítulo da história do Paraná na história
de sua família: "Vieram de longe" (...) "buscando coragem / buscando
caminho."
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