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			Wilson Martins 
   
			
			
  08.09.97
 
			
 Renascenças Curitibanas
 
 
			  
			
 
			Curitiba conheceu nos anos 40 uma 
			pequena renascença literária, simétrica à que, florescendo em torno 
			de Emiliano Perneta dos finais do século XIX até o seu falecimento 
			em 1921, foi se desfazendo aos poucos depois do momento glorioso de 
			sua coroação como Príncipe dos Poetas Paranaenses na grande 
			celebração helênica do Passeio Público, em 1911. O clima de nostalgia espiritual que 
			então se estabeleceu impediu que a renovação modernista surgisse no 
			momento próprio, embora proclamada em 1926 por Jurandir Manfredini, 
			mas recebida com risos escarninhos e paródias depreciativas diante 
			da incredulidade geral (v. Wilson Martins. "Literatura paranaense: 
			mitos e realidades". Revista da Academia Paranaense de Letras, 35,
 1996).
 
			Na década de 40, as juvenilidades 
			auriverdes, congregadas em revistas e cafés, enfrentaram as 
			senectudes tremulinas da era emiliana, enquanto um combatente 
			chegado do espaço, o alagoano De Plácido e Silva, criando a Editora 
			Guaíra em 1939, faria de Curitiba um dos centros editoriais mais 
			ativos do país. No que aos autores locais se refere, ele 
			privilegiava justamente os sobreviventes daquela época para sempre passada, enquanto publicava traduções de romances 
			estrangeiros, sem excluir os latino-americanos de coloração 
			esquerdista (como Dona Barbara, traduzido por Jorge Amado) e um 
			Estande do Pensamento Social, que ia do ABC do comunismo, de
 Bukharin, a Nova mulher e a moral sexual, de Alexandra Kolantai, e à 
			Origem do capital, de Karl Marx (tudo isso em pleno Estado Novo!).
 
			Quanto aos autores nacionais, a Guaíra 
			preferia os consagrados, como Mário de Andrade, Luís Martins ou 
			Sérgio Milliet, além de uma enorme programação de ordem geral (sobre 
			De Plácido e Silva, v. Juril Carnasciali. "De Plácido e Silva: o 
			editor". Gazeta do Povo, 5/6/1994; Wilson da Silva Bóia. Plácido e 
			Silva, obra inédita, embora premiada, em 1992, no III Concurso 
			Nacional de Ensaios da Secretaria de Cultura do Paraná; Leilah Santiago Bufrem. "A Editora Guaíra: 
			contribuições ao debate", comunicação ao simpósio História da 
			literatura no Palácio. Curitiba: Associação Cultural Avelino A. 
			Vieira. Curitiba, 1995, e, claro, o indispensável Laurence Hallewell. 
			O livro no Brasil. São Paulo: T. A. Queiroz, 1985).
 
			A polarização entre as senectudes 
			tremulinas e as juvenilidades auriverdes não era tão radical nem tão 
			absoluta quanto fazem crer as simplificações polêmicas, porque, se a 
			Editora Guaíra, acolitada por Jorge Amado, tinha um catálogo de 
			obras socialistas, Carlos Scliar, destacado pelo PCB para 
			evangelizar os jovens intelectuais de Curitiba, ajudava a implantar nos dois campos antagônicos os pseudópodes da 
			Boa Nova. Ao mesmo tempo, claro está, outros agitprop eram mandados 
			pelo PCB para as tarefas mais sérias.
 
			Era, também, o momento dos cafés, não 
			só sentados, mas ideológicos, por afinidades eletivas: se os 
			revolucionários de 1930 preferiam o Café Gaúcho de saudosas 
			reminiscências guerreiras, os integralistas reuniam-se no muito 
			apropriadamente denominado Café Pátria, enquanto o esquerdismo 
			generoso e ingênuo da nova geração estabelecera-se no Café Belas-Artes, hoje evocado pelos 
			remanescentes com a nostalgia das revoluções juvenis (as literárias 
			e as outras). Quanto aos emilianos, ficavam de pé à porta da 
			Livraria Mundial, procurando assimilar por osmose as letras da 
			Editora Guaíra.
 
			Sem a repercussão nem a reputação 
			nacional que seria mais tarde a de Joaquim (criada em 1946 por 
			Dalton Trevisan), a revista O Livro (1939-1945), dirigida por José 
			Cury, incansável fundador de revistas, foi por algum tempo o órgão 
			da nova literatura, cabendo-lhe a distinção de lançar na vida 
			literária o contista Armando Ribeiro Pinto com Os gatos, e os poetas 
			Glauco Flores de Sá Brito (em processo de recuperação) e José Paulo Paes com O aluno, agora reeditado pela 
			Universidade Estadual de Ponta Grossa no programa de sua vigorosa 
			atividade editorial.
 
			Vindo para Curitiba em 1944, atraído, 
			como numerosos estudantes de outros estados, pela Universidade ainda 
			não federalizada, José Paulo Paes iniciava com esse livro (publicado 
			em 1947) a carreira que o situaria entre os nossos escritores de 
			primeira linha, como poeta, tradutor e ensaísta. A cidade, escreve ele, 
			dispunha de um "local privilegiado" para a prática das atividades 
			que considerava como mais importantes: a literatura e a política. 
			Era o Café Belas-Artes: "ponto de encontro de jornalistas, 
			escritores, artistas plásticos, músicos, comunistas e pequenos 
			corretores. [...] Além de mim, os membros mais assíduos dessa roda 
			de amigos eram o poeta Glauco Flores de Sá Brito, o contista e 
			crítico de cinema Armando Ribeiro Pinto e o jornalista e ensaísta
 
			Samuel Guimarães da Costa. Mais tarde, 
			juntou-se a nós Eduardo Rocha Virmond, futuro crítico de arte, que 
			disse haver sido o Belas-Artes "a melhor universidade que o Paraná 
			jamais teve." (Quem, eu? Um poeta como outro qualquer. São Paulo: 
			Atual, 1996). Havia uma derivação secundária, mas importante, no 
			divisor de águas: os emilianos alimentavam uma visão sentimentalóide 
			do Paraná, denominada de paranismo e simbolizada pelo pinheiro - 
			lugar-comum obsessivo da subliteratura. Acontece que, a essa altura, 
			as artimanhas do destino e as vicissitudes da política conduziram o 
			historiador Brasil Pinheiro Machado à interventoria federal do 
			estado. É preciso ter em mente o seu nome, as obsessões paranistas e 
			o clima intelectual do momento para compreender as alusões do poema 
			"Curitiba", que José Paulo Paes, anos mais tarde, incluiria na sua 
			geografia sentimental: 
 o interventor do estado
 era um pinheiro inabalável.
 inabaláveis pinheiros igualmente
 o secretário de segurança pública
 o presidente da academia de letras
 o dono do jornal
 o bispo o arcebispo o magnífico reitor
 
 ah se naqueles tempos
 a gente tivesse
 (armando glauco dalton)
 um bom machado!
 
 
			Chaves, por ordem de entrada: Brasil 
			Pinheiro Machado, Valfrido Piloto, Oscar Martins Gomes, De Plácido e 
			Silva, D. Alberto Gonçalves e Flávio Suplici de Lacerda. O bispo 
			entrou na história apenas pela figuração. 
 
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