A marginalidade de Tasso da Silveira
(1895-1968) em nossa vida literária tem aspectos curiosos (“Poemas”.
Org. e sel. Ildásio Tavares. São Paulo/Rio: GRD/ABL, 2003). Por um
lado, foi sobrevivente algo anacrônico do Simbolismo em plena era
modernista — mas de um simbolismo que, a essa altura, estava
fortemente impregnado de Parnasianismo, como sempre esteve, pelo
menos no que se refere às técnicas de versificação (sob esse
aspecto, Cruz e Sousa é poeta parnasiano, Andrade Muricy dixit ) —
mas um parnaso que se desfazia, ele próprio, juntamente com o
Simbolismo, no que se convencionou chamar de Penumbrismo.
Era, nas duas primeiras décadas do
século XX, um falso simbolismo, ou, se quisermos, um simbolismo da
vida quotidiana, por oposição aos castelos e princesas dos
ortodoxos: basta lembrar que Manuel Bandeira começou como
penumbrista e só chegou, de fato, ao Modernismo em 1930. Era uma
capela que resistiu quanto pôde às investidas heréticas de São
Paulo, processo, aliás, vitorioso a longo prazo na exata medida em
que acompanhava os desgastes naturais de uma vanguarda amadurecida e
transformada em “moderno”, o que aconteceu na década de 1930.
Mas, sendo marginal das grandes
correntes dos anos de 1920 e 1930, Tasso da Silveira viu-se
incorporado como figura marcante no centro da reação católica,
naqueles dias mais combativa e reivindicativa do que nunca (Jackson
de Figueiredo, Tristão de Athayde). Foram os anos da vitoriosa
influência “espiritualista” na Constituinte de 1934 com a
constituição igualmente reacionária que se dissimulava sob etiquetas
progressistas, como a representação classista no Parlamento. Foram,
também, os anos da revista “Festa”, expressa e deliberadamente
criada para combater os modernistas de São Paulo, às vezes com
grosseria e truculência como no livro do mesmo Tasso da Silveira,
“Definição do Modernismo brasileiro” (1932).
Ser “poeta católico” era uma etiqueta
prestigiosa, como em Jorge de Lima e Murilo Mendes, que propunham a
“restauração da poesia em Cristo”, paralela ao fenômeno ao mesmo
tempo religioso, social e político dos chamados “jovens monges”,
sobre o qual Antônio Carlos Villaça pode contar alguma coisa, tudo,
bem entendido, sob o signo do antimodernismo, porque a modernidade e
o que poderia implicar era, desde os finais do século XIX, palavra
anatemática na doutrina oficial da Igreja.
Nesse quadro, Tasso da Silveira foi
figura paradigmática e prestigiosa, entre os que perdiam prestígio e
centralidade ao ritmo em que se desfazia o movimento de idéias que
representavam, porque esses foram também os anos da avançada
socialista, encarnada nos comunistas, cuja revolta, como se sabe,
ocorreu em 1935, e pelo então vigoroso “romance nordestino”, cujo
programa esquerdista e revolucionário assegurou-lhe, mais do que
qualquer outra coisa, a extraordinária popularidade. No Brasil como
no resto do mundo (no Brasil por causa do resto do mundo), a década
de 1930 foi a década das ideologias contraditórias, cuja resolução
viria em 1939, com a derrota a longo prazo do esquerdismo radical e
do radicalismo direitista: algo da esquerda acabou passando para a
direita e vice-versa, tanto em política quanto no imaginário da
literatura.
No que se refere a Tasso da Silveira,
sua “cosmovisão” como a denomina Leodegário de Azevedo nas páginas
iniciais, “é sempre uniforme, no sentido de que o sentimento de
Deus, que é o próprio sentimento do absoluto e do eterno, unifica
toda a sua obra poética. Assim, a unidade superior que decorre do
próprio sentimento do Absoluto, exprime-se numa temática de cunho
psicológico, não raro angustiada, pelo conflito entre o efêmero da
vida e o fluir ininterrupto do tempo no seio da eternidade”.
De fato, Absoluto, Deus, Eternidade,
Espírito, todas com as maiúsculas de estilo, eram palavras
sacramentais na crítica de inspiração católica, exprimindo certezas
cuja verdade só convencia os convencidos. São contextos em que a
“literatura” será sempre depreciada como intrinsecamente fútil,
definindo-se pela frívola efemeridade e mundanismo pecaminoso. Entre
os doutrinários dessa tendência há, contudo, uma “literatura”
superior às letras leigas e profanas, praticada, essa, com
subentendidos piedosos pela corrente que Leodegário de Azevedo
denomina de “totalista”: “Sua obra (...) reveste-se de sentido
brasileiro e universal, pelo amor às nossas tradições e pelo canto
puro do homem em face do mistério divino”.
“Nossas tradições” é expressão de
código para designar o catolicismo, de forma que, em tudo isso, não
surpreende que Tasso da Silveira se ligasse a Plínio Salgado e ao
integralismo (que era a corrente oficiosa da Igreja brasileira), com
óbvias simpatias pelo fascismo italiano, visto como grande e
inexpugnável fortaleza contra o “comunismo ateu”. Pode-se lamentar
que a matéria tenha sido geralmente tratada no plano polêmico e
partidário, sem a indispensável objetividade que requer, mais do que
qualquer outra. Nesse capítulo, cabe lembrar o livro “Alegoria do
homem novo”, publicado por Tasso da Silveira em 1926, em cujo título
é impossível não perceber o eco do que Georges Valois publicara em
1906 (“L’homme qui vient”) e que, reaparecendo em 1927 na coleção
Renaissance Française, tornou-se o evangelho da extrema direita
encarnada na Action Française, na qual se inscreveu o antigo
anarquista, fundador do Faisceau (feixe, fascio em italiano),
acontecimentos todos que os brasileiros “espiritualistas” não
poderiam ignorar.
Valois afirmava que as idéias
democráticas só continuavam a reinar em países atrasados: “é
evidente desde já que o século XX será o século da autoridade”. Era
no que se acreditava pelo mundo afora entre direitistas e
esquerdistas (todos totalitários), com a mesma fé inquebrantável no
milênio que se aproximava. O “homem que vinha” era, no Brasil, “O
Esperado” (1931), de Plínio Salgado, e certamente, o “homem novo”
também anunciado por Tasso da Silveira. Todos eles combatiam, nas
palavras de Georges Valois, os “três grandes impostores”: Rousseau,
“o falso Homem da Natureza”, Kant, “o falso Homem do Dever” e Karl
Marx, “o falso Homem da Necessidade”. Reconhecem-se nisso as idéias
e o estilo dogmático de Jackson de Figueiredo, mestre de pensamento
de toda essa geração. |