A glória literária de Joaquim Manuel
de Macedo despertou no jovem estudante José de Alencar a nobre
emulação de também se tornar romancista. Nas páginas de “Como e por
que sou romancista”, ele refere que um dos seus companheiros de
república, em São Paulo, era “entusiasta do Dr. Joaquim Manuel de
Macedo, que pouco havia publicara o seu primeiro e gentil romance
(...). Ainda me recordo das palestras em que o meu companheiro de
casa falava com abundância de coração em seus amigos e nas festas
campestres do romântico Itaboraí, das quais o jovem escritor era o
ídolo querido. Nenhum dos ouvintes bebia esses pormenores com
tamanha avidez como eu, para quem eles eram completamente novos. Com
a timidez de meus treze anos (Alencar, nascido em 1829, tinha então
quinze anos), não me animava a intervir na palestra; escutava à
parte, e por isso ainda hoje tenho-as gravadas em minhas
reminiscências a estas cenas do viver escolástico. Que estranho
sentir não despertava em meu coração adolescente a notícia dessas
homenagens de admiração e respeito tributadas ao jovem autor da
‘Moreninha’! Que régio diadema valia essa auréola de entusiasmo a
cingir o nome de um escritor?”.
Nem de longe poderia ele prever que,
treze anos depois, “o sucesso estrondoso de Peri e Ceci” marcaria
para Joaquim Manuel de Macedo “o começo do próprio declínio”,
nomeadamente a partir da década de 1870 (Tania Rebelo Costa Serra.
“Joaquim Manuel de Macedo ou Os dois Macedos: a luneta mágica do II
Reinado”. 2 ed., rev. e atualizada. Brasília: UnB, 2004). A verdade,
contudo, é que está na obra de Macedo (tanto no romance quanto no
teatro) o embrião de José de Alencar e Machado de Assis, por mais
que os preconceitos de leitura e de crítica resistam a admiti-lo.
Assim, observa Tania Serra, “Luxo e vaidade” é melhor que “O demônio
familiar” (...). Sílvio Romero, sempre parcial quanto ao seu teatro,
afirma (...) que essa ‘é a mais bem construída comédia de Macedo’
(...)”, não só ao nível de Hugo, Vigny e Dumas, como ela acentua,
mas ainda, para o que no momento nos interessa, ao nível de Machado
de Assis, se não superior. De minha parte, acredito que há na peça
de Macedo a mesma situação e a mesma perspectiva didascálica de “O
crédito”, porque entre Macedo e Alencar as coincidências recíprocas
mantêm-se com regularidade e fiel alternância.
No capítulo das relações literárias, o
caso Machado de Assis é tanto mais curioso quanto revela, por um
lado, ciumenta e inquieta má vontade com relação a Macedo, e, por
outro, os seus próprios cânones estéticos. Obedecendo fiel e
serodiamente aos preceitos do seiscentismo francês, ele considerava
a comédia teatral um gênero inferior ao teatro dramático, admitindo
apenas a comédia “séria”, tal como a praticou. Segundo a lição de
Boileau, ele tampouco reconhecia o autor do “Misanthrope” no saco
ridículo em que Scapin se enrolou, assim como se recusava a ver em
Macedo um mestre do humorismo cênico. Tania Serra lembra que, em
artigo de 1866 no “Diário do Rio de Janeiro”, mostrou-se “bastante
cáustico com relação a ‘A torre em concurso’. Afirma não ser
legítima a reputação (...) de poeta cômico atribuída a Macedo e
insiste em dizer que o comediógrafo não tem o ‘domínio da alta
comédia, da comédia de caráter’, pois apela à facilidade da sátira e
do burlesco”.
Ora, era de natureza humorística o
talento espontâneo de Macedo, que passou a vida tentando sufocá-la
para atender às idéias feitas da época, inclinada aos dramalhões
cheios de peripécias e sentimentalismo, com reconhecimentos
inesperados de filhos desaparecidos e gargalhadas trágicas de súbita
loucura. Por mais que o teatro e, implicitamente, a literatura
brasileira devam ao trabalho de João Caetano, é preciso reconhecer
que representou a inércia do imobilismo e retrocesso. Numa série de
artigos apontados por Tania Serra como o divisor de águas na crítica
macediana, Temístocles Linhares acentuou a veia satírica e
humorística de Macedo, levando a constatação mais longe: “a clara
influência de Macedo sobre Machado (...) a verdade é que muitos de
tais episódios (da ”Luneta mágica“) lembram Machado, o que faz supor
pelo menos tenha sido Macedo uma de suas leituras preferidas, embora
muita gente possa achar desprimorosa para o autor de ‘Dom Casmurro’
essa influência de leitura”.
Tania Serra reivindica para
Temístocles Linhares a prioridade em apontar a existência de dois
Macedos, contra os lugares-comuns que, sem realmente lê-lo ou
relê-lo, insistem em qualificá-lo como “romancista de sala de
jantar”. Linhares “tem o mérito de também ter sido o primeiro
crítico a apontar semelhanças entre Macedo e Machado de Assis,
declarando que este sofreu nítida influência daquele, pois ‘quem
pode negar tenha Macedo se antecipado ou aberto caminho ao autor das
‘Memórias póstumas’ nesses divertimentos ou processos de higiene
mental destinados a fazer rir ao mesmo tempo que a fazer sentir a
fragilidade do homem e de toda uma organização social e política’”.
Eu diria, conclui ela, que, “assim como há uma primeira e uma
segunda fases em Macedo, existe uma crítica antes de Temístocles
Linhares e outra depois dele. Na verdade, o ensaísta foi o divisor
de águas quanto à apreciação literária do romance macediano, assim
como foi Sílvio Romero quem primeiro ‘detectou’ duas fases no teatro
do autor de ‘Lusbela’”.
Sabe-se que, nos seus últimos anos,
ele passou a escrever desesperadamente, seja para pagar a famosa
“dívida de honra”, seja, como quer Tania Serra, para manter o seu
padrão de vida, tudo isso apesar dos polpudos direitos autorais que
supostamente estaria recebendo pelas sucessivas reedições. A
realidade é outra: pelo regime da época, os autores vendiam as obras
ao editor de uma vez por todas em pagamento único, habilitando-o de
então por diante a explorá-la sem qualquer outra obrigação. Foi
assim que Machado de Assis negociou as suas próprias, conforme
recibo conhecido. Não é sem razão que B. L. Garnier, a quem se deve,
afinal de contas, o desenvolvimento de nossa literatura no século
XIX, recebeu dos ingratos o apelido desprimoroso de Bom Ladrão
Garnier... |