André Seffrin
O que Luís Antonio nos vem dizer
Rio de Janeiro, 14.12.98
É uma surpresa
a presença de Luis Antonio Cajazeira Ramos no cenário de nossa
poesia contemporânea. Se as novas gerações foram pouco a pouco
perdendo contato com as fontes geradoras da poesia e principalmente
com a tradição, Luis Antonio faz a sua estréia dando uma lição de
poesia e de domínio das formas fixas, com ênfase no soneto. Sem medo
dessa espécie de camisa-de-força, corre os maiores riscos para
alcançar os melhores resultados. Há cerca de 60 anos, Vinicius de
Moraes e Mario Quintana reabilitaram o soneto para o espírito
moderno.
Trabalhando
basicamente essa forma-fôrma, já de início Luis Antonio merece um
olhar diferente do público e da crítica. Sobretudo porque se trata
de um estreante senhor de seus recursos. Recursos comuns somente em
autores com muito mais tempo de estrada.
Na orquestração
de seu vasto imaginário, o poeta se impõe de imediato na esteira de
uma nova vanguarda: aquela que busca reabilitar o verso. Sua dicção
estranha mescla diversos estilos de época, ao ponto de parecer um
extemporâneo. Guarda, sim, algumas semelhanças e identidades, mas
não seria exagero dizer que se parece com muitos e com nenhum. Sobre
este aspecto, sentencia Assis Brasil: trata-se de um poeta sem
epigonismos. Arrisco dizer que Luis Antonio é uma espécie de
ancestral de Gregório de Matos Guerra e de Augusto dos Anjos,
mergulhado no burburinho contemporâneo, no furor das ruas, no
redemoinho deste tempo. Para usar uma de suas mais belas imagens, um
tempo de fiat breu.
Maduro na
técnica, é um poeta de grande riqueza verbal e tem o sentido do
encantatório e a serenidade das medidas. Nos infinitos torneios
verbais que executa com mestria, há um domínio incomum da matéria,
espantosa bagagem que arranha o mediúnico, própria dos verdadeiros
poetas. E talvez seja mesmo a imprecação, destacada por Hélio
Pólvora, uma das características mais fortes de sua poesia.
Crispado,
agônico, sátiro, o poeta caminha sem medo de ferir ou ferir-se,
aberto ao universo íntimo tanto quanto às intempéries do mundo. Não
será à toa um conterrâneo do já citado Gregório de Matos e de Castro
Alves. Viaja no coração da rua como participante indignado, e não
faz concessões, não se deixa abraçar pelas facilidades. Talvez por
isso exija muito do leitor, que só aos poucos penetra na selva
escura de sua insólita música, misto de escuridão e luz, concha de
ressonâncias em que a memória é casa e espanto, riso e risco.
Leia a obra de Luís Antonio Cajazeira Ramos
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