Mais de 3.000 poetas e críticos de lusofonia!

André Seffrin

Ingres, 1780-1867, La Grande Odalisque

Ensaio, crítica & comentário:

 



Alguma notícia do autor:

 

Da esquerda para a direita: Carlos Emílio Correia Lima, André Seffrin, Soares Feitosa, José Alcides Pinto, e o filho de Seffrin. Ideal Clube, lançamento do livro do poeta Ary Albuquerque, 2004, Fortaleza, Ceará.

William Blake (British, 1757-1827), Christ in the Sepulchre, Guarded by Angels William Blake (British, 1757-1827), The Ancient of Days

 

 

 

 

 

Jean L�on G�r�me (French, 1824-1904), Consummatum est Jerusalem

 

 

 

 

 

André Seffrin



André Seffrin (Júlio de Castilhos, Rio Grande do Sul, 1965) é um crítico literário e ensaísta brasileiro. Organizou cerca de 25 livros, dentre os quais Dicionário de Pintores Brasileiros: Walmir Ayala, Antologia Poética de Foed Castro Chamma, as novelas O Desconhecido e Mãos Vazias e Inácio, O enfeitiçado e Baltazar, de Lúcio Cardoso, e os contos e novelas reunidos de Samuel Rawet (Civilização Brasileira, 2004). Também escreveu grande quantidade de apresentações, prefácios e ensaios para autores como Rubem Braga, Gilberto Amado, Carlos Drummond de Andrade, Rachel de Queiroz, Antonio Carlos Villaça e Wilson Martins.

Seffrin ganhou o Prêmio Jabuti duas vezes, em 2017 e 2018, respectivamente pelos livros Caixa Rubem Braga: Crônicas (categoria "Contos e Crônicas") e O Poeta e Outras Crônicas de Literatura e Vida (categoria "Crônica"). Ambos os livros são reuniões de textos variados do cronista Rubem Braga, co-organizados por Seffrin.
 

 

Jean L�on G�r�me (French, 1824-1904), Consummatum est Jerusalem

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Jean L�on G�r�me (French, 1824-1904), Consummatum est Jerusalem

André Seffrin


A Poesia de Soares Feitosa

 

1. Psi, a penúltima:

Soares Feitosa, 2003


Rio de Janeiro, 12 de novembro de 1998. 

 

Meu caro Feitosa, 

Minha leitura de "Psi, a penúltima" foi lenta e proveitosa. Se dissesse que "Thiago" foi o que mais me fascinou, como já disse antes, estaria me enganando outra vez. Poemas como "Femina" , "Ayrton", "Strip-tease", "Balançando devagarinho" e, claro, o que dá título ao livro, são peças de um grande poeta, para o qual a poesia é refúgio e é grito. São poemas que merecem figurar nas melhores antologias da poesia brasileira contemporânea. Diria que sua poesia é monumental, não apenas pelo sopro épico, mas porque se funda também no infinitamente pequeno. De maneira que um poema que caminha na planura raciocinante do poeta de repente assombra com o inusitado abismo, num ínfimo detalhe, dentro de um verso aparentemente banal, ou num pequeno verso que de repente acende um mundo vasto diante do leitor. Assim, sua poesia é um susto permanente, é um manancial. Está sempre recomeçando, nas bifurcações que engendra, nas digressões indispensáveis para que a orquestra atinja o ponto máximo.

Uma poesia orquestral, apocalíptica, parabólica, hiperbólica. Nesse sentido você me lembrou muito Pedro Nava, o paralelo que podemos lhe estabelecer na prosa (operacionalmente, é obvio).

Ambos vieram da matriz proustiana, e você ousa como ninguém: "quero botar este livro/ para cheirar:/ àquele tempo. "E o poeta nos conduz ao vale sonoro das palavras, porque a poesia é música. Como a crítica já apontou, em você convivem harmoniosamente ecos de Raul Bopp, Gerardo Mello Mourão, Pound, Eliot... e eu diria que também de Cassiano Ricardo e de Joaquim Cardozo, de Jorge de Lima, da Bíblia etc.

É como se a sua presença, neste final de século, viesse para restaurar a poesia no homem, longe dos maquinismos verbais destas últimas gerações pós-concretistas et caterva. A sua é a nova poesia do chão nordestino, esse chão de poetas fundadores (Euclides, Joaquim Cardozo, João Cabral). É o nordeste no seu sofrimento, na sua grandeza. O sol nordestino, o chão nordestino, a gente nordestina impregnando o canto do poeta, poeta autobiograficamente mágico. O mundo dos repentistas, do cordel. Tudo é fascinante no seu livro. Um feliz conluio do épico e do lírico, e com o sal do humor. No meio século de vida (no meio do caminho de sua vida), bem antes dos setenta de Nava, você nasceu poeta, nasceu para a poesia, nasceu pronto para o assombro. E sua poesia, bom assinalar, é você falando, quem o conhece, sabe. Você logo adquire a sua voz, já nasceu com voz própria, caracteristicamente sua, de mais ninguém.

O poema do envelope das sementes de imburana-de-cheiro é de uma beleza extraordinária. E tantos outros, que me fascinaram. Fico com o livro todo.

E agora parto para o Salomão, certamente outro susto. 

O abraço e o afeto do 

                                André Seffrin 
 
 

Rio de Janeiro, noite de 12/11/1998

 

2. Salomão:

 

Feitosa, meu caro, 
 

Segue aqui o recado da leitura de Salomão, seu livro fundador: 

 

É um poema apocalíptico. E os seus desdobramentos, seja nos primeiros dez movimentos do poema propriamente dito (que belos títulos você deu a esses movimentos), seja nos relatos (Capitão, Bibliotecário, Coronel), nas indispensáveis notas do autor ou no retorno obrigatório aos dez movimentos - repito, os seus desdobramentos dão a medida de sua grandeza. Como sempre, desde "Psi, a penúltima", você é você inteiro no poema. O protesto é a espinha dorsal mas o que move tudo é "a canção do amor", é o poeta transido diante do mistério do seu canto, canto de guerra e paz, de travessia, como diria Guimarães Rosa. É apocalíptico sim, é bíblico e é borgiano, cervantino, é nordestino, é telúrico. Me tocou muito o relato do Bibliotecário, estranho relato, estranhamente belo esse relato, com a peleja do cego Aderaldo, que conheci lá em Fortaleza por sua própria voz, poeta.

Feitosa, eu te saúdo! 

Abraço e admiração de seu leitor, pedindo desculpas pela demora na resposta, o 

 

André Seffrin

3. Uma lembrança de viagem:

 

Caro SF:

Acabo de ler Uma lembrança de viagem, belo texto de memórias de um poeta. O memorialismo é elemento primordial de sua poesia, mas em você o poeta não se contenta em fazer apenas poesia. E escrever também em prosa, e bem, é coisa bastante rara entre poetas. Acredito que você poderia um dia reunir esses depoimentos, fazer um livro. Essas suas recordações da infância são verdadeiros baús de espanto, como chamaria Mário Quintana. Valeria um livro, talvez na linha do que fez Thiers Martins Moreira em O menino e o palacete. É um gênero fascinante.
Abraços do seu amigo

 

André Sefrrin

 

4. Noite, dois excertos:

 

Meu caro amigo Feitosa,

 

Recebi a autorização para publicar o Femina. O catálogo/livro fica pronto no final do mês e você vai receber aí o seu exemplar.

E cá estou eu, "leitor ávido de coisas", fruindo seus dois novos poemas. Não tenho o que dizer. Que dizer? "As bromélias, o espinho, as abelhas." O resto é silêncio.

 

Abraços de seu fiel leitor

 

André Seffrin

 

5. Nobel para sadã:

 

Feitosa,

Chegou o texto inteiro — Nobel para sadã — e junto todo barulho que ele provocou.

Belo texto sobre acontecimentos tão duros e infames!

Você vocifera contra todos os demônios: é o poeta em seu elemento.

E que poeta!

O abraço e a admiração de sempre do
 

André

 

Jean L�on G�r�me (French, 1824-1904), Consummatum est Jerusalem

 

 

 

 

 

 

 

Jean L�on G�r�me (French, 1824-1904), Consummatum est Jerusalem

 

 

 

 

André Seffrin


As vastas expedições literárias
de Secchin, atento à história e ao novo

Coletânea realiza admirável revisão crítica e historiográfica da poesia brasileira

Escritos sobre poesia &
alguma ficção
, de Antonio
Carlos Secchin. Eduerj, 301
páginas. R$ 30

André Seffrin

Há bons e maus críticos, como há bons e maus romancistas. Os bons críticos buscam uma empatia profunda com o universo da criação. Nem todos alcançam. O segundo volume da crítica esparsa de Antonio Carlos Secchin, "Escritos sobre poesia & alguma ficção", é exemplo de boa crítica. O título, apesar da aparente neutralidade, é ambíguo. Nele, o termo ficção sugere dois caminhos: um, do Secchin ficcionista, ao criar uma narrativa da vida de Castro Alves e acrescentar um apêndice ao enredo de Dom Casmurro (em "Carta ao Seixas", página de fatura machadiana, interessantíssima); outro, do Secchin crítico, que, embora dedicado integralmente à interpretação da poesia brasileira, analisa dois ficcionistas em resenhas curtas. Uma ambigüidade que não impede ficcionista e crítico de conviverem harmoniosamente nessas páginas em que a poesia brasileira passa por uma admirável revisão crítica e historiográfica.

Atividade crítica exemplar, altamente didática

Na coletânea anterior, "Poesia e desordem" (Topbooks, 1996), o subtítulo indicava "escritos sobre poesia & alguma prosa". Centrados primordialmente na poesia, e fugindo à simples coleta de textos esparsos, ambos são livros que orquestram uma visão de conjunto da poesia brasileira. Ensaios como "Algumas notas sobre o parnasianismo" e "Simbolismo e modernismo", que integram o novo livro, comprovam as vastas expedições empreendidas por Secchin nas estradas e trilhas pantanosas da história de nossa literatura.

História à qual ele acrescenta paisagens novas, ao iluminar pontos obscuros e detalhes há muitos negligenciados sobre autores e livros. É a atividade crítica exemplar, altamente didática, em que o crítico se manifesta no sentido de esclarecer, ensinar e deixar os caminhos abertos para o aprendizado da literatura.

Caráter também didático tem a conferência sobre a "Poesia completa" de Cecília Meireles, edição do centenário (2001), texto que, por sua importância histórica, merecia ter figurado na referida edição. Igualmente didáticas são as severas - e serenas - análises do último Drummond ("Farewell"), da poesia de Paulo Hecker Filho e de Ana Cristina César. Da mesma maneira, pinçadas nas entrevistas ao final do volume, algumas afirmações dão conta do papel do crítico na avaliação do panorama recente de nossa poesia: "Há cada vez mais poetas leitores de seus pares, na base da leitura recíproca e do círculo fechado". Ou: "Não me engajo em correntes, tenho horror a seitas e costumo gostar de poetas conflitantes em valores estéticos".

Claro, mesmo ao discordar dos autores em determinadas soluções ou idéias, o crítico faz de seu texto um convite à leitura dos livros. E se às vezes parece se comprazer com jogos de palavras e pequenas dubiedades semânticas, isso de modo algum compromete avaliações e julgamentos. Porque Secchin, apesar das suas eventuais idiossincrasias (inevitáveis em qualquer atividade crítica), exerce, como poucos até hoje exerceram, a função do crítico literário, ou seja, a de nos transmitir o amor pela literatura, para além dos conflitos de gerações e da ação geralmente tendenciosa e perversa das chamadas seitas ou tribos literárias.

Entre os dez mandamentos da lei do crítico sugeridos por Alceu Amoroso Lima, dois me parecem fundamentais com relação à militância de Secchin: o primeiro é a leitura cuidadosa dos livros a serem criticados e, sempre que possível, de toda a obra do escritor; o segundo é a procura de compreensão do ponto de vista de cada escritor. Mandamentos estes que correspondem, segundo Alceu, à receptividade e inteligência.

Um livro que retoma velhos e novos temas
 

Autor de um clássico dos estudos cabralinos, "João Cabral: a poesia do menos", Secchin, como não poderia deixar de ser, ainda aqui permanece em torno de João Cabral, seu tema inesgotável, em dois ensaios de fôlego largo e em pequenos artigos. "Escritos sobre poesia & alguma ficção" é, nesse sentido, um livro que retoma velhos e novos temas, situados sempre de maneira sinfônica, seja de Cruz e Sousa a Raul Bopp, de Álvares de Azevedo a Jorge de Lima, de Murilo Mendes a Ferreira Gullar ou de Alphonsus de Guimaraens Filho a Alexei Bueno.

Atento ao novo tanto quanto à história literária, o crítico amplifica seu discurso ao privilegiar sobretudo as visões panorâmicas. E na análise das novas gerações, costuma ser altamente seletivo, uma vez que a crítica vale tanto pelo que registra quanto pelo que ignora. Quem o precedeu nessa atividade? Em linha direta, Sergio Milliet e Fausto Cunha, também notáveis analistas de poesia. Ambos ocuparam ontem esta cadeira que hoje pertence, unicamente, a Antonio Carlos Secchin.

ANDRÉ SEFFRIN é crítico e ensaísta

 

 

Jean L�on G�r�me (French, 1824-1904), Consummatum est Jerusalem

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Michelangelo, 1475-1564, Teto da Capela Sistina, detalhe

 

 

 

 

 

André Seffrin

Jornal do Brasil

11.8.2001


 

Evocação de uma mulher

 

ANDRÉ SEFFRIN

MEU DIÁRIO DE LYA

Elvia Bezerra

Topbooks, 256 páginas

Preço não definido

Meu diário de Lya, de Elvia Bezerra, é um ensaio de mão dupla: biografia de Lya Cavalcanti e livro de confissões da autora. Obra de natureza mista, não é exatamente um diário íntimo, à maneira de Amiel ou dos irmãos Goncourt, mas um registro cotidiano em função de um relato biográfico, de maneira que o registro não parece ter sido ''diário''. Um recurso ousado conduzido com mestria.

Esse suposto diário, sem data muito precisa, assemelha-se às memórias ou às anotações casuais, embora a disposição do texto insinue a existência de um caderno de escritos íntimos regulares. À recomposição de fatos relevantes do seu convívio com Lya juntam-se comentários em torno de suas pesquisas para seu livro de estréia, A trinca do curvelo (Topbooks), de 1995, e seu convívio com escritores.

O contraponto entre o percurso de Lya Cavalcanti e os encontros Lya/Elvia na atualidade estabelece um retrato escrito com delicadeza e afeto. Por meio dele, Elvia também se procura. E nessa procura ela descobre que, na gênese de seu primeiro livro, nas entrevistas que fez, há a revelação de um jardim secreto que chamamos de literatura.

Entrelinhas - Ao escrever A trinca do curvelo, sua intenção era abordar apenas a figura de Manuel Bandeira. Ao lado do autor de Mafuá do malungo, insinuaram-se Nise da Silveira e Ribeiro Couto. O que se percebe agora, em Meu diário de Lya, é que outros personagens se manifestam nas entrelinhas, de maneira quase subliminar.

Em busca de um perfil de Lya Cavalcanti, um pássaro difícil de cativar, Elvia se encontra consigo mesma na literatura. O relato de um sonho é paradigmático: ''Eu me movia num mar muito escuro, com metade do corpo apoiado numa balsa. Não havia desespero ou angústia. Havia a imensidão do mar, a escuridão e o amparo frágil que a balsa me proporcionava. Via surgir devagar, posicionada mais para o lado esquerdo, uma construção impressionantemente sólida e clara. (...) Era, na verdade, uma grande biblioteca(...)."

A história de Lya Cavalcanti tem o seu viés literário. Apesar de a personagem não estar diretamente vinculada à literatura, seus passos se confundiram com os de muitos dos escritores brasileiros do século 20, Antônio Callado, Guimarães Rosa e Carlos Drummond de Andrade.

Painel - "Não são os tempos mais alegres que deixam as melhores lembranças, mas os tempos mais intensos", afirmou mais tarde Antônio Callado a respeito daquele tempo e lugar: Segunda Grande Guerra, BBC de Londres. A ensaísta esmiúça o tema e traça um admirável painel de época. Depois das atividades na BBC, de volta ao Brasil, Lya exerceu, entre outras atividades, a de cronista de rádio (Rádio Ministério da Educação). Daí nasceu Tempo vida poesia: confissões no rádio (1986).

Uma trajetória cheia de aventura, lutas inglórias, posicionamentos polêmicos e incidentes desagradáveis. Sua presença nos meios intelectuais do Rio de Janeiro dos anos 50, 60 e 70 deu-se sobretudo através de sua militância ininterrupta em favor dos animais abandonados ou explorados.

Para traçar o perfil dessa mulher, que poucos quiseram entender, Elvia lançou mão de uma artimanha notável: textos de Carlos Drummond de Andrade, de várias crônicas suas dedicadas a Lya e da correspondência que eles mantiveram.

Meu diário de Lya evoca esse passado brasileiro recente com senso de medida e fidelidade documental exemplar. Um percurso que vai muito além da biografia de uma mulher, chegando afinal ao horizonte generoso e confortador das grandes descobertas humanas.

 

* André Seffrin é crítico literário e ensaísta

 

Michelangelo, 1475-1564, Teto da Capela Sistina, detalhe

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

André Seffrin

entrevistado por

Rodrigo de Souza Leão


 

André Seffrin (1965, Júlio de Castilhos/RS), crítico literário e ensaísta, reside no Rio de Janeiro desde 1987 e é autodidata. Colaborador de diversos órgãos da imprensa brasileira, já atuou em jornais e revistas tais como Jornal do Brasil (Idéias-Livros), O Globo (Prosa & Verso), Jornal da Tarde (Caderno de Sábado), Letras & Artes (Fundação Rio), Manchete, Poesia Sempre (Fundação Biblioteca Nacional), Zero Hora (Cultura), Gazeta do Povo etc. Escreveu diversas apresentações e prefácios para livros de autores brasileiros (Fausto Wolff, João Silvério Trevisan, Octávio de Faria, Lúcio Cardoso etc) e ensaios a respeito de Roberto Burle Marx, Joaquim Tenreiro, entre outros temas ligados à literatura e às artes plásticas. Autor da edição revista e ampliada do Dicionário de pintores brasileiros, de Walmir Ayala (Editora da UFPR, 1997).

Joyce foi eleito o escritor do século pelos Ingleses. Concorda?

- Gosto de Joyce, embora não tenha lido toda sua obra. Sem dúvida é um autor fundamental. Mas se é ou não o autor do século, isto é outra questão. Fico com o que disse certa vez Mário Quintana – se bem me recordo, perguntado sobre poetas maiores ou menores, afirmou que nenhum poeta é cavalo de corrida para se querer julgar quem chega primeiro.

Há uma idade correta para ser/se tornar escritor?

- É óbvio que não. Rimbaud escreveu sua obra antes dos 20 anos, Pedro Nava com cerca de 70 anos.

Com a morte de João Cabral morreu um poeta que rivaliza em importância com Drummond. O que perdemos? Há alguém querendo a alcunha de maior poeta brasileiro vivo?

- Só mais tarde saberemos. Por enquanto, prefiro ficar com a história dos cavalos de corrida do Mário Quintana.

Há escritores que só aceitam críticas de escritores. Concorda que alguém envolvido com a criação está mais próximo de uma boa crítica?

- Acredito que não. Como você pode notar, na literatura brasileira os críticos (e ensaístas) que mais se destacam não são poetas nem ficcionistas - Tristão de Athayde, Álvaro Lins, Otto Maria Carpeaux, Brito Broca, Antonio Candido, Temístocles Linhares, Wilson Martins, Alfredo Bosi, Massaud Moisés e Fábio Lucas só se dedicaram à crítica e ao ensaio. Se temos exemplos como o de Fausto Cunha, que escreveu alguma ficção científica, é fácil notar que o melhor de sua obra é a crítica de poesia, sobretudo os seus ensaios sobre o romantismo brasileiro - sua obra de ficcionista é episódica e praticamente insignificante diante de sua importância como crítico literário. O caso de Guilhermino César é parecido, grande historiador literário, poeta e romancista menor. Os criadores costumam escrever a respeito das obras com as quais sentem mais afinidade, geralmente não escrevem sobre antípodas, sobre seus dessemelhantes. Já os críticos tem por obrigação de ofício escrever sobre as mais variadas tendências, embora nem sempre o façam, mas é um dever profissional que assumem ao exercer a crítica (Alceu Amoroso Lima, o Tristão de Athayde, há mais de 50 anos, enumerou os predicados que devem nortear o crítico literário e ainda hoje os seus conselhos são válidos). Apesar de movidos por um gosto pessoal, presos às suas idiossincrasias, quando verdadeiros os críticos são plurais, abertos às mais variadas correntes e abertos sobretudo ao novo. Um grande exemplo de crítico é Sérgio Milliet, hoje esquecido. Por acaso, era também poeta, mas não ficou senão por sua obra crítica, sua importância como poeta é bem menor. São raros os ficcionistas que são também bons críticos de ficção, ou os poetas que são bons críticos de poesia. Você pode lembrar de Drummond (especialmente o de Passeios na ilha), de Bandeira, de Augusto Meyer, de Lêdo Ivo, de Mário Faustino, grandes poetas com um potencial crítico raro. No geral, é uma exceção. Não acredito nos escritores que só aceitam crítica de escritores, como você sugere em sua pergunta. Todo criador é muito sensível à crítica e sempre espera uma boa recepção por parte dos críticos do momento. Quem nega esse fato está tentando enganar a si próprio. Em recente entrevista à revista Cult, Ignácio de Loyola Brandão afirma não conhecer nenhum crítico que tenha mudado a carreira de um escritor. Admiro-o como ficcionista mas sua afirmação é das mais absurdas. Para só citar um exemplo, é notório o caso de Erico Verissimo com a publicação de Saga. Foi a crítica da época que mudou de rumo a obra do escritor, ele próprio admitiu isso anos mais tarde.

A teoria literária é importante para o crítico? O que não pode faltar numa boa resenha?

- O que não pode faltar numa boa crítica é inteligência. É claro que a teoria é importante. Tudo que é literatura é importante para o crítico, para sua formação. Mas não é só com teoria que se faz um bom crítico. É com leitura, com muita leitura, é lendo a boa e a má literatura, é se entregando ao fascínio da literatura e sobretudo exercitando a crítica através dos anos. E são os anos de trabalho que contam na formação de um grande crítico, quando verdadeiramente vocacionado.

Quais eram as suas sensações iniciais no contato com a leitura?

- As mesmas de hoje: de fascínio.

Quais escritores fazem a cabeça de André Seffrin?

Muitos. Entre os brasileiros: Machado de Assis, Olavo Bilac, Carlos Drummond de Andrade, Gilberto Freyre, Pedro Nava, Mário Quintana, Erico Verissimo, Joaquim Cardozo, Dalton Trevisan, Tabajara Ruas e diversos outros que agora não me ocorrem. Entre os estrangeiros: Dante, Milton, Tolstoi, Hemingway, Camus, Gide etc etc.

O que deve ter um bom poema, romance para que agrade o critico que é?

- Como nenhum escritor deve pensar em agradar quando escreve, não há nada de especial num poema ou num romance que por ventura deva agradar este ou aquele crítico. Não acredito em escritores que escrevem para agradar: só a subliteratura pode pensar assim.

A crítica migrou para as universidades. Há algum problema na comunicação escritores e mundo acadêmico? Há um abismo entre estas duas partes?

- Há. O nosso mundo acadêmico, com honrosas exceções, tem uma visão míope da literatura brasileira. A academia costuma se dedicar aos escritores que elege como seus, são os eleitos, os escritores da moda. Se a moda é escrever sobre Guimarães Rosa, sobre Clarice Lispector, sobre João Cabral, todas as teses giram em torno deles. Escrevem agora sobre Carlos Heitor Cony ou Lucio Cardoso, como já foi moda (e ainda é) escrever sobre Autran Dourado, Dalton Trevisan e Rubem Fonseca. Talvez por isso a visão que a academia tem da literatura brasileira é deficiente, não tem uma visão de conjunto. A academia é uma espécie de gigolô da literatura. Pouco do que realiza rompe o circuito acadêmico. São professores que escrevem para a própria academia, para conquistar a admiração de seus pares ou apenas para conquistar um novo posto acadêmico.

Qual o papel do escritor para a sociedade?

- Há os que escrevem com a pretensão de mudar o mundo, como também aqueles que nem pensam no assunto, apenas escrevem. A boa literatura sempre terá o seu papel na vida dos homens.


 

 

 

 

 

 

 

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