César Leal
O
poeta Alberto da Costa e Silva
O mais novo livro de Alberto da
Costa e Silva é Ao lado de Vera (Editora Nova Fronteira, 1997).
Abre-se com um bem construído soneto ? “Soneto a Vera” ? em que
todas as forças intelectuais e técnicas do autor de As Linhas da mão
demonstram que o peso da própria tradição literária constitui, para
qualquer poeta. a mais vigorosa fonte de suas influências. Nesse
poema ? um soneto rigorosamente bem feito ? Alberto da Costa e Silva
revela-nos que sua motivação é o amor mas o principal motivo ? senão
o único ? é o tempo observado em sua dimensão empírica. O tempo
cronológico, dramático porque não se recupera a não ser pela
memória. Dramático, ainda, porque as decisões tomadas no presente
irão condicionar o futuro. É por isso que no ensaio “Dimensões
temporais na poesia” utilizei aquela epígrafe com versos de Fernando
Pessoa:
O tempo passa
Não nos diz nada
Envelhecemos.
Saibamos, quase
Maliciosos,
Sentir-nos ir.
A relação entre espaço e tempo é
indissociável, mas na poesia há instantes em que podemos fragmentar,
destruir, aniquilar o espaço sem, contudo, poder fazer o mesmo com o
tempo. Sempre costumo observar que a dimensão empírica do tempo é a
única que nos permite tomar consciência do existir através de três
conceitos que não devem ser esquecidos pelos críticos e teóricos da
literatura: lugar, momento e duração. No “Soneto a Vera” o que se
apresenta primeiro é o espaço, a paisagem, mas é o tempo o que leva
o poeta a escrever o poema. O espaço é visível: “céu parado”, e logo
a bela metáfora espacial associada ao tempo: mar do instante. O
primeiro verso do segundo quarteto revela-nos o poder mágico da
língua poética: “Vives subitamente em despedida” em que a melancolia
da expressão não chega a ser suavizada pela beleza dos versos
subseqüentes: “calma de sonhos, simples visitante/ daquilo que te
cerca e do que fica / imóvel no que é breve, pouco e humano //”. Não
é sem engenho e arte que se pode escrever tais versos. A seguir, nos
tercetos, Alberto da Costa e Silva fala-nos em “regatas ao Sol”, de
sua ida ao “campo de trevo”, “à tua espera”. São noções de
espaço-tempo que se associam, no último terceto aos conceitos de
“momento” e “duração” expressos nas palavras “passa” e “eterno”.
Ao lado de Vera é um livro que
demonstra os poderes de Alberto da Costa e Silva, em especial nos
poemas “Elegia de Lagos”, “Imitação de Botticelli”, as imagens de “O
Café na Copa”, tão humanas, tão cheias de vida, de reminiscências,
de lâmpadas de mil velas que se acendem na memória do leitor. Os
momentos de simplicidade são extraordinários, em especial porque não
são simples: são complexos. Quanta força poética em versos como
estes:
Passo-te a xícara.
Não te falo
do que é invisível em mim,
do que canta.
Às vezes o leitor deverá fazer uma
pausa para uma reflexão diante destas linhas:
Sei que alguém, de longe, se
debruça
sobre mim
e me desenha no rosto
cada ruga:
? Frágil
é o que nos dá a beleza,
mas não cessa o que fomos e vivemos.
Somos deuses no tempo
e no escuro
da noite, o muro branco
e as estrelas.
Aqui podemos observar o ritmo
oracular da lírica. A grande lírica moderna que nos foi legada pelos
poetas do fim do século XIX. Alberto da Costa e Silva é um escritor
que passou a vida na diplomacia. Foi embaixador em diversos países.
Mas a poesia é a força maior de que ele dispõe. As maiores energias
do homem são essas forças internas que produzem os tipos superiores.
Superiores por suas energias intransferíveis, interiores. Essas
forças fazem parte de nossa vontade de poder. Aristotelicamente
diríamos como Nietzsche: Vontade de potência: “O homem é o
não-animal e o superanimal; o homem superior é o não-homem e o
super-homem: esta é a conexão entre eles. A cada crescimento do
homem em direção à grandeza e altura, cresce também em direção da
profundidade e da terribilidade:não se deve querer uma coisa sem a
outra ? ou antes: quanto mais se aspira radicalmente a uma delas,
tanto mais radical e precisamente alcançaremos a outra”.
Ao falar sobre a poesia de Alberto
da Costa e Silva, autor de obras que enriquecem o patrimônio
cultural do gênero humano, tal como o livro que recentemente lançou
sobre a África, não se pode fugir a esse tipo de reflexão. Em uma
poesia como a sua não se procura a estrutura do conceito mas a
estrutura da percepção. A poesia só pode ser vista com os olhos da
mente. Talvez seja por essa razão que um poeta cego afirmou:
Ver na mente o sono e no
ocaso
um triste ouro, tal é a poesia
que é imortal e pobre. A poesia
retorna como a aurora e o ocaso.
[Diário de Pernambuco, 21.7.1997]
Leia
obra poética de Alberto da Costa e Silva
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