Maria Maia
Habitação:
poesia do despedaçamento
Poesia do
despedaçamento, feita sob a herança de dioniso - o deus duplamente
nascido - e da dualidade fundamental que tal deus promove: sátiro e
bacante, masculino e feminino, beleza e fealdade, crueldade e
leveza, regaço e perdição. Esta é uma tragédia dos tempos pré,
modernos e pós.
O ato amoroso é
a habitação do humano. É dali que ele parte, sobrevive e se oferece
em sacrifício para apaziguar os deuses, numa época em que milhares
de humanos matam um deus a cada dia. O corpo despedaçado pelos
dentes das bacantes em mãos, dorso, cabelo, peito, pulso e alma
procura se restaurar no amor.
"Sempre o mesmo
acerca do mesmo", advertia o grande Eudoro de Sousa, quando se
tratava da tragédia. Gestada em tempos imemoriais para purificar o
homem da hamartia ( pecado original forjado no deicídio original -
morte da divindade representada pela subida do homem do estado de
natureza para o estado de cultura ). E SF canta com sua pena-dentada
a tragédia desta busca do desejo que não objeta em nenhum lugar. Que
passeia pelos fragmentos do corpo da palavra com horror e amor. Que
despreza a distinção masculino x feminino - porque sabe que no ato
amoroso esta dualidade se desfaz.
Os olhos se
detêm na complementariedade deste horizonte que encandeia. "Pelo
ouvido porém" se apresenta o canto e SF se faz sereia. O homem ainda
tem pelo menos a possibilidade de se deixar atravessar pelo canto da
sereia. Canto que o desvia da ferocidade do narcisimo e o conduz
para o mar do amor. Mar onde o eu, este tirano, "como corpo morto,
cai". Mar onde o eu se desfaz no outro, reinaugurando eternamente a
vida. Mar que se confunde com o sertão, onde habitam as deusas mães,
generosas nutrizes, que, vigilantes, sempre tomam conta da aurora da
criação.
|