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Américo Facó

POESIA COMPLETA
DE
AMÉRICO FACÓ

Organização e estudo introdutório
Floriano Martins

Notas de Acesso

Ao final de 1996, circulou em Fortaleza, em forma de plaquete, um breve estudo de José Batista de Lima intitulado “A literatura cearense e a cultura das antologias”, opúsculo que cumpria muito bem seu intento de nos informar acerca das diversas antologias que foram publicadas ao longo deste século e que se destinaram à mostra geral da literatura produzida em nosso Estado. Não há dúvida sobre a pertinência e a oportunidade do estudo de Batista de Lima. Foi inclusive muito criterioso ao pontuar algumas ausências entendidas como injustificáveis, mesmo levando em conta o lugar-comum que é o fato das antologias constituírem o terreno mais propício a falhas dessa ordem.

Algumas ausências, contudo, são tão recorrentes que parecem configurar um programa. A literatura brasileira – e quem dera fosse apenas a literatura – tem o mau hábito de apagar algumas preciosas pistas (nomes e circunstâncias) de sua existência, tornando-se assim ainda mais efêmera do que já é. Decerto que há um tanto de displicência e outro tanto de ingenuidade nessa ação que ao final resulta em prejuízo para a cultura como um todo. Ao ler o estudo de Batista de Lima, por exemplo, percebo que não há menção ao nome de Américo Facó, mesmo considerando sua inclusão em três das antologias que critica: Sonetos cearenses (1938), Coletânea de poetas cearenses (1952) e A poesia cearense no século XX (1996), organizadas respectivamente por Hugo Vítor, Augusto Linhares e Assis Brasil.

Às vezes quero crer que o fato de Américo Facó (1885-1953) ter residido a maior parte de sua vida fora do Ceará colaborou para seu notório desconhecimento pelos cearenses. Isto aconteceu com alguns outros poetas, sendo bastante aqui mencionar Leão de Vasconcelos (1898-1965), Edigar de Alencar (1901-1993) e Gerardo Mello Mourão (1917). A exemplo de Facó, todos escolheram o Rio de Janeiro por residência, e ali desenvolveram ações culturais de indiscutível importância, embora a de Leão de Vasconcelos tenha se dado mais no âmbito jurídico.

O fato de Batista de Lima não mencionar o nome de Américo Facó, seja por sua inclusão nas três antologias referidas, seja por sua ausência nas demais, seja ainda pela estranheza que configura seu reaparecimento em uma antologia em 1996, ausente que vinha do cenário das antologias desde 1952, enfim, a não percepção de Batista de Lima traduz pura e simplesmente um desconhecimento geral em torno do nome e da obra de Américo Facó, o que se complica pela própria seleção de poemas incluídos na antologia de 1996 – uma mescla absurda de poemas da adolescência (1907/8), posteriormente renegados pelo poeta, com uma única mostra de sua maturidade (1951).

Para muitos, em Fortaleza, Américo Facó é apenas uma modesta rua no bairro Bela Vista, ao lado da Parquelândia. Exceto pelas antologias acima citadas – desimportantes em relação a outras como Terra da Luz (1966) e Literatura cearense (1976), respectivamente sob os cuidados de Artur Eduardo Benevides e Sânzio de Azevedo –, não há a mínima referência à obra de Américo Facó entre nós, cujos versos iniciais – somam aproximadamente uns sessenta poemas – foram publicados em Fortaleza, no Jornal do Ceará, entre 1907 e 1908.

A este respeito, diz-nos Sânzio de Azevedo, no artigo “Américo Facó, um século depois” (Diário do Nordeste. Fortaleza. 03/11/85.), que Facó “iniciou a publicação de seus poemas, no jornal oposicionista, ao mesmo tempo em que, n’A República, órgão situacionista, Alf. Castro apresentava traduções de sonetos de Heredia”. Alf. Castro (1873-1926), pseudônimo de Alfredo de Miranda Castro, era poeta essencialmente parnasiano, sem maior expressividade no cenário de nossas letras.

Em seu artigo, lembra-nos ainda Sânzio de Azevedo, a respeito de Américo Facó, que “havendo tomado parte ativa na vida intelectual cearense nos primeiros anos do século, eram tão violentos os artigos que redigia no Jornal do Ceará (fundado por Valdemiro Cavalcante para fazer oposição ao governo Acioli) que, tendo sofrido uma agressão em conseqüência desses artigos, foi praticamente forçado a emigrar, em 1909 ou 1910, como informa Gustavo Barroso (Consulado da China, 1941), que o substituiu no órgão oposicionista e que, por motivos semelhantes, logo deixaria também as terras cearenses”. Ressalte-se, como o faz logo a seguir o próprio Sânzio, que tais artigos não eram senão os poemas acima referidos. Quanto à agressão, segundo Rodolfo Teófilo, em seu Libertação do Ceará (1914), Facó foi de fato agredido por policiais em plena rua.

Situemos melhor as duas circunstâncias: acerca da participação de Facó na imprensa cearense, nos diz Edigar de Alencar (Elogios acadêmicos, vol. III, 1990) que, "além de editoriais, mantinha a coluna humorística diária Olho da rua, muito apreciada, não somente pelos gracejos mas por suas conotações políticas", lembrando ainda que Facó, "atrevido e exuberante de mocidade, logo se tornaria visado pelo governo do comendador Nogueira Acioli, um dos mais poderosos oligarcas do Norte".

Já em relação à agressão sofrida por Américo Facó, na referida obra de Gustavo Barroso podemos ler que "ao entardecer de 21 de dezembro de 1908, dois ou três soldados da polícia à paisana deram violenta surra no poeta nas imediações da Praça Marquês do Herval", indicando ainda que "salvou-lhe talvez a vida a intervenção do Capitão do Exército Castelo Branco, morador na casa da esquina, atraído pelos seus gritos".

Seja como for, a ida para o Rio de Janeiro, em 1910, melhor lhe alimenta a inquietude ulterior, permitindo-lhe uma compreensão mais acurada acerca de sua própria poesia. No início dos anos ‘20 já temos notícias suas freqüentando a casa de Aníbal Machado, juntamente com Raul Bopp, Mário Pedrosa e Murilo Mendes. Ali conheceu Sérgio Buarque de Holanda e Prudente de Morais, neto, que logo fundariam a revista Estética, publicação situada na segunda fase do Modernismo, que se propunha a reconstruir a cena literária a partir das demolições algo impertinentes provocadas pela iconoclastia da Semana de 22. Participa então Américo Facó logo do número inaugural de Estética (1924), escrevendo um lúcido ensaio sobre o romancista inglês Joseph Conrad, que morrera no ano anterior. No decorrer desta década, Facó fundaria duas revistas, Pan (1924) e O Espelho (1930), publicações de importância menor se levarmos em conta a proliferação de revistas literárias no período.

Recordemos com Edigar de Alencar algumas de suas principais atividades neste período: "Trabalhou com Alcindo Guanabara e Quintino Bocaiúva e colaborou em revistas e jornais. Foi um dos fundadores da empresa de notícias Agência Brasileira. Exerceu ainda as funções de redator de debates do Senado. A esse tempo assumira nova posição estética, aderindo ao modernismo, embora sem jamais adotar seus exageros. Literariamente sua produção é escassa. Agrippino Grieco observou que o poeta refletia muito e por isso escreveu pouco."

Da amizade com Jaime Adour da Câmara consolidou-se sua idéia de montar uma agência de notícias, de onde surgiu, em 1924, a Agência Brasileira de Notícias, a primeira central de divulgação jornalística existente no Brasil. Em trecho do livro Putirum (1968), Raul Bopp recorda: “Américo Facó tinha realizado, no Rio, o seu velho projeto de estender pelo país uma rede de divulgação de notícias”, informando-nos acerca do desdobramento da Agência, já em 1927, quando fundava uma sucursal em São Paulo, a ser dirigida por Jaime Adour. Dizia ainda Bopp que logo a Agência conseguira um razoável destaque na imprensa paulista, tornando-se sua sede “um centro de reuniões de intelectuais e de figuras políticas dos mais variados matizes”.

Américo Facó tornou-se assim um nome destacado no tocante à articulação de assuntos culturais e políticos. A partir da iniciativa da Agência Brasileira de Notícias passou a colaborar com a revista Fon-Fon, sendo responsável por sua página literária, e assumiu o cargo de diretor da seção de enciclopédias e dicionários do Instituto Nacional do Livro. Tinha consolidada então uma carreira jornalística, onde os versos parnasianos da primeira década do século já não importavam em absoluto, sem que isto significasse, por outro lado, que houvesse abdicado de sua inclinação poética.

Em 1946, surpreende com a publicação de Sinfonia negra (Livraria Editora Zelio Valverde. Rio de Janeiro), livro dado pela crítica como sendo de narrativas, mas que na verdade se trata de uma prosa poética carregada de inconfundível poder de sugestibilidade em suas imagens. Sinfonia negra retoma e sedimenta a temática já abordada anteriormente por Jorge de Lima (Poemas negros) e Raul Bopp (Urucungo), escritos estes ali pelo final dos anos ‘20, surpreendendo não somente pela força imagética, como por suas variações rítmicas e o uso entrelaçado de prosa poética, relato fabulista e versos brancos.

Anos depois, em 1951, teríamos uma cuidadosa edição da José Olympio de seu livro Poesia perdida, com ilustrações fascinantes de Chin, onde o autor apresenta-se já distante da influência inicial do Parnasianismo sobre sua obra, mostrando um estilo maduro e próprio, resultante das predileções simbolistas e do diálogo com seus pares modernistas. Em crônica da época, referiu-se Drummond de Andrade que “com seu livro belíssimo, Américo Facó se incorpora à linhagem dos mais altos poetas portugueses e brasileiros”.

Nesta mesma crônica, "Poesia nobre", posteriormente incluída em Passeios na ilha (1952), escreveria Drummond: "Américo Facó, letrado do gosto mais seguro, possuidor da língua nacional nas belezas evidentes como nas ocultas que ela propõe a quem queira escrever, compôs esse livro diferente, que nos redime de todos os mais volumes aparecidos e por aparecer, nossos e alheios", logo acrescentando que "em seus melhores momentos, a poesia brasileira não atingiu ainda altura superior à destas páginas, que vêm conciliar a sensibilidade moderna com o espírito clássico".

Américo Facó teve sua poesia algo relacionada com a de Gilka Machado (1893-1980) e Raul de Leoni (1895-1926). Decerto tal relacionamento não constitui propriamente uma confluência estética de ordem escolástica, cabendo aqui observar características tais como uma sensualidade na tessitura das imagens, aliada a um sentido de não permitir que a essencialidade da forma constitua um argumento redutor da expressão, um tipo de justificativa para um falseamento do pensamento poético.

Fato é que Facó fortaleceu as trincheiras do poema em prosa, rejeitado pelo beletrismo da época e convertido em mera submissão ao prosaico. Também contribuiu com seu sensualismo, que viria a tomar corpo maior na poesia de Augusto Meyer ou de um Manuel Cavalcanti. E não haverá melhor comentário sobre a consistência estética de sua obra senão a exposição dela própria, na íntegra, ao leitor que até então a desconhece, segundo pretende-se aqui com edição reunida de Sinfonia negra e Poesia perdida.

A título de esclarecimentos finais, menciono que a não inclusão dos poemas publicados no Jornal do Ceará, dá-se unicamente em função de que, independente de seu valor – que entendo como sendo mais de cunho histórico do que propriamente poético –, o próprio Américo Facó os rejeitara, certamente que pela excessiva impregnação parnasiana em tais versos. Também não incluo aqui, como gostaria, uma seleção de seus textos críticos, onde ressalta-se “Poesia das terras do sem fim” (1951), notável ensaio sobre Cobra Norato, de Raul Bopp, sem dúvida uma das admiráveis interpretações críticas – cujo outro exemplo seria “Cobra Norato – O poema e o mito” (1962), de Othon Moacyr Garcia – da obra do autor de Urucungo.

Também a contragosto, são deixadas aqui algumas lacunas biográficas, por imperativo da própria dificuldade em localizar fontes e dados confiáveis. A propósito, recolho trecho de uma carta que me enviou o bibliófilo José Bonifácio Câmara, onde comenta, ao referir-se ao fato de Américo Facó haver sido “injustamente esquecido”, que “muita gente só sabe da existência dele pela ampla divulgação feita na época do fato de ter entregue à Lúcia Miguel Pereira os originais de Dona Guidinha do Poço, que lhe tinham sido confiados por Antonio Sales, quando voltou ao Ceará, salvando assim para a posteridade o maior romance cearense”. O próprio Facó assina a edição original do romance de Oliveira Paiva.

Concluo com os agradecimentos indispensáveis à cumplicidade explícita e valiosa de Sérgio Lima e Jorge Brito, que me puseram em mãos os exemplares de Sinfonia negra e Poesia perdida, assim como às contribuições, em forma de diálogo ou de cessões de dados críticos, de Claudio Willer, Antonio Carlos Secchin, Ivan Junqueira, José Santiago Naud, Sânzio de Azevedo, Henryk Siewierski, Rodrigo de Almeida, Lira Neto e José Bonifácio Câmara.

Floriano Martins

 

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