Alberto
da Costa e Silva.
ELEGIA DE LAGOS
Aqui
os
velhos navios
vinham
limpar os cascos,
não
das ondas, nem dos ventos, nem do que sonha a distância,
mas
do que tende à terra e à pedra, ao caramujo, ao sapo e ao
lagarto,
ao
que é feio e se aferra
à
superfície do mundo
e
é inércia e espera.
Desço
A
rua de minha infância, na direcção da praia,
e
venho dar neste porto de escravos.
Aqui,
nos
alagados,
os
meninos
vendem
mangas e galinhas,
galinhas
amarradas juntas pelas pernas,
como
um ramo de flores, as cabeças aflitas
a
fugir do mergulho,
os
pescoços em u,
as
línguas pontiagudas
a
surgirem, pistilos, dos bicos semi-abertos.
Passa
um rapaz
a
equilibrar
um
cacho de bananas à cabeça,
com
a mesma displicência com que Deus
traça
em si próprio a curva do universo.
E
um outro
canta,
e
tamborila
na
tábua apodrecida
pela
chuva, esta tristeza
das
pirogas de pesca com as redes lançadas
sobre
as águas do canal e todas as ausências.
Há
muito tempo atrás, meu corpo sobre a praia
podia
ser um barco a enxugar-se.
Ainda
havia
o
convite salino do futuro. A vida
não
nos negará às marés, aos tufões e às
febres,
ao
abismo e às pragas.
A
vida não deitará
o
menino,
com
o livro iluminado,
na
cadeira de lona, a repousar de haver sido
um
sonho e alguns versos
em
que o amor está em todas as vogais,
envelhecido
de jardim e sol.
Cresce
o mamoeiro no quintal de minha casa.
Mas
não sei mais tirar do seu talo a simples flauta
e
o débil assobio.
Desaprendi
a
lançar pião
e
a correr sobre os muros,
embora
viva
na
abundância das flores amarelas,
do
calor e das garças.
Este
jumento manso,
perseguido
pelas moscas,
é
certa manhã, depois da chuva, entre os grajaus
de
pombos.
Caminha
lento,
tal
a luz úmida,
por
um quintal já findo.
Ali,
senti
que a morte de alguém a mim passava,
quando
o cesteiro, com o cabo
da
faca comprimido contra o ventre,
ia
entrançando o vime, e a faca
abria
apenas o espaço para o enlace
das
hastes; não feria, só cortava
o remate
das varas - como a noite
só
fecha os olhos
do
exato fim
da
tarde.
Chega
o burríco junto ao muro em que me sento
a
despir-me da vida.
A
morte
debulha-se
como
uma fava: caem
de
dentro dela os dias,
até
o mais antigo,
em
que ouvimos o seu nome pela primeira vez.
Ela
nos põe o focinho, sendo um cão, nos joelhos
e
está cheia de sarna, de infância e de medo.
Abandona-me
o que vejo
e
fica em mim represo.
Fui
o
que não pensei ter sido. Sei que os dias
se
abraçam comigo.
Por
isso,
agora,
passo
a mão humildemente sobre o pêlo do cachorro,
quase
a pedir
ao
escorraçado,
ao
esquecido,
que
se aconchegue aos meus pés
e
aqui
fique. |