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			Aleilton Fonseca 
                                         
                                            
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            
             
             
            Lirismo em notas curtas 
			 
			(in
			A Tarde 
			22.02.2003) 
			
            
			 
			 
			 
  
			
            Natureza e coisas, novo livro de 
			Fernando da Rocha Peres, apresenta 33 poemas curtos, com exceção do 
			primeiro, “Aviso”, que, com exatos 22 versos, é dedicado à Semana de 
			Arte moderna, e do último, “Salvadolores”, de 34 versos, um canto a 
			Salvador, vista sob a perspectiva do poeta. Lançado pela Corrupio, 
			editora baiana dedicada a livros de arte, a obra tem uma programação 
			visual harmônica, com vinhetas criativas que se harmonizam com os 
			textos, tornando o objeto livro mais convidativo ao olhar dinâmico, 
			sem desviar a atenção do leitor dos poemas. 
			
            O livro Febre terçã, editado também pela Corrupio em 2000, é uma 
			homenagem explícita a Gregório de Mattos, desde o título. Neste 
			novo, o poeta baiano afirma que: “Tudo vai dedicado aos poetas, 
			romancistas, ensaístas, escultores, pintores, músicos, arquitetos e 
			aderentes da Semana de Arte Moderna de 1922, nos seus oitenta anos, 
			e, em especial, a Mário de Andrade (‘Sou um tupi tangendo um 
			alaúde’)”. A afinidade eletiva é clara. Trata-se de uma referência 
			intelectual, uma deferência de um poeta que, em sua obra, realiza 
			uma espécie de apuração formal, a seu modo, das conquistas da 
			modernidade poética, exercitando, especialmente nesta obra, as 
			possibilidade da lírica curta. 
			
            A poesia de Peres, em conjunto, tem-se mostrado diversa e 
			multifacetada. Chega a assumir uma vertente da poesia moderna de 
			tematização religiosa, que se encontra em parte da obra de Murilo 
			Mendes, Jorge de Lima, e, sobretudo, em Affonso Frederico Schmidt. 
			Trata-se de uma poesia devota, mas de talhe formal moderno, que a 
			crítica geralmente tem escrúpulos de analisar com isenção. Peres 
			semeia nesta seara lírica, sobretudo em Poemas de um cristão (São 
			Paulo: Rosari, 2001), com prefácio de D.Pedro Casaldáliga. Mas é 
			preciso destacar que o tema religioso não diminui o vigor do 
			exercício poético. Ao largo, e até mesmo apesar da confissão de fé, 
			o que avulta aí é a qualidade da poesia em si, pelo trabalho com as 
			palavras e pelos sentidos das imagens.  
			
            Ultimamente, torna-se dominante na poesia de Rocha Peres o poema 
			curto, às vezes constituído num único período dividido em versos 
			marcados pela distensão formal, aproximando-se do talhe da prosa. 
			Trata-se, aliás, de uma das vertentes que o autor exercita no livro 
			Arqueopoemas (Feira: Edições Cordel, 2001), com poemas que fluem 
			ágeis num tom de reflexão, fazendo uma espécie de filosofia lírica 
			do frágil e efêmero viver humano. Eis o que afirma o poema “Vestígio 
			VIII”: Todos nós temos/ pouquíssimo tempo/ A sensação do átimo,/ do 
			momento que ela/ virá, a parca, de luto.” (Arqueopoemas, p. 26).  
			
            Em Natureza e coisas, também reunião de poemas curtos, o que salta 
			logo à percepção do leitor atento é a simplicidade e a agilidade, 
			muitas vezes desconcertante, com que os versos comunicam reflexões 
			sobre a condição humana, agora de forma mais imagética que 
			propriamente filosófica. Essa simplicidade, no entanto, é um 
			revestimento retórico a exprimir um olhar que capta as coisas 
			profundas, mas com leveza de expressão, no sentido sugerido por 
			Ítalo Calvino, como uma das propostas para o atual milênio.  
			
            Essa poesia se ocupa em revelar as contingências simples da vida, ao 
			sabor do detalhe, mas que, no fundo, são determinantes da qualidade 
			de existência do ser humano enquanto ser-na-vida. Através dessas 
			imagens, à primeira vista deslocadas das máximas do viver prático do 
			cotidiano regido pelos índices das bolsas e do mercado, o poeta se 
			ocupa em ascultar, coisas como; “a vida e suas culpas” e “o pó 
			dentro da alma”, no poema “risco” (p. 11).  
			
            Cada poeta sabe que sua sina é lutar com palavras e com a (im)possibilidade 
			de dizer o mundo. A poesia é cada vez mais um espaço de resistência 
			em tempos cada vez mais duros e insensíveis. Esse é um desafio à sua 
			força de sobrevivência, que já é milenar. Mais do que nunca, os 
			viventes do mundo-mercado estão ameaçados de perder o senso lírico 
			de si mesmos e das coisas em volta. Só escutam e falam a voz ruidosa 
			de roletas, índices e cifras. Mas cada poeta é guardião de uma outra 
			voz (vide Octavio Paz).  
			
            Os poetas, como os pássaros, “dizem coisas intraduzíveis” e, embora 
			o mundo não lhes dê ouvidos, eles se mantém alertas “na espreita de 
			um aceno” (p. 13). Eles sabem enredar as palavras para despertar o 
			leitor. E, enfim, como diz o poeta Fernando da Rocha Peres, “A 
			poesia é assim mesmo, / felina e doce, / aveludada e rubra”. Eis aí 
			o sentido lírico de Naturezas e coisas. 
			 
   
			
			 
			
			Leia a obra de Fernando 
			Peres 
			
             
  
                                                                   
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
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