Maria Angela Piai
Contra a Violência
Amanhece.
Corro atrás da hora que sempre esta a me vencer pelo cansaço.
Acordo meus filhos, alimento-os, faço com eles a lição de casa,
brigamos um pouco, rimos, vemos alguns desenhos juntos, tomamos
banho e saímos. Eu vou para o trabalho, eles para a escola.
Caminhamos de mãos dadas, debaixo do sol escaldante da Cidade dos
Poetas.
Conversamos sobre muitas coisas: planos, insatisfações, sonhos...
No trajeto encontramos muitos rostos familiares, trocamos
cumprimentos, retribuímos olhares...
Cruzamos também com outras crianças: mochila nas costas, livros nas
mãos, uniformes... São crianças, como meus filhos: amadas, cheias de
sonhos, seus risos borbulham no ar como bolhas de sabão.
Lembro-me desta fase em minha vida: dos segredos, das fofocas
inocentes de meninas, das brincadeiras, dos amigos, das
professoras... São momentos marcantes que têm um gosto de saudades
que não sai da boca mesmo depois de tantos anos.
Beijo meus filhos no portão, os observo caminhar em direção a sala
de aula convictos, seguros de si... Esta cena sempre me emociona:
vê-los caminhar em direção de suas vidas...Os meus menininhos! Ah, o
coração de uma mãe esta sempre carregado de tantos sentimentos.
Vou trabalhar.
Na conversa entre os amigos me contam de uma tragédia: a criança
assassinada na porta da escola aqui na cidade.
Que sentimento de medo nos assola como pais, mães? Que sentimento é
esse que nos apavora quando a crueza da violência chega tão perto de
nossas crianças?
É medo de percebermos que eles também estão à mercê desta violência,
resultado dos séculos de pouco caso com o ser humano e explodindo
nas nossas portas.
O medo de percebermos que levamos nossos filhos até certo ponto
debaixo de nossos cuidados, mas chega “o portão”, chega o momento em
que eles soltam as mãos, nos beijam e seguem seu destino.
Estamos todos assustados, mas o que fazer? Como conseguir reverter
este quadro? Mais policia? Mais leis? Mais...Mais...Mais... Nada é o
bastante, nunca é suficiente...
Não temos uma educação para todos como é divulgado. A fome não é
igual a zero (aliás, esta longe disto) como é proclamado aos sete
ventos. Construímos casas cada vez mais fechadas, com mais grades,
com muros cada vez mais altos, nos armamos até os dentes...
Para quê? Para que a violência se despeje diante de nós, que ria de
nossas artimanhas. Ela ri de nós de maneira escancarada nas páginas
dos jornais, na TV, na nossa vizinhança...
Existe um momento na vida em que precisamos parar, refletir.
Precisamos fazer determinadas perguntas e ouvir nossas respostas. O
que esta errado? O que é preciso para que melhore?
Isso não esta fora de nós, não vai começar fora de nós, isto precisa
começar dentro de nós.
Acordo durante a noite e espio meus filhos dormindo... Procuro em
meu coração um lugar de paz onde minha alma possa orar por eles e
orando por eles descubro a necessidade de orar pelo anjinho morto e
por todas as crianças.
Não que eu seja alguém de grande fé, sou apenas uma mãe.
“Não choreis por Mim, chorai por vós e por vossos filhos...”
Com uma lágrima quente, correndo pela minha face apago a luz e tento
dormir.
Breve vai amanhecer novamente.
Meus sentimentos em memória de todas as crianças que são vitimas
de alguma forma de violência.
|