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Maria Angela Piai

angelpiai@yahoo.com.br

Theodore Chasseriau, França, 1853, The Tepidarium

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Poesia:


Ensaio, crítica, resenha & comentário: 


Fortuna crítica: 


Alguma notícia da autora:

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Herodias by Paul Delaroche (French, 1797 - 1856)

 

Albrecht Dürer, Germany, Study of praying hands

 

 

 

 

 

 

 

Thomas Colle,  The Return, 1837

 

 

 

 

 

Maria Angela Piai


 

ESCONDERIJO


Por que não
consigo fugir
deste medo,
desta angústia,
ou se quer do
desespero?
As músicas
que eu amava,
me magoam.
meus versos,
não ecoam.
Ficou o silêncio
de vidro
partido,
ficou navalha.
Ficou solidão
e sangue...
 

 

 

Michelangelo, Pietá

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Bruno Miquelino

 

 

 

 

 

 

 

Da Vinci, La Scapigliata, detail

 

 

 

 

 

Maria Angela Piai


 

NÃO AO AMOR


Colocaram o fermento
podre da inveja no
bolo sagrado do amor.
Amargaram o sabor
do recheio com fel.
Ninguém se deliciou.
Ninguém conseguiu gostar.
Ninguém amou...
 

 

 

Ticiano, Flora

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Aurelino Costa, Portugal

 

 

 

 

 

 

 

Andreas Achenbach, Germany (1815 - 1910), A Fishing Boat

 

 

 

 

Maria Angela Piai


 




Meu olhar esta triste.
Meu olhar como o mar.
Meu olhar não existe.
Meu olhar quer chorar....
 

 

 

Allan Banks, USA, Hanna

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José Aloise Bahia

 

 

 

 

 

 

 

John Martin (British, 1789-1854), The Seventh Plague of Egypt

 

 

 

 

 

Maria Angela Piai


 

MELANCOLIA



Sinto meu pulso parar:
calem-me as canções que falam de amor;
calem-se todas as histórias felizes;
apaguem os filmes românticos.
Quero o silêncio de minha solidão martelando sobre mim.
Quero a dor, a angústia...
Quero ouvir o conta gota da tristeza caindo lentamente.
Quero que a explosão deste desespero
retumbe por todo o dia em minha alma vazia.
Eu preciso ser assim...
 

 

 

Rafael, Escola de Atenas, detalhes

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Márcio-andré

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Thomas Colle,  The Return, 1837

 

 

 

 

 

Maria Angela Piai


 


MARIA

 

Sou Maria preta.
Sou erva daninha.
Caminho fogosa
subindo a colina.
Vou dar lá no morro,
moro na favela.
Peço por socorro
enquanto queima a vela.
Faço oração
(Todo dia eu oro)
é que na favela
num sufoco eu moro.
Levo na cabeça
a trouxa com roupa
Sou Maria preta
que trabalha fora,
a que ganha pouco-
mal dá pra comer-
mas eu rio a toa,
canto sem sofrer.
É que nesta vida
aprendi viver
com a agonia
de ter e não ter...
Sou Maria mãe:
perdi muitos filhos,
nas guerras de rua,
são alvos de tiros.
Sou mulher Maria
e estou sem marido
foi comprar cachaça
e morreu bandido.
Mai lá no meu barraco
não há tristeza não...
Ao longe se ouve
o meu baruião.
E quando é carnaval
logo me transformo:
Sou Maria doida,
tô na confusão,
e da festa toda
eu sou a rainha,
corre pelas veias
confete e purpurina...
Pela noite adentro
eu viro felina
Sou Maria a Amélia
que cozinha bem.
Sou mulher da rua,
não me prendo a ninguém.
E assim eu vivo,
sem rolar meu pranto,
levando no sorriso
um mar de desencanto.

Tenho muitas cores,
me dão muitos nomes,
sou mulher das flores,
sou mulher sem homem,
Sou grande guerreira,
sou gata mansinha...
Sou Maria preta,
sou erva daninha.
 

 

 

Michelangelo, Pietá

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Bruno Miquelino

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Thomas Colle,  The Return, 1837

 

 

 

 

 

Maria Angela Piai


 


TRAIÇÃO

 

Que medo
nunca se
vai?
Que vazio
nunca se
preenche?
Que angústia
sempre
sufoca?
Nada de
lábios
em minha
boca.
Nada de
dedos
em minha
mão.
Nada de
brilho
em meus
olhos...
Doce
ilusão,
você
azedou.
realidade,
você
distorceu.
Você
sempre
você:
vazio,
frio,
distante!
Então me cansei de ser assim
toda você, nada pra mim.
Eu, um vulcão em chamas.
Você, o gelo polar.
Eu lhe querendo na cama.
Você se dando em outro lugar!
 

 

 

Michelangelo, Pietá

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Bruno Miquelino

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Thomas Colle,  The Return, 1837

 

 

 

 

 

Maria Angela Piai


 


AMOR DE NINGUÉM

 

Este amor vai além de mim,
além da dor e da arrogância
Sobrepujia a própria morte
e sobrevive
Às páginas amareladas,
aos álbuns de retrato e
às palavras vazias, baldias.
Sobrevive, pois vai além
de qualquer coisa a ser dita
Mastiga a hipocrisia e
vomita a sinceridade
Esmaga a covardia e
descobre a coragem
Não se contenta com a paz
lutando a batalha da luz.
Sem se conformar com a injustiça
Sem nunca aceitar a indiferença
Sossegando na igualdade
um amor que vai além da poesia
(por que até o mais belo
dos poemas morre um dia)

Mas não morre esta magia,
este brilho no olhar
E não finda a agonia,
ou o desejo de lhe tocar.
O amor vai além de mim,
ele ultrapassa a qualquer um,
porque se estende a todos
os lugares onde haja
um pequeno espaço
para o amor entrar.
 

 

 

Michelangelo, Pietá

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Bruno Miquelino

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Thomas Colle,  The Return, 1837

 

 

 

 

 

Maria Angela Piai


 


O TIGRE E A ROSA

 

Atentai para o barulho
dos tigres na alma da rosa
Silencie para ouvir o ronronar felino
nos olhos decadentes de flor
Toque com dedos trêmulos
o perfume da fera enjaulada
mesclado ao odor da rosa apodrecida
Inale o medo
Apalpe a dor
E beba num cálice
a amargura de se estar enjaulado
num peito rasgado
por garras inconsistentes e
inconscientes da própria realidade
O que sobrevive?
Tenho seis pares de garras
arranhando a garganta
Sofregamente balbucio:
salvem os tigres da rosa.
 

 

 

Michelangelo, Pietá

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Bruno Miquelino

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Thomas Colle,  The Return, 1837

 

 

 

 

 

Maria Angela Piai


 


SEM MELODIA

 

Tanta coisa acontece
em meu interior
a cidade anoitece
permanece o calor.
Há magia no ar
folhas verdes no chão
recomeço a cantar
outro velho refrão.
Para falar de alegria
de uma doce paixão
que pulou na folia
e virou um só coração.
Se me abraça a agonia
procuro a solidão
e na noite vazia
reescrevo a canção.
Ao mudar a melodia
reconheço no tom
o toque da nostalgia
que vem do coração.
Deixo que chore a alma
ao som do cavaquinho
o meu cantar não é pobre
é o sonhar de um menino.
Traquinagens e birras
gargalhadas e cantigas
essas são minha sinas
por viver amando a toa.
Há quem chore por mim
(este há de morrer de dor
ao perceber que de mim
só se recebe calor).
Se há marcas no corpo
destas antigas paixões
tento fugir do sufoco
trazendo poemas nas mãos.
E quem ouvir meus soluços
e tropeçar no meu nó
há de abrir-me os braços
e enlaçar-me sem dó.
 

 

 

Michelangelo, Pietá

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Bruno Miquelino

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Thomas Colle,  The Return, 1837

 

 

 

 

 

Maria Angela Piai


 


O PORTÃO

 

Em minha janela,
canta uma cotovia
fingindo ser ela
quem eu amei um dia
num reflexo fatal
no refluxo final
eu perdida.
Passos na casa vazia,
escuridão...
Eu atenta,
em vigília...
Ouço o vento batendo o portão
E pensamentos agitando-se nos galhos de árvores
que aranham as paredes perdidas entre tempo e espaço
Qual meu tempo?
Qual meu espaço?
A areia da ampulheta corre mais depressa que meus pés
e não consigo estancá-la com meus pequenos dedos
a areia corre, cobrindo meu corpo devasso de inquietação
e num violento sopro da natureza,
o portão se fecha pra nunca mais se abrir.
 

 

 

Michelangelo, Pietá

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Bruno Miquelino

 

 

 

 

 

08/01/2008