|
|
Assis
Brasil reúne consagrados e ‘secundários’ da poesia mineira
deste século
Acrescentando
mais um volume à tarefa hercúlea do escritor, antologia traz
diversidade e riqueza da poesia de 75 autores
Por Luiz Ruffato
Desde 1994, o consagrado romancista e ensaísta Assis Brasil vem se dedicando a uma tarefa hercúlea: mapear a produção poética brasileira do nosso século. Naquele ano, foi publicado o primeiro tomo da série, uma antologia da poesia produzida no Maranhão. Depois vieram os tomos relativos aos estados do Piauí, Ceará, Goiás, Amazonas, Rio de Janeiro e Rio Grande do Norte. Agora, acaba de sair A Poesia Mineira do Século XX. Nesse volume, que nos interessa discutir neste espaço, Assis Brasil reuniu democraticamente amostras da obra de autores que já fazem parte da história da literatura brasileira (como Alphonsus de Guimaraens, Murilo Mendes, Carlos Drummond de Andrade, Dantas Motta, Affonso Romano de Sant’Anna, Affonso Ávila e Adélia Prado, entre outros) ao lado de autores jovens ainda desconhecidos do grande público. Além disso, o grande mérito desta antologia é recuperar para as novas gerações autores ditos “secundários”, hoje vivendo no limbo – Augusto de Lima, Severiano de Resende, Edgar Mata, Murilo Araújo... A antologia se inicia justamente com o inclassificável Augusto de Lima, que transitou pelo parnasianismo, pelo simbolismo e acabou refugiando-se na poesia religiosa, no final da vida. Passa por Alphonsus de Guimaraens, que dispensa apresentação; por Severiano de Resende, autor de um único livro, desconcertante, Mistérios, que reúne desde sonetos numa linha que lembra Augusto dos Anjos, poemas estranhamente fantásticos e alguns que trazem já a marca do futurismo italiano (o autor viveu em Paris seus últimos 20 anos de vida); e por Edgar Mata, um simbolista que morreu cedo e não deixou nenhum livro publicado. O modernismo é introduzido em Minas Gerais por meio de A Revista, de 1925, capitaneada por Carlos Drummond de Andrade, e da revista Verde, de 1927, editada em Cataguases. Os poemas de Drummond não aparecem na antologia possivelmente por problemas ligados à cessão de direitos autorais. Os “verdes”, no entanto, lá estão: Enrique de Resende, Rosário Fusco, Francisco Inácio Peixoto, Ascânio Lopes e Guilhermino César. Aos poetas que aderiram a esse primeiro estágio modernista – o excelente Murilo Mendes, o recluso Emilio Moura, Abgar Renault, Henriqueta Lisboa – seguem os que cerraram fileiras no segundo estágio do movimento, a chamada “Geração de 45” – Bueno de Rivera, Alphonsus de Guimaraens Filho – e o também inclassificável e excelente Dantas Motta. Depois, a vanguarda, representada por Affonso Ávila e Laís Corrêa de Araújo. Curiosamente, duas cidades do interior se destacam no cenário das letras mineiras: Cataguases e Juiz de Fora. Em Cataguases, depois da geração da revista Verde, veio a geração de 45 – Francisco Marcelo Cabral e Lina Tâmega del Peloso –, a vanguarda – Joaquim Branco, P. J. Ribeiro, Aquiles Branco e Ronaldo Werneck – e a nova geração, representada por Ronaldo Cagiano. Em Juiz de Fora, de onde saíram Murilo Mendes, Affonso Romano de Sant’Anna e Júlio Castañon Guimarães, se sucederam a geração esteticista de Cleonice Rainho, Marta Gonçalves e Imah Théres e o excelente grupo reunido em torno da revista D’Lira – Iacyr Anderson Freitas, Fernando Fábio Fioreze Furtado, Julio Polidoro, Edimilson de Almeida Pereira. Outro destaque deve ser feito ao grupo que se radicou em Brasília, que engloba várias gerações de bons poetas – Joanyr de Oliveira, Anderson Braga Horta, Danilo Gomes, João Carlos Taveira, Wilson Pereira e Ronaldo Cagiano. Deve-se destacar ainda os nomes de Yeda Pratis Bernis, Maria José de Queiroz (mais conhecida como ensaísta), Pascoal Motta, Adão Ventura, Antonio Barreto, Carlos Ávila, Marcelo Dolabela e os poetas radicados no interior do estado, como Cícero Acaiaba (em Varginha), Lázaro Barreto (em Divinópolis), Elias José (em Guaxupé), Guido Bilharinho (que edita a revista Dimensão, em Uberaba), Eustáquio Gorgone de Oliveira (em Caxambu) e Aricy Curvello (em Serra, ES). Assis Brasil reuniu, em sua antologia, 75 representantes da poesia mineira. Sem ter, claro, a intenção de esgotar o tema, percebe-se que alguns nomes ficaram de fora, como José Santos Mattos, José Henrique da Cruz, Celina Ferreira, Márcio Almeida... O que só demonstra a riqueza de uma literatura que produz muito mais do que aparece no mercado livreiro oficial. A Poesia Mineira do Século XX, organização, introdução e notas de Assis Brasil. Imago, 310 páginas, R$ 25,00. Luiz Ruffato é jornalista e autor de Histórias de Remorsos e Rancores (Boitempo Editorial) [in Jornal da Tarde, 30.12.1998] |
|
[José Nêummane] |
|
|
|
Os cem melhores
poetas brasileiros do século
Seleção de José Nêumanne Pinto Geração Editorial 324 páginas André Seffrin Todo final de década ou de século convida às revisões, às vezes tão oportunas quanto imprevistas e aleatórias. Este ano, ao que tudo indica, a poesia brasileira do século 20 parece chamar a atenção dos editores. E o primeiro livro a enfrentar o desafio é Os cem melhores poetas brasileiros do século, na seleção do poeta e jornalista José Nêumanne Pinto. O autor se confessa, desde o início, apenas “um poeta bissexto e um leitor de poesia”, portanto, como parece sugerir, pouco capaz para um projeto tão ambicioso. Uma tarefa inglória, é bom que se diga, sobretudo porque a reunião em volume do que seria o grande elenco da melhor poesia brasileira do século 20 é função que desafia espíritos mais afinados, um terreno inóspito ao diletantismo. Mas Nêumanne teve uma consciência muito clara dos seus limites. Talvez por isso seu texto de apresentação seja uma
prova de humildade que, em certa medida, aponta para a precariedade do
plano: “Quando comecei a consultar os livros disponíveis em minhas
próprias estantes para dar o pontapé inicial à tarefa,
a primeira imagem que me ocorreu foi a do adolescente 35 anos mais jovem
e 20 quilos mais leve na calçada da exígua livraria das Edições
de Ouro, à rua Irineu Joffily, em Campina Grande, Paraíba,
folheando, avidamente, o pequeno e tosco volume da antologia de poesia
brasileira, organizada por Manuel Bandeira e Walmir Ayala.”
A seleção tem seus méritos, é provável que muitos deles fruto da fidelidade de Nêumanne às suas leituras mais caras. Todavia, se Joaquim Cardozo, Mário Quintana e Cecília Meireles comparecem com alguns dos seus poemas mais característicos e, no caso de Cardozo, com uma das obras-primas da literatura brasileira, o espaço que coube a Carlos Drummond de Andrade, Affonso Romano de Sant’Anna e Armando Freitas Filho parece pagar tributo à seriedade que se quis imprimir ao livro. Quanto a Drummond (“No meio do caminho”), revela Nêumanne: “O poema escolhido nem é o meu favorito, mas se impôs porque continua a desafiar a crítica e provocando rebuliço”, confessando que muitos amigos interferiram na coleta e muitos poemas figuram no livro por sugestão de colaboradores eventuais. Baseando-se em antologias antigas, principalmente na série canônica de Manuel Bandeira, o autor justifica, entre outras inclusões, a de Joel Silveira: “Bandeira já o incluíra numa antologia de bissextos, que repeti aqui, para representar todos os bissextos neste País de bissextos, mas não necessariamente tão bons como ele.” Na verdade, não é o único bissexto que aparece. Para ficar apenas naqueles que Bandeira elegeu, temos também aqui Pedro Dantas (Prudente de Morais, neto). Será mesmo que o Pedro Nava de “O defunto”, uma ausência doída, não merecia o espaço ocupado pelo mais que bissexto Joel Silveira? Quanto às “qualidades evidentes” de um poema de Antônio Girão Barroso, seria o caso de perguntar se elas justificam a inclusão de seu nome entre os cem melhores poetas - já que o livro não se chama os cem melhores poemas. A “geração mimeógrafo” é representada por Chacal, maneira que Nêumanne encontrou de resistir “à pressão para incluir Ana Cristina César”, num imbróglio que talvez merecesse uma explicação menos cândida (para quem sabe ler as entrelinhas, tudo está dito). Nesse sentido, Cacaso poderia ter sido o fiel da balança, mas sequer foi lembrado. Como também não foram lembrados, nas seções das vanguardas, José Lino Grünewald e Theon Spanudis, este o eterno esquecido das antologias e compêndios. Ao lado de Ferreira Gullar, eles são talvez as grandes vocações poéticas de todo o movimento concreto-neoconcreto. Mas as eventuais ausências (entre tantas, a de Emílio Moura chama atenção) incomodam menos que a seleção forçada de cerca de dez ou quinze nomes de valor bastante discutível. Por outro lado, dá margem a especulações o que Nêumanne chama de a “sanha dos herdeiros”, tentando justificar certas ausências, uma vez que os únicos poetas que apresentam tais senões foram incluídos, e alguns vivos é que se recusaram. Com respeito aos verbetes biobibliográficos, oscilam demais,
ora extensos ora breves, cheios de considerações inúteis
ou absurdas. Também a atualização dos dados bibliográficos
deixa muito a desejar. Da mesma forma, não há critério
para as notas de pé de página e os “textos introdutórios”
às seções. A precariedade e a falta de método
com que esses textos foram redigidos dispensa comentários.
André Seffrin é crítico e ensaísta. |
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|