Mais de 3.000 poetas e críticos de lusofonia!

 

 

 

 

 

Batista de Lima

 

As distâncias de todos os Dimas

 

 

 

Uma leitura apenas do livro A Distância de Todas as Coisas, de Dimas Macedo, é insuficiente para se avaliar a dimensão total do mergulho possível nesse seu estuário poético. Nessa terceira edição da Imprensa Universitária da UFC - Universidade Federal do Ceará, já de 2001, há um prefácio de Rodrigo Marques e um posfácio de Paulo de Tarso Pardal, ambos analíticos e bem fundamentados. Para se ter uma visão nova e particularizada dos poemas do livro é aconselhável que se leiam esses dois comentários apenas após a leitura dos poemas.

O autor começa derivando para o metapoema quando apregoa
 

Trabalho o verso, como o operário faz a luta,
porém minha angústia é imensa...
 

Mas não é esse o caminho mais largo para se chegar ao seu manancial poético. Aliás, por falar em manancial, lembramo-nos de rio; e feliz do poeta que vive ao lado de um curso d'água, de preferência um rio. Qualquer que seja o rio: o Tejo, o Capibaribe, o Jaguaribe, o Acaraú ou até mesmo o Salgado. Assim como Fernando Pessoa, João Cabral, Luciano Maia, Alcides Pinto, também Dimas tem seu rio, o Salgado. Salgado de quê? De lágrimas? De suor? De sangue ou dos sais da mulher amada? O importante é ter um rio e, ainda por cima, ser Salgado.

Mas o que é um rio? "Uma imaginação entre planícies"? É evidente que por entre planícies muito mais transitam "as ruínas do silêncio". E é nesse transcurso ou nessa transgressão à rotina do dia a dia onde se instaura a fonte culminante da poesia de Dimas Macedo nesse livro

Mansamente eu olho para Deus
e ele não responde minhas perguntas
Lacerado eu busco o absoluto das coisas,
o labirinto do caos onde me perco.
Há no poeta uma angústia.

 

Tão profunda é essa angústia que a única forma de suportá-la, é dela se fazer amante. É dar-lhe voz no verso, dar-lhe vez na existência. Essa poética da angústia é catarse, é conluio, é idílio. "Há em mim/ uma angústia"; é rio, e um rio não se faz só com água.

É tão profunda a melancolia em Dimas Macedo que dá a impressão de que se está diante de um réquiem que o autor entoa para si próprio. "Meu silêncio é uma túnica que se alonga pela noite". Ou ainda: "Todas as minhas horas são a salvaguarda de um pesadelo". Esses versos fazem dessa "Canção número um", o momento epifânico em que Dimas Macedo se lacera no encurtamento de todas as suas distâncias: o telúrico cantor de Lavras, o nostálgico observador do rio e o escafandrista que emerge da mais profunda angústia como cantor lírico da sua própria dor. Assim é que nesse mesmo poema ele continua afirmando:
 

hesito, e absorto olho o vácuo que se alonga pela tarde:
sinto-me enfermo entre vales e planícies.
 

A cura dessa enfermidade contraída e que está no cerne da existência só se consegue pelo cantar. A poesia de Dimas Macedo é um instrumento à angústia, construído por ele próprio com materiais como o signo lingüístico argamassado de ternura. "Todos os ocasos se fundem em mim" ou "no meu interior carrego todas as angústias sentidas pelos homens". E finaliza afirmando: "sinto-me um estranho para as coisas."

A vida é para Dimas Macedo uma grave enfermidade contraída. Daí afirmar: "A morte me pressente". Para vencer esse estigma determinista ele se utiliza de poderosa arma que é a rebeldia diante do código lingüístico. Assim, pode-se dizer que o mais curto caminho para se chegar a Dimas, ou a fórmula para encurtar a distância entre o leitor e o autor está na prospecção de sua angústia, da mesma maneira que fez o poeta. Acontece que para se tomar pé nessa profunda pletora de subjetividade, necessita-se rastrear nas veredas da escritura, os vazios, armadilhas que o autor vai nos preparando. Só um bom farejador pode escalar os degraus desse percurso e assim como Dimas Macedo superar as distâncias de todas as coisas, que é uma forma de superar as distâncias de todos os Dimas.
 


Dimas Macedo

Leia Dimas Macedo